Ponto de vista de Killey
Meu primeiro teste, em minha nova vida. A única que lembro de ter. Treinamentos, estudos sobre armas, formas de mätar, artes marciais e isso é tudo. Não tenho vislumbre de mais nada. Tudo que sei é o que foi ensinado. O resto é um vazio, um espaço sem passado, sem identidade.
Decidi dar uma volta antes de começar a missão. O ar fresco de Manaus tocava meu rosto e, por um breve momento, me senti humano novamente. Quando passei em frente a uma loja de instrumentos musicais, uma sensação estranha me acometeu. Uma guitarra amarela e preta, exposta na vitrine, chamou minha atenção. Ela era linda, parecia marmorizada, com uma textura impecável que me fez parar. As cordas tinham um tom dourado que refletia a luz de maneira quase hipnótica. Por um instante, senti algo em meu peito, uma emoção que eu não soube reconhecer.
Suor começou a escorrer pela linha da minha coluna, e um calafrio percorreu meus braços. Algo estranho, algo que parecia perdido, emergiu na minha mente. Lembrei de sons, de acordes, talvez de uma vida que nem sei mais se vivi. Mas logo recobrei a razão. Seja o que for, não importa. Não é mais importante. Tenho uma missão.
A missão é clara, e eu não posso me distrair. Preciso impedir que o Sicário chamado Barney consiga retirar a Dra. Kelly Chambers Oliveira de Manaus. Ela é a chave, e ele está determinado a levá-la, seja lá para onde for.
Minha rede de contatos me informou que Barney tem um armazém no porto de Manaus. Ele costuma guardar dois veículos de Impulso Vetorial para transporte de carga, usados em suas operações. Se ele estiver lá, aquele seria um bom local para agir. A segurança portuária não é das melhores, pois eles evitam as áreas dos piers que são dominadas por pessoas do submundo, mercenários e outras figuras indesejáveis. Esses espaços se tornaram locais propensos a atividades clandestinas, mas também são mais fáceis de se infiltrar, para quem sabe onde está pisando.
A missão estava clara, e qualquer emoção anterior precisava ser deixada para trás. Eu não era mais o homem que eu fui—se é que alguma vez fui alguém antes disso. Agora, sou um Sicário, e a única coisa que importa é o sucesso da operação.
De longe, observo cada movimentação com atenção. Homens armados fazem a segurança do local, enquanto outros carregam caixas bem fechadas. A distância, não consigo identificar o conteúdo, mas a atividade frenética sugere algo de valor. Permaneço imóvel por alguns minutos, analisando a situação. Dois sicários estão comigo — mercenários experientes, eficientes no combate. Dou instruções para que avancem furtivamente enquanto me mantenho na retaguarda, vigiando de longe e pronto para atirar, se necessário. Antes de qualquer coisa, preciso confirmar a presença da Dra.
Assim que eles avançam, mantenho minha posição. Meu fuzil tem um alcance de 200 metros, então me posiciono estrategicamente dentro desse raio. No entanto, a tentativa de infiltração dos sicários falha — são detectados antes do esperado. Pelo visto, furtividade não é o ponto forte deles. Rapidamente, tento fornecer apoio à distância, mas os seguranças de Barney reagem com rapidez e eficiência, se reposicionando de forma que saem completamente da minha linha de visão.
A situação se complica. O tiroteio começa e meus homens estão sob fogo cerrado. Não posso mais permanecer aqui. Para ajudar, precisarei descer do terraço onde estou posicionado. O único caminho viável é pelo interior do prédio, o que vai me custar tempo precioso.
Sem alternativa, respiro fundo, seguro firme minha arma e começo a me mover. O relógio está contra mim.
Quando finalmente chego ao local do tiroteio, já é tarde demais. Como se estivesse em câmera lenta, vejo meu último operativo ser executado com um tiro na cabeça à queima-roupa. Ele foi cercado, sem chance de defesa. Um misto de fúria e adrenalina toma conta de mim. Sem hesitar, aperto o gatilho e despejo uma rajada de pelo menos vinte tiros, abatendo os primeiros alvos. Em seguida, controlo a respiração e continuo disparando em rajadas precisas de três tiros, um para cada cabeça exposta. Em segundos, todos os inimigos estão no chão, mortos.
Mas não há tempo para comemorar. Um barulho no céu me faz erguer o olhar. Entre as nuvens carregadas de Manaus, vejo um veículo de Impulso Vetorial se afastando rapidamente. Barney está fugindo. E talvez com ele esteja a Dra. — sequer consegui confirmar sua presença na cena.
Revisto o armazém em busca de qualquer pista, mas encontro apenas mercadorias largadas, aparentemente peças eletrônicas. Nada que me leve a Barney ou à Dra. A única coisa útil ali é um veículo estacionado — um dos capangas deve ter ficado sem tempo para escapar com ele. Se apenas Barney conseguiu fugir, isso significa que ele está agindo com uma equipe menor do que imaginei.
Sem perder tempo, pego o telefone e ligo para meus contatos. Preciso que hackeiem o sistema de vigilância do porto e rastreiem o veículo com a placa XYX-2900. Alguns minutos de tensão se passam até que recebo a resposta. O carro está parado próximo a um supermercado.
Franzo a testa. Um supermercado? O que diabos Barney estaria fazendo lá? Se estivesse fugindo, por que parar? Algo não se encaixa. Ou isso é uma armadilha, ou ele tem um motivo muito específico para estar naquele lugar.
Sem outra opção, engato a marcha e piso fundo. A caçada ainda não acabou.
Chegando ao estacionamento do supermercado noto o veículo de Barney abandonado, peço as filmagens do tal supermercado e ao ver as cenas a seguir meu sangue gela, Barney sai do veículo empurrando uma caixa grande, parece um tanque de suspensão de vida. E dentro tem uma mulher, totalmente inerte. Parece estar dormindo. Não acredito que lá no porto, ela estava lá, provavelmente há dias. Barney abre o tanque, a retira, usa uma seringa para aplicar um medicamento e ela desperta, vomita um líquido pegajoso e após limpar a boca, com um sorriso o cumprimenta, passa uma grana para ele e eles adentram outro veículo, dessa vez é um carro.
Para onde estariam indo que não poderiam simplesmente utilizar um veículo de Impulso Vetorial? A pergunta martela na minha mente enquanto tento encontrar uma resposta lógica. Penso, reflito, mas nenhum lugar me vem à cabeça que exigisse exclusivamente um veículo terrestre para acesso.
Isso só significa uma coisa: eles estão indo para algum lugar específico, onde o acesso não pode ser feito pelo ar. Pesquisando minhas fontes chego à um único nome: Cidade da Sucata.
Não tenho escolha a não ser continuar vigiando as câmeras. Seguindo para a direção que foram acabo fora da zona urbana, até que finalmente chego aos limites da cidade de Manaus e se torna mais óbvio o destino.
Claro, a Cidade da Sucata não pode ser acessada pelo ar. Existe um sistema de túneis fortemente vigiado, com seguranças armados, scanners, leitores biométricos e todo um aparato de pröteção que varia de nível médio a alto.
Preciso encontrar uma maneira de entrar nesse lugar. O problema é que, sozinho, não consigo. E, depois de perder dois Sicários hoje, pedir mais apoio está fora de questão.
Além disso, como vou apresentar um relatório com tantas falhas? Xiaomei vai ficar decepcionada. Não consegui concluir a missão, e temo que decidam me descartar… ou pior, que limpem minha mente. Será que já fizeram isso antes? Essa ideia me atormenta.
Chego ao prédio da Biocom. Xiaomei está sorrindo, animada, mas, assim que vê minha expressão, seu rosto se transforma.
— Faça o relatório. Quero entender o que deu errado. Em uma hora, na minha sala. Sem atrasos.
Ponto de vista de terceira pessoa
Ela se vira nos calcanhares, apressada e visivelmente perturbada.
Mais cedo naquele dia, ela havia dito a Douglas que recuperaria o projeto, já que a incrível arma dele estava "presa" na Europa.
Agora, no entanto, teria que apresentar um relatório que, inevitavelmente, descreveria uma falha na operação. Engolir o orgulho nunca foi seu forte, mas desta vez não havia alternativa. Para piorar, Kira estava voltando hoje, e era quase certo que Douglas delegaria a missão a ela. E lá se ia sua chance de conquistar algo grande.
Talvez fosse o momento de mudar de estratégia. Se aproximar de Kira poderia ser uma jogada inteligente. No fim das contas, ambas eram mulheres, e Xiaomei acreditava que poderia tirar proveito disso. Mas essa não era sua única observação sobre Kira.
Ela também havia notado algo curioso: a maneira como Kira olhava para Alessandro. Havia uma fixação ali, um interesse que Xiaomei captou de imediato. Não passou despercebido. E talvez pudesse usar isso a seu favor.
Seus pensamentos são interrompidos por Killey, que se anuncia antes de entrar no cômodo com o relatório em mãos. Xiaomei o pega sem dizer uma palavra, percorre as linhas com os olhos e respira fundo, tentando conter a irritação. Enquanto lê, uma ideia se forma em sua mente: talvez tenha sido um erro permitir que ele saísse em uma missão dessas sem experiência real em campo. Ele deveria ter começado como subordinado primeiro.
Mas então, um pensamento incômodo surge. Kira nunca foi subordinada.
Essa constatação apenas alimenta ainda mais sua ambição em descobrir tudo sobre ela.
— Que mërda de operação foi essa Killey?! — Xiaomei esbraveja, sua voz carregada de raiva.
Ela sente a frustração queimando por dentro.
— Agora terei que levar isso ao Douglas e ouvir ele rir na minha cara. Espero, por seu próprio bem, que esse tenha sido o primeiro e último erro.
Sem esperar resposta, Xiaomei sai da sala, determinada, dirigindo-se até Douglas.