Ponto de vista de Alessandro
Hotel
Meu retorno ao hotel foi turbulento. Minha mente não parava. O que quer que esteja acontecendo está me levando à beira da loucura. Kira. Esse é o nome com o qual acordo, passo o dia obcecado e só consigo dormir depois de assistir a seus vídeos em ação e lhe desejar boa noite— mesmo que apenas em meus pensamentos. Inexplicavelmente, isso me acalma. Mas, às vezes, só isso não basta. Em quase todas as noites, após vê-la nas telas, meu corpo entra em chamas, e me masturbo.
Assim que adentro o quarto do hotel, minhas preocupações se voltam para a missão. Ela já deve estar em andamento. Pego uma água com gás no frigobar e me perco em pensamentos, todos direcionados à ela. Mas então, uma dúvida inquietante surge: algo está acontecendo entre ela e Douglas? Essa maldita pergunta se instala em minha mente, e preciso urgentemente saber a resposta. Enquanto tiro o disfarce, uma ideia me ocorre.
Pego o celular e disco o único número que pode me esclarecer. Três toques. A ligação é atendida.
—Douglas, Alessandro falando — digo sem rodeios. — Você sabe que não podemos ter relacionamentos com funcionários dentro da empresa, muito menos com a cobaia de um projeto. Agora que sou vice-diretor da BioCom, não posso fazer vista grossa só porque somos amigos.
Douglas fica em silêncio por alguns instantes. Então, com um sorriso sarcástico perceptível em sua voz, pergunta:
—Alessandro, como estão as coisas em Brasília?
—Tranquilas. Tão tranquilas que deixei a Aurora cuidando de tudo e vim para a Europa visitar meus pais. Algum problema com isso, Douglas? — questiono, incomodado com o rumo da conversa.
—Nenhum. Apenas curioso.
Ignoro seu tom e volto ao que interessa.
—Mas, sabe, Douglas, quem avisa amigo é. Você sabe que não pode ter um relacionamento com Kira. E, da última vez que os vi juntos, parecia haver algo entre vocês. Na verdade, noto que vocês parecem próximos demais.
—Ah, Alessandro... Kira é meu projeto. Com ela, faço o que bem entender. E, como a mulher obediente que é, você não imagina como tudo se torna fácil. Eu ordeno, e ela obedece — responde Douglas, carregando veneno na voz. — Não existe o tipo de relacionamento que você imagina. Eu mando, e ela simplesmente faz. Se eu disser "fique de quatro", ela fica.
O ar escapa dos meus pulmões. De repente, respirar se torna difícil. Meu peito aperta, e minhas veias inflamam. Meu corpo se aquece enquanto minha mente recria a cena descrita, e um misto de excitação e ódio me consome. Não posso acreditar no que estou ouvindo. Kira não é assim. Ou... é? Racionalmente falando, Kira tem algo de máquina. Fria, calculista, decidida. Bela. Sensual. E, sim, obediente.
Respiro fundo antes de continuar.
—Bom, espero que seja apenas isso, Douglas. E que isso não gere problemas para a empresa. Não quero ter que abrir uma auditoria e uma sindicância contra você.
Após lançar a ameaça no ar, desligo a ligação. Sei que Douglas sabe que não estou em Brasília, e, obviamente, também conhece meu verdadeiro destino. Por sorte, meus pais realmente possuem uma residência em Londres e vivem aqui há anos. Eu jamais me arriscaria a vir sem um álibi sólido. Não sou idiöta.
Mas agora tenho ainda mais perguntas do que antes. Maldita ideia de ligar para Douglas! A cobra venenosa que ele é... Será que já percebeu meu interesse em Kira? Meu corpo reage a ela de uma forma inexplicável, e minha mente não para de vaguear até ela.
Eu a quero. Eu a desejo. Minha boca saliva ao pensar nela, da mesma forma que quando imagino meu prato favorito ou chocolates. Falando em chocolates... Vou sair para comprar alguns. Aqui, os chocolates são bons. Não chegam ao nível dos belgas ou suíços, mas são infinitamente superiores aos do Brasil. Sem comparação.
Dirijo-me até uma loja de chocolates próxima ao hotel. O local também funciona como um café e doceria, repleto de tortas e doces maravilhosos. No instante em que entro, meus olhos se fixam em uma cesta adornada com chocolates e doces, tendo no centro um urso de pelúcia. Meu corpo se enrijece. Minha mente, sem que eu queira, me transporta para anos atrás.
FLASHBACK
— Olá, boa tarde! Quero esse urso de pelúcia — digo animado. Afinal, hoje é o primeiro aniversário de namoro com Amanda.
— Claro! Embalagem para presente? — pergunta a atendente, simpática e atenciosa.
— Sim, mas antes, deixe-me colocar esse colar dentro dele.
Sorrio como um bobo enquanto posiciono delicadamente o colar dentro do urso. O pingente, uma lua em ouro branco, tem na ponta um pequeno diamante reluzente, como uma estrela.
A atendente, encantada, observa o gesto e suspira.
— O colar é delicado e belo — comenta, admirada, enquanto segura o ursinho.
— Como minha namorada — respondo com orgulho e paixão.
Depois que a atendente finaliza a embalagem, pego o presente e volto para casa. Tomo banho, escolho minha melhor roupa e me arrumo com cuidado. Prometi buscá-la às sete horas da noite. Nunca me atraso.
Chego à porta da casa dela exatamente cinco minutos antes do horário marcado. Espero dentro do carro até que o relógio marque a hora exata. Então, caminho até a porta. Ela não demora a atender. Está linda, arrumada, cheirosa e sorridente. Hoje, sua aparência está radiante.
— Boa noite, amor. Como você está? — pergunto animado ao perceber seu semblante tranquilo e feliz.
— Estou ótima! E você, como está? — responde com educação e um brilho nos olhos.
Estou ótimo agora que estou aqui com você. — Digo, aproximando-me, enquanto meus lábios tocam os dela com delicadeza. Sorrio carinhosamente.
— E então, para onde vamos? — Ela pergunta, animada.
— Vamos a um restaurante novo. Inauguraram um de comida japonesa nos limites da Zona Executiva, e acho que você vai amar. — Respondo, pegando sua mão e guiando-a até o carro. Abro a porta para ela, ajudo-a a entrar e, com um gesto cuidadoso, fecho a porta.
Ela sorri e se ajeita no banco. Dou a volta, assumo a direção, ligo o carro e seguimos para o restaurante. O trânsito está caótico, e a viagem leva quase duas horas. Suspiro, impaciente. Mäl posso esperar para comprar meu próprio veículo de Impulso Vetorial. Já fiz as aulas, tirei minha licença... Agora só falta o veículo. Perco-me nesses pensamentos até que Amanda me encara, chamando minha atenção de volta para ela.
— Então... Vamos tränsar só quando eu fizer 18 anos, é isso? — Ela pergunta, brincando com os dedos sobre os próprios joelhos, a voz carregada de uma provocação velada.
— Sim. Você ainda é muito jovem para isso. — Respondo com um sorriso inocente, cortando o assunto antes que se prolongue.
Sei que Amanda deseja esse momento mais do que tudo. Já me confessou, mais de uma vez, que tem medo de não viver muito e que, antes de partir, gostaria de se entregar a mim por completo, de corpo e alma.
Estranhamente, não tenho ereção com ela. Mesmo nos momentos mais intensos, meu corpo simplesmente não reage como deveria. Tenho pensado em procurar um médico.
Conversei sobre isso com meu melhor amigo, e ele disse que pode ser algo psicológico. Afinal, Amanda tem uma doença autoimune grave e não pode usar anticoncepcionais ou qualquer outro método de prevenção além da cämisinha. O problema é que usar isso me causa uma sensação de sufocamento, algo quase claustrofóbico. Não queria que minha primeira vez fosse assim. Pode parecer tolice, mas estou com meus exames em dia, e, obviamente, a pessoa com quem eu tiver minha primeira relação também precisará estar. De preferência, que seja virgem, como eu.
Estou tão absorto nesses pensamentos que nem percebo quando chegamos ao restaurante. Dentro do carro, tiro um pequeno pacote e o entrego a Amanda. Ela desembrulha o presente e sorri ao ver o ursinho de pelúcia. Beija-o com carinho, sem notar que há um compartimento secreto escondido nele.
— Olha aqui. — Digo, apontando um pequeno zíper discreto.
Curiosa, ela abre e encontra o colar. Seus olhos brilham ao pegá-lo. Pego a joia delicadamente e a coloco em seu pescoço. Depois, aproximo-me e beijo sua bochecha, lenta e carinhosamente.
— Ficou lindo em você. — Sussurro, abraçando-a por trás e inalando o perfume suave que sempre me encanta.
É então que, sem pensar, deixo escapar aquilo que já há tempos sinto pulsar dentro de mim:
— Eu te amo.
Mas o que vem depois é um silêncio estranho. Um silêncio incômodo.
Eu esperava ouvir o mesmo. Ou, pelo menos, um "eu também".
Mas nada veio. Apenas o vazio. Apenas um frio cortante que se instalou dentro do meu peito.
FIM DO FLASHBACK
— Boa noite, em que posso ajudar? — A voz da atendente da loja de chocolates me tira abruptamente das minhas memórias.
Sinto-me estranho depois de lembrar disso. Por que justamente essa lembrança? De todas as memórias que poderiam surgir, essa veio com uma força esmagadora, como se quisesse me confortar ou talvez me perturbar ainda mais.
Tenho duvidado dos meus sentimentos ultimamente. Mas será que isso importa? No fim das contas, Amanda está morta. Eu estou vivo. Kira está viva. E ela é minha.
Douglas disse que ela é obediente. Ok. Mas ele também disse que ela é minha.
É nesse momento que percebo o olhar fixo da atendente. Seu rosto está ruborizado, e só então noto o volume evidente em minhas calças. Mërda. Tento disfarçar o constrangimento, colocando as mãos nos bolsos imediatamente.
Disfarço e vou pedindo justamente a cesta que me despertou tal memória, além da cesta, pego diversos chocolates, barras, trufas, outros doces mistos, faço a festa.