Ponto de vista de Kira
Acordo sobre uma maca, todo o ambiente em volta é branco, estou seminua, apenas algumas bandagens me cobrem, um dos meus olhos não parece estar bem, não enxergo através dele, toco em minha face para tentar entender, e logo sinto um tampão o vedando, bandagens cobrindo um dos meus braços, noto que ele não é de carne e sim um braço biônico, meu braço direito é todo composto por circuitos.
Os ligamentos são feitos em aço e até mesmo consigo sentir a densidade dos fios que conectam minha mão também biônica juntamente com meu cotovelo modificado com uma articulação mais rígida, meu braço coberto com placas parecendo uma blindagem, parece feito de um material fosco, creio ser algo como fibra de aramida (Kevlar).
Ainda tento me situar quando uma figura se aproxima. Um homem. Pele bronzeada, cabelos lisos, penteados com perfeição. Seus olhos… olhos cromados que brilham em tom prateado, quase hipnóticos. Veste um terno preto alinhado, camisa branca impecável e uma gravata cinza, como se saído de um sonho corporativo. Ou de um pesadelo.
E então algo explode dentro de mim.
Levanto de um salto, tomada por uma fúria avassaladora. Lanço-me contra ele sem pensar, movida por instinto puro. Mas dois seguranças ao seu lado agem antes de mim. Disparam. As balas me atingem em cheio. Sinto o impacto brutal, o metal amassar contra minha pele, alguns projéteis estilhaçando-se ao contato. O choque é real.
Nesse momento me posiciono para o combate, arranco o täpa-olho que impede minha visão do olho direito. São segundos até sentir meu corpo ativar algo por dentro, sinto uma tensão me atingir e meu corpo prontamente fica mais rápido e forte. E com essa velocidade meu corpo se lança contra os dois seguranças.
O primeiro segurança nem vê de onde vem. Quando percebe, é tarde demais. Estou atrás dele, minha mão atravessando seu tórax. Sinto seu coração palpitar pela última vez em meus dedos antes de soltá-lo, deixando-o cair. O segundo tenta recuar, recarregando a arma com desespero. Pego sua arma e a arremesso para longe. Com a mão biônica, agarro sua traqueia e fecho o punho com força. O estalo é seco. Ele cai sem vida.
Mais homens surgem. O homem de olhos prateados recua, olhos arregalados, expressão de choque absoluto. Como se não entendesse por que é meu alvo. Em pânico, ele grita:
— Pare, Amanda! Eu te salvei! Você está viva graças a mim. Meu amor, eu estou aqui. Estamos bem, você está bem! Por favor, pare!
Mas é tarde demais.
Os outros seguranças se posicionam porém não adianta, em minha fúria cega, avanço contra eles, o primeiro que pego, arremesso contra outros dois que se desequilibram, os tiros contra mim recomeçam, de algumas rajadas consigo ate mesmo correr e de forma acrobática uso a parede como apoio em uma manobra, pulando a pequena barreira que tentaram fazer com escudos de corpo, pego um escudo e uso como arma, usando-o contra o pescoço de um dos que caiu após o chute rodado que dei após a manobra na parede, sangue, muito sangue, estou banhada nele, e o cheiro disso, o calor da batalha fomenta meu espírito que quer mais e mais, e assim o faço, um a um, e no final da ação mais de dez seguranças estão mortos.
O meu alvo está encolhido no canto, olhos arregalados porém com um sorriso estranho, algo que beira o sadismo, a insanidade de quem vislumbrou a própria morte e a quer para si, mas para domar e a subjugar, em instantes estou próximo a ele, o encarando sem nenhum tipo de expressão ou sentimento lógico, apenas a fome de mätar, como se o espírito da vingança estivesse pairando sobre mim.
De repente adentra pelo local dois humanóides, eles são totalmente feitos em metal, parecem andróides de combate, o embate recomeça, socos, chutes, sinto meu maxilar trincar, dor, dor e mais dor, sou atingida várias vezes e onde sou atingida sofro dano considerável, em instantes estou no chão, sangrando e sentindo vários ossos trincados, quando abruptamente sinto uma onda de choque, surgindo da minha região lombar, passando por toda minha coluna vertebral e subindo ate minha nuca, meu corpo aquece, meus pêlos se arrepiam, minhas veias ficam saltadas.
Sinto como se uma dröga fosse injetada diretamente na minha corrente sanguínea—pura adrenalina, incendiando cada célula do meu ser. Meu coração dispara, meus sentidos se aguçam, e até o ar roçando minha pele provoca sensações elétricas. O som metálico ressoa contra o chão—os dois andróides voltam a se mover, avançando em sincronia para me atacar.
Ergo-me do chão, sentindo-me renovada. Aparando um soco que vinha em direção à minha cabeça, agarro a mão metálica e puxo o andróide para perto, colando seu corpo no meu. Uso-o como escudo enquanto o seguro firme e, com toda a força, torço seu pescoço para trás até arrancar sua cabeça do tronco. Quando o corpo cai, sem vida, a cabeça ainda permanece em meus braços—mas não tenho tempo para respirar.
O segundo andróide atinge meu estômago com força brutal. Se fosse alguns instantes atrás, eu teria sucumbido à dor. Mas agora, algo dentro de mim está desperto. Meu corpo se aquece ainda mais, uma descarga elétrica atravessa meus músculos, minhas pupilas se dilatam e minha respiração se torna pesada, quente, saindo em jatos pelas narinas. Outro golpe. E outro. Quanto mais apanho, mais meu corpo ferve, suando, pulsando.
É minha vez.
Agarro os dois braços do andróide e, em um movimento feroz, torço-os com violência, usando o peso do meu corpo para arrancá-los. Ele tenta me chutar, expondo-se no processo. Uma brecha. Acerto seu tronco com uma sequência de golpes brutais. Algo estala dentro dele—o núcleo de energia. Em poucos segundos, a máquina pára de se mover.
Então, sinto meu próprio corpo esfriar de repente. Meu peito sobe e desce, pesado, minha visão turva por uma súbita fadiga.
Meus olhos encontram o homem à minha frente. Ele me observa, agora de pé, com um sorriso vitorioso—como se tudo tivesse sido apenas um teste. Mesmo exausta, começo a caminhar em sua direção, o olhar cravado nos olhos prateados. Quero arrancar-lhe a alma antes mesmo de despedaçar seu corpo. Mas não percebo a mudança sutil em sua postura—ele já não me teme. Para ele, o jogo chegou ao fim.
E percebo isso tarde demais.
Mãos enormes me agarram pela cabeça e pelo braço. Antes que eu possa reagir, meu braço direito é puxado e arrancado do meu corpo como se não passasse de um galho seco. Pendurada apenas pela cabeça, como uma maldita boneca quebrada, luto para não gritar. Mordo meu lábio inferior até cortá-lo, abafando qualquer som que revele minha dor.
Socos, chutes, esperneios—nada faz diferença. Quem me segura possui uma força além do humano, algo impossível de vencer. A pressão contra minha cabeça aumenta, e então a dor explode: olhos, ouvidos, garganta—tudo queima. O ar se recusa a entrar em meus pulmões.
E, no último momento, antes da escuridão me engolir, os olhos prateados continuam me encarando. Como se esperassem algo de mim. Como se acreditassem que eu poderia suportar.
Ledo engano.
Acordo com um sobressalto.
Minha respiração é curta. Meus olhos percorrem o ambiente em busca de ameaça. A monokatana já está empunhada. Reflexo puro. O peso do pesadelo ainda está em meu corpo. Ou teria sido real?
Na minha frente, G.E.S.S. me encara. Seus olhos arregalados. Ele dá um passo para trás, assustado. Fico em posição de combate. O silêncio é denso.
Ele hesita antes de falar, com a voz vacilante:
— Ei, moça… tá tudo bem?
Meus dedos apertam o cabo da lâmina. Não respondo. Não ainda. Então, como se algo dentro de mim encontrasse âncora, respiro fundo.
Em um único movimento, embainho a espada.
— Sim. Está tudo bem agora. Estamos chegando.
G.E.S.S. assente, mesmo sem compreender. Ele não precisa. Não foi uma pergunta. E ainda assim, algo em mim sabe.
Estamos chegando.