Ponto de vista de terceira pessoa
Assim que saíram do veículo, entraram no elevador exclusivo e subiram diretamente para a cobertura. Ao chegarem, Douglas, com um gesto de carinho, pegou na mão de Kira e a beijou com paixão.
"— Minha deusa Kira, — disse ele, com a voz embargada pela emoção, — quero lhe propor ser minha amante, namorada, noiva, esposa, o que o destino nos permitir. Você aceita?" A pergunta, carregada de apreensão e nervosismo, pairou no ar.
Kira, parecendo não compreender a profundidade da proposta, e demonstrando zero interesse, respondeu com rispidez
"— Senhor Douglas, acho descabido seu interesse em minha pessoa, e acredito que não será correto agirmos dessa forma."
Douglas, um pouco sem graça, mas determinado, retrucou: "— Vamos jantar, não precisa me responder isso agora, Kira. Tenho todo o tempo do mundo para lhe conquistar e fazer com que seja minha."
Com um tom explicativo e desprovido de qualquer traço de petulância, Kira respondeu: "— Se eu sou uma deusa, Senhor Douglas, mereço nada menos que um deus ao meu lado, e não o vejo como um deus. Vejo-o como uma pessoa comum, e não sinto nada de excepcional no senhor que o torne digno de me ter como sua."
Douglas, estupefato com a resposta, começou a questionar se existiria alguém que pudesse ser considerado digno de estar ao lado de Kira.
Dominado pela raiva, Douglas cerrou os punhos, sua mente inundada por antigas rejeições amorosas. Respirou fundo, lutando para disfarçar o impacto daquelas palavras que para ele soavam cruéis.
"— Kira, você é a deusa, e eu sou seu criador. Como ousa dizer que não sou um deus, se apenas deuses podem criar?" Sua voz transbordava a fúria de um ego ferido.
Kira, por sua vez, compreendia a distinção entre transformação e criação. Um vazio persistia em seu íntimo, uma lacuna que a assombrava com a nostalgia de algo que nunca tivera, ou talvez de uma lembrança desvanecida.
"— Deus criou o ovo da borboleta, de onde nasce a lagarta, que se transforma em pupa, e da pupa emerge a imago. Se você abre a pupa para libertar a imago, você se torna Deus?"
A inocência de suas palavras contrastava com a acidez da verdade. Kira jamais almejava humilhar, sua sinceridade cortante era apenas o reflexo de sua mente analítica.
Kira tinha plena consciência de que não fora criada do nada, mas sim moldada, transformada pelas mãos de Douglas.
Douglas, consumido pela fúria, avança sobre Kira, agarrando-a pelo pescoço e encarando seus olhos azuis gélidos e belíssimos. A força de seu aperto transmite a fúria e frustração que o dominam, o desejo de quebrar aquela resistência, de fazê-la ceder à sua vontade. No fundo, uma voz sussurra que, em algum lugar profundo da mente de Kira, a chama do reconhecimento ainda arde, a faísca de que sua alma tem um dono. Mas Douglas não se permite ceder à esses sentimento de impotência.
Sem as lembranças, sem o reconhecimento, o abismo entre eles permanece intransponível. As engrenagens da mente de Douglas giram, maquinando um plano, enquanto sua mão desliza pelo pescoço de Kira, trespassa a barreira dos sëios, e atinge o ventre. O corpo de Kira permanece inerte, impassível a qualquer estímulo. Não há excitação, nem raiva, nem desejo. A indiferença é absoluta.
Douglas, cego pela obsessão, ignora a frieza de Kira e continua sua investida, descendo cada vez mais, desbravando as curvas de seu corpo até a virilha. Seus olhos semicerrados perscrutam cada detalhe, buscando o limite entre continuar e parar. A mão vacila por um instante, indecisa, mas o desejo fala mais alto. Douglas afasta qualquer hesitação e, com um toque firme e decidido, invade a intïmidade de Kira, deslizando por entre suas pernas, acariciando sua feminilidade.
Seus olhos se encontram, o azul gélido de Kira agora fixo em um ponto distante, as pupilas dilatadas em um vazio desconcertante.
"Kira?" A voz de Douglas falha, a mão se retira de sua intïmidade como se queimasse. O medo o invade, a lembrança do despertar de Kira, de sua força indomável, o assombra. Ele se afasta, olhos fixos em Kira, enquanto seus dedos tremem ao acionar o ciberáudio, convocando seus seguranças.
FLASHBACK
"— Kira, gostaria de convidá-la para o Natal em minha casa. Essa data é muito importante para mim e sua presença ao meu lado a tornaria ainda mais especial" Douglas falou com um tom sedutor e atencioso.
Kira, sem perceber a intenção por trás do convite, aceitou prontamente.
"— Ótimo! Meu carro está nos esperando" respondeu, dirigindo-se ao veículo de impulso vetorial, estacionado no topo do prédio da Biocom.
Ao entrar no veículo, Kira se sentou no banco de trás, mas instintivamente mudou de lado, da direita para a esquerda. Douglas observou a cena com um misto de curiosidade e surpresa, mas logo ergueu uma sobrancelha, como se compreendesse o motivo por trás do gesto. Em seguida, pegou a mão de Kira, segurando-a com firmeza enquanto sentava à sua frente encarando-a, como se temesse que ela pudesse desaparecer de sua vista.
Ao chegarem à cobertura de Douglas, Kira foi auxiliada por ele a sair do veículo. Com um toque firme, porém charmoso, Douglas a conduziu para dentro da cobertura.
"— Kira, você é uma mulher extraordinária. Minha criação perfeita. Você sabe que eu sou seu criador, não sabe?" Douglas pergunta enquanto se serve de um duplo Whisky Royal Salute 21 anos.
Virando-se para Kira, ele tomou um gole generoso da bebida.
"— Eu sou o que sou, Sr. Douglas" respondeu Kira, com a frieza e a calma de sempre.
Essas questões não a perturbavam. Sua única preocupação era cumprir suas designações e servir.
Douglas, ao ouvir essas palavras, se aproximou de Kira e a guiou até uma mesa onde uma ceia completa estava sendo servida. Kira não pôde evitar inspirar profundamente, absorvendo os aromas deliciosos que emanavam da comida, sentindo uma pontada de nostalgia. Douglas, como um cavalheiro, puxou uma cadeira para Kira e a ajeitou para que ela se sentasse confortavelmente. Em seguida, sentou-se novamente à sua frente, sem desviar os olhos dela, como se temesse perdê-la de vista por um segundo sequer.
"— Sua beleza, Kira, transcende o reino humano. Você é bela e letal, um nível de perfeição evolutiva tão absoluto que me faz pensar que eu sou o deus da perfeição. Até então todas as suas missões foram executadas com primor, por isso, Kira em breve, você será apresentada ao vice-diretor da Biocom, logo que sua próxima missão seja finalizada e seja bem-sucedida, o que não tenho dúvidas que o será" disse Douglas.
Kira apenas observa com certa curiosidade, afinal agora teria que desempenhar outro papel? Sua vida de treinos e aperfeiçoamento continuaria? Afinal ela era um produto, uma cobaia, algumas vezes ela ouvia o Dr Kaneda Schumaker se referir a ela assim quando tratava com Douglas.
Ela sabia o que era. Só não lembrava o que tinha sido, até então...
Os pensamentos de Kira são abruptamente interrompidos pela voz empolgada de Douglas.
"— Mas hoje não quero falar de negócios. Hoje, eu preciso de você de uma forma totalmente íntima" continuou Douglas, passando a mão pelas coxas de Kira, sentindo sua pele nua por baixo do vestido.
Douglas parou por um instante, admirando o vestido estilo Qipao que Kira usava, deixando suas pernas completamente à mostra. Kira permaneceu imóvel, enquanto Douglas continuava a explorar seu corpo, subindo a mão até o seio de Kira e apertando-o, ao mesmo tempo em que levava os lábios até a curva de seu pescoço, mordiscando-o e absorvendo seu perfume.
De repente, como um flash, Kira teve uma visão de um homem alto, de longos cabelos negros, de costas para ela. A voz do homem ecoou em sua mente, em um tom severo e seco:
"— Minha. Minha. Minha."
FIM DO FLASHBACK
No entanto, as palavras "Minha", foram misturadas a voz de Douglas chamando por Kira sem parar, que, percebendo o que estava acontecendo demonstrava preocupação e apreensão.
Kira piscou voltando a si, tentando entender o que acontecera com ela. Curiosidade e uma necessidade primal por conta da lembrança que a atingira. Aquele Natal, essa mesma sensação, o homem alto de cabelos negros e lisos, a voz exigente e possessiva, a palavra "minha" ecoando em sua mente.
Kira se senta no sofá confortável da casa de Douglas, enquanto tenta entender seus pensamentos e sentimentos, inclusive os recém despertos após o encontro com o Sr. Alessandro Andrioli. Nesse momento Kira nota que Douglas recebeu uma ligação e apesar de ter se demonstrado tranquilo, logo ele acende um cigarro e se serve de mais uma dose de Whisky.
"- Kira, você pode dormir aqui hoje. Adoraria sua companhia." Douglas fala de forma sedutora tentando convencer Kira à ficar.
"- Tudo bem Douglas. Em qual quarto eu posso ir agora descansar?" Kira aceita o convite e já solicita ir para o quarto.
O sorriso de Douglas chega às orelhas, muito satisfeito, ele sinaliza para onde ela deve ir e a guia até o quarto que ela poderá usar.
Kira adentra o quarto, se despe, deita na cama e começa a adormecer.
Enquanto isso, não muito longe dali, um homem estava em sua varanda, admirando a noite. O vento movia seus longos cabelos negros e lisos. Um cigarro estava entre seus dedos, enquanto sua outra mão segurava um copo de água com gás, gelo e limão. Seus olhos, carregados de raiva e dor, estavam fixos em um prédio não muito distante.