2 - Irmão problemático

2074 Words
Katherine Estou correndo e discando, ouvindo o telefone tocar até a caixa postal atender — e então discando novamente. Estou encharcada de suor e daquela chuva imunda, e o prédio dele ainda está a pelo menos três quilômetros de distância. Preciso de um táxi, p***a. Não tem muitos por aqui, mas a sorte está do meu lado desta vez. Depois de uns dez minutos correndo a toda velocidade, vejo um táxi parando na esquina logo à frente. Eu aceno com força e salto para dentro, gritando o endereço para o motorista. — Você tem dinheiro? — ele pergunta, desconfiado, quase gritando. Jesus. Claro que sim. Estou coberta de sangue, lama e toda a sujeira daquele beco — pareço uma mendiga. Não posso culpar o cara. Tiro um maço de dinheiro do bolso e jogo no banco da frente. — Tá aqui. Agora dirige, droga! — É, é… tudo bem. Com outro olhar cético, ele agarra o volante e pisa no acelerador. Felizmente, parece tão ansioso para me levar embora quanto eu estou para chegar. Tenho certeza de que por motivos bem diferentes — ele provavelmente só quer que eu pare de pingar sujeira e sangue no banco de trás —, mas não me importo nem um pouco. Blackmoor gira ao meu redor, um caos entre o que há de bom, terrível e absolutamente podre. Tudo fachada para predadores sobrenaturais. As pessoas gostam de reclamar do problema com drogas nesta cidade, mas, p***a… todos estariam se entupindo também se soubessem que estão morando em cima de um maldito ninho de vampiros. Até quem diz não acreditar já viu coisas que não consegue explicar — ou vive tentando esquecer. Depois do que parece uma eternidade, o táxi freia bruscamente diante do prédio do meu irmão. Merda de lugar. As janelas mais baixas estão todas tapadas com tábuas, os degraus da entrada estão desmoronando pelas bordas, e a porta pendurada num ângulo e******o. Lá em cima, algumas velas tremulam nas janelas. O cheiro de urina é forte demais. Não sei dizer se é humano ou animal — o que significa que provavelmente é dos dois. Sem água encanada, sem eletricidade, cheio de ratos — mas ainda é um abrigo contra o clima. E a polícia não tem gente suficiente pra limpar essa área. Tyson achou que teve sorte de conseguir um canto aqui. Eu acho que Tyson esteve tão por baixo por tanto tempo que nem lembra mais como é ter sorte de verdade. Já que a porta da frente está quebrada de qualquer maneira, nem perco tempo com o painel de campainhas abandonado. Simplesmente entro e corro escada acima, desviando de poças aleatórias de líquidos suspeitos e de um ou outro viciado desmaiado. A porta do apartamento dele também está entreaberta. Entro com dificuldade, mãos nas armas, pronta para o que for. — Tyson! — chamo, com a voz rouca. — Tyson! Onde diabos você está? A sala de estar — se é que se pode chamar assim — está vazia. O quarto e o banheiro seco e imundo também. Grito de novo por ele, sem me importar com vizinhos ou quem esteja ouvindo. Mas já sei. É inútil. Ele se foi. Cheguei tarde demais. Provavelmente me ligou antes de sair porque sabia que eu tentaria impedi-lo. Um gelo se contorce na minha barriga. Estou tremendo, o rosto molhado de lágrimas que nem percebi caindo. Merda. Faz tempo que não choro — e estou p**a por estar chorando agora. Droga, Tyson. O que diabos poderia ser tão r**m a ponto de você ter que correr para os malditos vampiros? Há pilhas de papel por todo lado. Rascunhos, anotações, listas de compras misturadas com nomes de cavalos, datas aleatórias, valores em dólar rabiscados por cima de tudo. Me agacho no chão e começo a revirar papel por papel até encontrar um — com caligrafia linda e antiquada, escrito em vermelho, claro. Vampiros e sua mania dramática. Ao lado do número, está circulado duas vezes: "Ligue Katherine". — Tá, mas o que você fez? — murmuro. — Em que merda você se meteu, Tyson? Viro o papel. Meu coração afunda. É uma conta detalhada de uma casa de apostas, totalizando centenas de milhares de dólares. No fim, com a letra torta do meu irmão, está anotado um valor ainda maior com as palavras “Lance Mínimo para Tributo de Sangue” ao lado. Minhas mãos tremem ainda mais. O bilhete embaça na minha visão enquanto tento piscar para conter as lágrimas. Largo o papel antes que meus dedos o destruam. — Seu i****a — rosno, cerrando os punhos no carpete imundo. — Seu i****a de merda! Eu deveria ter previsto. Deveria ter impedido. Em Blackmoor, certas pessoas falam dos vampiros como se fossem agiotas ou prostitutas: “Se você realmente estivesse tentando resolver sua vida, já considerou todas as opções...”. E essa é a última. A mais desesperada. Tyson já tinha me contado que vendeu o corpo uma vez pra pagar dívida. Já o salvei de agiotas antes. Esta é a parada final no trem da dívida. Mas nunca pensei que ele chegaria tão longe. Nunca. Meu cérebro é um caos, uma nuvem espessa de culpa, raiva e medo. Cerro os dentes e tento organizar os pensamentos — porque se não fizer isso agora, posso perder a única chance que tenho de salvá-lo. Pense, droga. Vamos lá, Katherine. Concentre-se. O bilhete diz "lance mínimo", então ele claramente não está se vendendo diretamente. Ele deve ter se comprometido com a casa de leilões — o lugar onde as pessoas vão para se oferecer aos vampiros de Blackmoor como tributos. Nunca entrei, mas sei exatamente onde fica. No centro, tem um bar. Atrás do bar, um club de striper, que é fachada para o bordel no porão. E atrás desse porão, há outro — maior — que costumava ser anexo a um museu. O museu não existe mais, mas as medidas de segurança ainda estão em pleno funcionamento. É impossível entrar sem ser visto — e, pelo que dizem, é impossível sair. Então, f**a-se. Nem vou tentar entrar escondida. Vou fazer exatamente o oposto. Não serei a primeira mulher a me oferecer voluntariamente aos vampiros — e, com certeza, não serei a última. Isso acontece o tempo todo. Tudo o que eu tenho que fazer é bancar a i****a e fingir que assisti a filmes demais com vampiros brilhando ao sol. Contenho um arrepio ao pensar no que vai acontecer a seguir. Se me escolherem como tributo — o que, honestamente, é melhor que façam —, serei levada para o palácio. Ou fortaleza. Chame como quiser. Não importa. O que importa é que eu preciso entrar. Nunca vi o interior, mas já estive nas partes antigas de Blackmoor o suficiente para saber exatamente onde fica. É impenetrável por fora. Um enorme arranha-céu de aço e vidro à prova de balas ergue-se sobre ele, com vampiros patrulhando o perímetro selado. Resíduos com cheiro de sangue seco e vinho velho escorrem por grades pequenas demais para um rato passar e fortes demais para serem rompidas sem um desastre natural. A única forma de entrar é sendo levada. E a única forma de ser levada… é me vender. Passando a mão pelo rosto, olho ao redor do apartamento do Tyson. Já sei que vou salvá-lo. Vou fazer o que for preciso para tirá-lo do controle dos vampiros, são e salvo. É o que faço. Sempre que posso. Eu o salvo. Nunca tive muita sorte em salvá-lo dele mesmo, mas dane-se. Eu vou salvá-lo desses monstros. Levanto com dificuldade, pego o bilhete e enfio no bolso de trás. Dou uma última olhada no ambiente em ruínas. Se Tyson tiver algo de valor aqui, eu deveria levar comigo para guardar em segurança no meu apartamento. Conhecendo Blackmoor, este lugar vai ser ocupado de novo até amanhã à noite. — E ele nunca mais vai voltar aqui — murmuro, cravando as unhas nas palmas das mãos. — Nunca. Eu vou fazê-lo viver comigo de novo, goste ele ou não. Eu consigo fazer isso funcionar dessa vez. Eu sei que consigo. Antes de ele se mudar pra esse buraco, ofereci que ele ficasse comigo — como já tinha feito antes, de tempos em tempos. Mas ele recusou, mesmo com meus apelos e insistência. Disse que isso aqui era temporário. Um canto sem aluguel, só até colocar as coisas em ordem. Disse que não queria ser um peso. E eu deixei. Cedi. E esse é o resultado. Soltando um suspiro, engulo a raiva, a culpa e a tristeza, me concentrando no que realmente importa agora: preciso pegar qualquer coisa importante e voltar para casa para trocar de roupa — de caçadora. Cada segundo importa. No pequeno quarto, vejo uma foto emoldurada pendurada na parede acima da cama. O quadro é, de longe, o item mais decente do apartamento. Tenho quase certeza de que custou um dólar inteiro. É uma foto nossa, de dez anos atrás, tirada num dos piqueniques “Família para Sempre” que as famílias adotivas da vizinhança costumavam organizar. Oficialmente, aquilo era para manter laços entre irmãos separados. Extraoficialmente… era um leilão. As mães adotivas literalmente se sentavam e trocavam as crianças. Algumas queriam crianças quietas. Outras, crianças fortes o suficiente para lidar com valentões. Algumas queriam trabalhadoras. E algumas procuravam meninas com risco de gravidez — afinal, dois cheques do governo eram melhores do que um. Mas nada disso importava pra mim e pro Tyson. A gente só queria se ver. Eu tinha quatorze anos naquela foto. Tyson, quinze. Pressiono os dedos contra o vidro frio, bem sobre o rosto dele. Aquele sorriso… aquele sorriso verdadeiro, que alcançava os olhos verdes e fazia os cantos se enrugarem… eu não vejo há tanto tempo. Desde aquele verão, na verdade. Um ano depois daquela foto, fui levada para uma casa em Federal Hill — um bairro melhor — com uma família que achava que meu irmão era má influência só porque era mais velho. Me proibiram de vê-lo. Eu lutei contra isso. Mas, na época, não havia muito o que eu pudesse fazer. Agora há. Agora sou eu quem escolhe. E vou fazer o que for preciso. Então, me dediquei ao desenvolvimento de habilidades. Arremesso de facas, esgrima, artes marciais... qualquer coisa que eu pudesse usar como arma. Como eu estava vivendo com uma família relativamente próspera na época, eles mimaram todas as minhas solicitações extracurriculares — desde que eu também aceitasse fazer balé e ginástica. Naquele tempo, eu achava essas duas coisas uma perda de tempo. Mas quando comecei a lutar contra vampiros, descobri o quanto essas habilidades eram, na verdade, inestimáveis. Tyson seguiu o caminho oposto. Ele nunca teve a sorte de encontrar uma família interessada em ajudá-lo a lidar com a morte dos nossos pais. Sem mim por perto, buscou suas próprias formas de tentar consertar o coração partido. Alguém colocou uma agulha na mão dele e disse: “costure com isso”. Não funcionou, obviamente — mas mascarou a dor o suficiente para mantê-lo preso. Depois vieram o álcool, as mulheres e o jogo. É muito fácil, por aqui, um garoto alto ser tratado como um homem — para o bem ou para o m*l. No caso de Tyson, foi para pior. Aos dezessete anos, ele já tinha visto e feito coisas que nenhum adulto deveria sequer presenciar, muito menos uma criança. Quando me formei e saí do sistema, tentei trazê-lo comigo. Meus pais adotivos me ajudaram com um apartamento e disseram que eu podia escolher entre começar a faculdade ou passar um ano só focando em me manter. Escolhi a segunda opção — e eles ficaram felizes com isso, era mais barato, afinal. E então, levei Tyson para morar comigo. Na época, eu realmente achava que podia salvá-lo. Mas ele só foi piorando. E eu lidei com isso o máximo que pude. Pelo menos… é o que continuo dizendo a mim mesma. — Não vou te decepcionar de novo — prometo ao garoto sorridente na foto. — Nunca mais. Vou te tirar daí. Juro por Deus que vou. E eu sei exatamente como. Não importa o quanto eu odeie o que terei que fazer. Com os lábios apertados, tiro a moldura da parede e deslizo a foto para fora. Enfio a imagem levemente desbotada no bolso interno do meu casaco, dou meia-volta e saio do quarto. Fique vivo, Tyson. Só fique vivo. Eu tô indo.
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