6 - Vampiro novo

2395 Words
Katherine A matrona nos guia por mais alguns corredores longos até finalmente alcançarmos a ala do palácio onde os tributos de sangue são mantidos. Cada uma de nós é levada a um quarto separado, com a promessa de que ela voltará em breve — e a instrução de que devemos nos trocar por algo mais… “adequado”. Com esse pronunciamento alarmante, a vampira desaparece. Fecho a porta atrás de mim, agradecendo a qualquer deus que possa estar à espreita por pequenos favores. Achei que dividiria o quarto com outras tributos, ou pelo menos que dormiríamos em beliches. Manter minha fachada erguida por tempo demais teria me exaurido — provavelmente a ponto de cometer um erro. E eu nunca posso me dar esse luxo. Especialmente agora. Espero alguns instantes para ter certeza de que ninguém vai entrar. Em seguida, tiro o vestido e me espreguiço. Estar livre daquela coisa apertada me faz sentir eu mesma de novo, e eu me deleito com isso — especialmente porque sei que essa sensação não vai durar. Tiro os sapatos e massageio os dedos e os arcos dos pés, alongando costas e ombros. Meus músculos estão acostumados a todo tipo de punição, mas saltos agulha e espartilhos são uma forma de tortura que nem treinamento militar prepara. Sei que não tenho muito tempo antes que a matrona retorne, mas estar na minha própria pele por alguns minutos é tão bom que acabo ultrapassando os limites. Afinal, eles não podem me levar nua para o banquete. Bem… talvez possam. Estremeço com a ideia e decido que é melhor não arriscar. Depois de uma rápida olhada ao redor, vou até o guarda-roupa antigo no canto do quarto e o abro. Ele está cheio de roupas do meu tamanho, e franzo a testa enquanto tiro algumas peças para examinar. Que diabos? Como eles sabiam? Deve ter havido alguma comunicação entre o mestre de leilões e os empregados do palácio. Assim que os tributos desceram, já começaram a preparar os quartos com base nas informações fornecidas. As roupas são todas justas, reveladoras e beirando o espalhafatoso. Cobertura para a sobremesa, imagino. Inúteis e chamativas. Faço uma careta enquanto vasculho as opções. Tem que haver algo aqui que me ajude a desaparecer na multidão. A peça mais conservadora de todo o guarda-roupa é um vestido longo, preto e colado ao corpo, com recortes de renda transparente por toda parte. Vai ter que servir. Enfio-me nele e faço uma careta para o reflexo no espelho de corpo inteiro encostado à parede. A maldita coisa é tão decotada que minha clavícula e boa parte dos s***s estão praticamente em exibição. O decote em V desce até quase o umbigo, e as mangas três quartos deixam pescoço e pulsos à mostra. Os recortes de renda foram posicionados estrategicamente para emoldurar minhas pernas e a parte inferior da b***a. Pelo menos não é rosa. Assim que termino de me vestir, pego rapidamente o vestido descartado do chão e examino o quarto novamente. Não há muitos esconderijos, mas encontro uma gaveta vazia no fundo do guarda-roupa. Depois de mexer um pouco, consigo puxar o fundo. Há espaço suficiente ali para montar um fundo falso, mas isso vai levar tempo. E também vai levar tempo para remover as armas do vestido, a menos que eu simplesmente o rasgue em pedaços. Mas isso seria arriscado demais. Muita gente me viu usando aquele vestido. E se um dos vampiros me exigir que o use mais tarde? Por outro lado, não posso correr o risco de que alguém entre aqui e leve meu vestido para lavar enquanto estou fora. As armas estavam muito bem escondidas, mas se forem parar na lavanderia, acabou tudo. Só há uma solução. Recoloco o fundo da gaveta e dobro o vestido o mais apertado possível, amassando até formar um pacote compacto. Então o enfio na gaveta, estremecendo quando o peso das armas bate no fundo de madeira. Pronto. Cuido disso depois que o sol nascer e os vampiros forem dormir. Escolho um par de sapatos pretos de tiras do guarda-roupa. Eles servem perfeitamente — o que me deixa mais tensa do que as roupas em si. Um olho treinado consegue deduzir o tamanho da cintura de alguém com relativa facilidade, mas o tamanho do pé? Isso é quase telepatia. Se esses vampiros têm um médium trabalhando para eles, estou ferrada. Mas, ao contrário dos saltos altos anteriores, esses sapatos têm apenas uma leve elevação no calcanhar e se ajustam nos pontos certos. Eu conseguiria correr com eles, se fosse preciso — e isso, para mim, sempre é uma vantagem. Estou prestes a tirar minhas joias quando alguém bate à porta. — Você está decente, minha querida? Sorrio com ironia, mais para mim mesma do que por educação. — Sim. Pode entrar. A matrona que nos guiou pelos corredores mais cedo abre a porta. Ela sorri ao me ver, embora, mais uma vez, nada em seus olhos acompanhe o movimento dos lábios. — Nós não fomos formalmente apresentadas mais cedo. Sou Agatha — diz ela, contida, estendendo a mão. — Venha comigo. Agora que todas estão vestidas, vou mostrar o lugar para vocês. Junto-me às outras meninas no corredor. Aquela que mais chorou no caminho até aqui agora apenas parece exausta e resignada. — Não sei o quanto vocês já ouviram — diz Agatha, caminhando à frente. — Sempre digo aos homens para deixarem a orientação comigo, mas alguns não conseguem se conter e começam a tagarelar escada abaixo. Ela acena as mãos num gesto trêmulo, como se dissesse para não darmos importância. — De qualquer forma, esta é a ala dos tributos femininos. Todas vocês vão morar aqui. Homens não são permitidos. Eles moram do outro lado, onde mulheres não podem entrar. Os vampiros não gostam que seus humanos se misturem. Tributos grávidas causam todo tipo de complicações morais e sociais, como vocês podem imaginar. Nunca termina bem. O jeito despreocupado como ela fala disso só confirma que já aconteceu antes — provavelmente mais de uma vez. A raiva sobe pelas minhas costas como fogo, e eu cerro os dedos dos pés dentro dos sapatos para não cerrar os punhos. — Se me seguirem, mostro o restante do local — diz Agatha, gesticulando para as portas ao longo do corredor. — Esses são, obviamente, seus quartos. Há um banheiro para cada quatro quartos. Sejam respeitosas e mantenham o espaço limpo. Normalmente não tenho problemas com novas tributos, mas lembrem-se: a cerimônia de vinculação só acontecerá daqui a algumas semanas. — Ainda vamos morar nesta ala depois da cerimônia? — pergunta uma garota. — Se você não for escolhida por um vampiro em específico, sim, continuará aqui. Caso seja, vai para onde ele quiser que você fique. A maioria prefere que seus tributos vinculados morem com eles. Um arranjo confortável, me disseram… embora às vezes exaustivo. Algumas garotas riem, trocando olhares cúmplices e cutucões discretos. É tudo o que posso fazer para não revirar os olhos. Ela não está falando sobre sexo, suas idiotas. Está falando da exaustão de perder sangue todos os dias até o fim da sua — provavelmente curta — vida. É por isso que não me dei ao trabalho de ler o contrato inteiro. Porque não importa quão floreado ele seja, no fim é um acordo feito para beneficiar os vampiros à custa dos humanos. Estamos aqui, teoricamente, por um período determinado, em troca de uma quantia em dinheiro combinada. Mas se algum vampiro decidir que quer nos manter para sempre… bem, não há nada que possamos fazer a respeito. Ou, pelo menos, é assim que eles pensam. Eu não vou deixar ninguém cravar os dentes em mim. Agatha segue pelo corredor, virando à esquerda antes de indicar uma sala ampla visível através de uma porta arqueada. — Esta é a sala comum. Vocês podem assistir TV, jogar, ler — temos de tudo para manter o tempo de vocês ocupado. Também terão acesso a computadores, mas tudo é rigidamente monitorado. Portanto, nada de postar no Read It nem em qualquer outra rede social sobre como vocês são tributos de sangue. Redes sociais são terminantemente proibidas. Não ouço tantas reações decepcionadas quanto esperava. Achei que a maioria dessas garotas estivesse aqui só pra se gabar com os amigos obcecados por vampiros. Mas, aparentemente, não. — E virando a esquina está... opa! Agatha nos guia por outro corredor, mas assim que viramos, um homem aparece vindo na direção oposta. Ela se afasta. Eu não. Eu me choco contra ele. Normalmente, meus pés são muito mais leves, mas a tensão da noite somada à pressa dele me pegam desprevenida. Colido com seu peito largo, e ele segura meus braços para me manter de pé. Enquanto recupero o equilíbrio e ergo o olhar, dou de cara com um rapaz que parece ter mais ou menos minha idade — talvez uns vinte e cinco, vinte e seis anos —, com cabelos loiros ondulados e olhos dourados, como se o pôr do sol tivesse ficado preso dentro de um pedaço de âmbar. Os cílios espessos só acentuam a intensidade daquele olhar. — Ops, desculpa — ele murmura, com uma voz quente, leve e divertida. — Você está bem? Ele ainda segura meus braços e os esfrega gentilmente, como se quisesse se certificar de que estou inteira. O calor de suas mãos se espalha pela minha pele, enviando arrepios inesperados. Seu toque gentil e o jeito despreocupado — somados ao sorriso fácil — fazem dele o tipo de cara que eu provavelmente escolheria num dia r**m só pra me aquecer na leveza dele por algumas horas. — Sim — respondo, balançando a cabeça, esboçando um pequeno sorriso apesar da minha situação deplorável. — Estou bem. Ele me solta, dá um passo para trás e olha por cima do meu ombro, se dirigindo ao restante do grupo. — Mil perdões, senhoras. Acho que tropecei na ala errada. Mas eventualmente eu aprendo o caminho. A propósito, meu nome é Vladmir. Seus olhos brilham de um jeito que ilumina todo o rosto enquanto ele fala. Nossa, ele é realmente fofo pra caramba. É uma pena que confraternizar com o sexo oposto não seja permitido por aqui. De repente, tenho um pensamento completamente insano: talvez eu possa levá-lo comigo quando tirar o Tyson daqui. Ninguém com tanta luz deveria ficar trancado vários andares abaixo da terra, servindo de alimento para vampiros. — Há quanto tempo você está aqui? — pergunta uma garota atrás de mim, sem fôlego. — Ah, apenas alguns meses. Você pensaria que esse tempo seria suficiente pra eu aprender a me virar, mas… — Ele dá de ombros, desanimado, passando a mão pelos cabelos loiros bagunçados. — Os outros vampiros continuam dizendo que uma hora eu pego o jeito, mas acho que subestimam bastante minha habilidade de estragar tudo. Ele ri. O som é quente e profundo, mas meu cérebro está ocupado demais em curto-circuito para apreciar. Os outros vampiros? Esse cara é um sugador de sangue? — Mas, olha, tem sido divertido — continua ele, abrindo outro sorriso largo que revela dentes brancos e perfeitamente alinhados… e quatro presas afiadas. — Tentar entender esse negócio de imortalidade, regras sociais, toda essa bagunça… e ainda planejar um castelo do tamanho do meu antigo bairro? Cara, eles basicamente me jogaram aqui dizendo: “vai lá, você sabe nadar!” As garotas atrás de mim riem das piadas dele, e eu forço uma risadinha para me misturar. Mas minha mente ainda está processando a bomba. Ele é um vampiro recém-transformado. Talvez isso explique o jeito doce e a vibe otimista. Mas... não sei. Já conheci recém-transformados antes que eram completamente psicopatas sanguinários. Talvez ele também seja — quando não está se exibindo para um grupo de tributos. E por que ele está se dando ao trabalho, de qualquer forma? Ele não é quem tem todo o poder aqui? Por que se esforçar para nos encantar, quando poderia simplesmente mandar a gente fazer o que ele quiser? Vladmir dá um passo para o lado e estende o braço, exageradamente cavalheiresco. — Vou sair da frente. Vocês, moças, parecem ter lugares para estar. Ele lança um olhar para a matrona, torcendo o nariz com um sorriso torto. — Hã… Agatha? Ela suspira. — Você está tentando encontrar a escadaria principal de novo? Ele assente, sem graça. — Continue por aqui, vire à direita no final do corredor, depois a primeira à esquerda. Vai estar bem na sua frente. — Obrigado. Prometo que é a última vez que pergunto… ou penúltima. Talvez antepenúltima. Ele sorri de novo, e dessa vez eu vejo — por um breve segundo — esse sorriso se refletir nos olhos dela. Ela acena de volta, e ele se afasta. Assim que ele desaparece pelo corredor, Agatha se vira pra nós. — Vamos, meninas, ainda temos muito o que ver. Ela recomeça a caminhar, e o grupo segue atrás. — Na maioria das vezes, vocês vão jantar com os vampiros no salão principal. Mas no café da manhã e no almoço, estarão sozinhas. Mais à frente fica a cozinha desta ala. As mesmas regras do banheiro se aplicam aqui: respeitem-se e limpem sua bagunça. Não quero ter que castigar ninguém por... Deixo de escutar. Meus pés arrastam no chão enquanto olho por cima do ombro. Vladmir está se afastando, mas no mesmo instante se vira para trás — e nossos olhares se encontram. Sua testa se franze, pensativo. Há algo passando por seu rosto que estou longe demais para decifrar. Eu não posso acreditar que ele é um maldito vampiro. Quando esbarrei nele, senti uma boa energia vinda dele. Gostei do sorriso bobo, do jeito leve e relaxado. Como isso é possível? Será que meus instintos já estão tão enferrujados por causa desse papel que estou interpretando? Será que já o conheci antes? Talvez em alguma rua, em uma noite qualquer? Já nos enfrentamos em um beco escuro? Não. Eu me lembraria daqueles olhos. Daquela expressão. E, sinceramente, não consigo imaginar o Vladmir caçando humanos pelas ruas. Ele parece… bom demais pra isso. Inclino a cabeça pra frente, cerrando os dentes. Não posso começar a racionalizar vampiros. Eles são todos monstros. Todos. Eles se alimentam da fome, da raiva, da luxúria e do orgulho. Essa é a natureza deles. Ponto. Não humanize nenhum deles, Katherine. Ou você nunca vai sair viva deste lugar.
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