Fugitiva

2044 Words
Depois de muito insistir finalmente conseguir convencer Jess a concordar com meu plano maluco. Era loucura eu sei, mas eu precisava disso, não é todo dia que fazemos 22 anos e eu já me sentia muito mais forte do que quando cheguei ao hospital. — Toc Toc. — Ouvi Jackie na porta. — Te trouxe uma surpresa querida. Assim que ela se virou para minha frente pude ver um cupcake todo decorado com granulado colorido e uma vela branca com listras vermelhas cravada no chantilly branco. — Jackie... — Sussurrei seu nome sorrindo com as mãos no rosto. — Parabéns pra você, nessa data querida... — Começou a cantar sentando-se ao meu lado da cama. — Sopre a velinha e faça um desejo, Anna. Fechando os meus olhos assoprei a vela... "Que tudo dê certo hoje à noite..." — Obrigado Jackie, eu adorei a surpresa. — Sorri dando a primeira mordida no cupcake sentindo de imediato o gosto de chocolate e brigadeiro em minha boca. — De nada querida... Sei que você queria estar em casa tendo uma festa de verdade, mas não podia deixar passar em branco. — Disse bagunçando o meu cabelo. — Isso está muito bom! — Eu m*l conseguia falar já que minha boca estava cheia e provavelmente suja de chantilly. — Você está igualzinha a um esquilo! — Disse Jackie fazendo ambas rirem. — Está precisando de algo? — Não Jackie, obrigado... — Respondi dando uma última abocanhada em meu cupcake começando a limpar a boca com os dedos. — Tudo bem, vou ver os outros pacientes. — Jackie sorriu saindo do quarto. A verdade é que eu estava completamente inquieta! Contava cada segundo que se passava pelos ponteiros do relógio cinza preso a parede, nem ao menos a visita de várias enfermeiras que vieram me parabenizar e dar alguns presentes, me distraia. Eu só queria que o tempo passasse o mais rápido possível! Quando a noite chegou e eu ouvi a porta do quarto se abrir o sorriso se fez instantâneo em meu rosto. Logo vi Jess entrar no quarto de forma desajeitada com algumas bolsas em mãos. — Eu não acredito que estou topando com essa loucura! — Praticamente gritou com voz de sussurro. — E eu te amo por isso! — A abracei com força ainda com um sorriso de orelha a orelha. — Tem certeza disso Anna? — Perguntou se afastando um pouco para olhar em meus olhos. — Nunca tive tanta certeza de algo em toda a minha vida, Jess... Esse pode ser o meu último aniversário e eu não quero passá-lo em um quarto de hospital. — Não diga besteira! — Esbravejou soltando-se de meus braços. — Esse não é seu último aniversário! E se continuar a dizer isso não vou continuar com essa loucura! — Não está mais aqui quem falou! — Disse sorrindo. — Trouxe tudo? — Sim... — Respondeu me entregando uma bolsa provavelmente com as roupas. — Obrigado Jess... De verdade... — Agradeci uma última vez sentindo meus olhos marejarem. — Por nada... Agora vai logo! Com um riso nasal entrei no banheiro correndo com a bolsa e mãos a largando no chão de azulejos e começando a tirar a minha roupa. Acho que nunca tomei um banho tão feliz em toda a minha vida! Eu esfregava meu corpo para tirar aquele cheiro de hospital que parecia impregnar nos poros enquanto sonhava acordada com o ar "puro" fora dessas paredes. Desligando o chuveiro me sequei rapidamente abrindo a bolsa que Jess trouxe. Assim que vi a roupa meu queixo caiu! Jessica é com certeza a mulher mais extravagante que eu conheço! Dentro daquela bolsa havia um curto vestido preto de alcinhas repleto de brilho de ponta a ponta e um par de saltos pretos de solado vermelho e com uma f***a na ponta que mostraria dois dos meus dedos do pé. — Jess... — Sussurrei incrédula apenas para mim começando a me vestir em seguida. O vestido e o salto couberam perfeitamente como uma luva, respirando fundo sai do banheiro vendo que Jess havia aberto um arsenal de maquiagem sobre a minha cama. — O que é tudo isso? — Perguntei olhando para os inúmeros pincéis. — São só... Jess não terminou sua fala, apenas começou a me olhar de cima a baixo parecendo perplexa ou surpresa, o que estranhamente começou a me deixar um tanto quanto insegura. — O que foi? — Perguntei passando a mão em meu cotovelo. — Você está incrível, Anna. — Respondeu sorrindo e me abraçando. — Você é uma exagerada! — Disse retribuindo seu abraço e beijando o topo de sua cabeça ruiva já que eu ficava muito mais alta que ela com aquele salto. — Agora vem cá que eu vou terminar essa obra de arte! — Jess começou a me puxar até que eu estivesse sentada na poltrona próxima a minha cama. — Acha que vai conseguir esconder esses roxos do meu braço? — Perguntei me referindo as marcas de quando estouraram minha veia com a medicação. — Se você ficar parada, talvez! — Repreendeu-me pegando um pincel e base. — Fique com os olhos fechados e relaxe enquanto eu trabalho... Tentei fazer o que ela pediu, mas relaxar era quase impossível, eu a sentia deslizar os pincéis pela minha pele cobrindo todas as minhas imperfeições como olheiras e roxos ao mesmo tempo que sentia medo de alguém entrar no meu quarto e nos ver mesmo já sendo teoricamente tarde. — Para de piscar! — Reclamou Jess. — Eu to com os olhos fechados! É impossível piscar estando com os olhos fechados! — Retruquei tentando não rir já que sabia que ela estava falando sério. — Tá tremendo as pálpebras! — Eu pude até mesmo visualizá-la revirar os olhos pra mim. — Sugiro que pare se não quiser acabar toda borrada. — Vou tentar... Eu realmente não aguentava mais ficar de olhos fechados sem poder ver o que Jess aprontava em meu rosto, mas eu confiava em seu poder com os pincéis já que ela era excelente com eles. — Só mais um pouquinho de batom e... Prontinho! Olha para mim. — Abri meus olhos lentamente olhando para ela vendo-a levar as mãos até a boca. — Você está incrível, Anna... — Sério? — Perguntei me levantando e praticamente correndo até o banheiro para ver o resultado. Mal reconheci a mulher que estava refletida naquele espelho. Ela não era pálida e cheia de olheiras, pelo contrário, sua pele parecia perfeitamente alinhada com leve rubor saudável em suas maçãs do rosto. Seus olhos azuis antes mortos, agora se tornaram marcantes com os longos cílios postiços e delineado perfeito. Em seus lábios o escarlate predominava dando-lhe ainda mais vida... Eu não acreditava que essa mulher sou eu... — Jess, você é incrível! — Disse ao sair do banheiro a abraçando como a única forma de agradecimento que eu a conseguia dar. — Feliz aniversário Anna... Só trouxe para fora a sua beleza interior... — Ela retribuía meu abraço, mas logo me afastou para olhar em meus olhos. — Tem um pub aqui perto... Vá, tome uma bebida ou duas, dance e divirta-se, mas tome cuidado por favor e não demore a voltar... — Pode deixar... Vai dar tudo certo... Antes de sair ajudei Jess a arrumar suas coisas rapidamente. Nós havíamos combinado que ela ficaria no meu lugar por poucas horas, como ambas somos ruivas se ela se deitar de costas para a porta com o cabelo por dentro da roupa, ninguém que passasse perceberia a diferença. Depois de me despedir dela e receber mais uma de suas advertências, enfim sai do quarto com os saltos nas mãos para não fazer barulho. Não havia quase ninguém no corredor, mas eu podia ouvir as vozes de algumas enfermeiras se aproximando então tive de correr um pouco tomando o maior cuidado do mundo. Quando enfim cheguei à ala em reforme comecei a andar com cuidado entre a madeiras e pregos que estavam jogados no chão ao mesmo tempo que respirava fundo para recuperar o fôlego perdido no caminho até aqui. Enfim encontrei a porta de saída, tirando com esforço a madeira que a mantinha fechada sai daquele lugar. Assim que senti a doce brisa da noite bater contra o meu rosto foi impossível conter um sorriso colocando novamente os saltos nos meus pés. Olhando envolta percebi que estava nos fundos do hospital e a poucos metros dali havia um pub como Jess havia me avisado. Olhando novamente em direção a porta pela primeira vez desde que aquele pensamento cruzou a minha cabeça me senti insegura de continuar..., mas ao mesmo tempo essa podia ser o meu último aniversário... Respirando fundo tomei coragem para continuar a andar em direção ao pub. A noite podia não estar das mais belas para outras pessoas, mas para mim ela era perfeita, as velhas ruas de Londres nunca me trouxeram tanta alegria quanto essa noite. Quando atravessei as portas do pub pude ouvir o familiar som do tilintar de sinos que estavam presos sobre o batente. O lugar não estava muito cheio, havia um grupo de amigos sentados em uma mesa no canto do pub e mais algumas dançando com a música que tocava. Eu me sentia um tanto deslocada, mas apenas continuei a andar em direção ao bar me sentando sobre um dos bancos de madeira com couro verde escuro sobre o acento. — Oi! — Estendi a mão chamando o barmen que logo veio até mim. — O que vai querer? — Perguntou preparando o drink de outra pessoa. — Vou querer uma tequi... — Cortei minha própria fala, devido aos medicamentos eu não poderia tomar bebidas alcóolicas... — Um suco de laranja por favor... — Em um minuto... — Disse afastando-se. Certo, aqui estou eu, sentada no banco de um pub rústico ao som de A Million Men esperando meu suco de laranja enquanto um jogo de futebol passava na televisão próxima as garrafas... Algumas pessoas podem achar uma noite entediante, mas só de estar aqui eu me sentia em êxtase! — Seu suco, senhorita. — Disse o gentil barmen colocando um copo de vidro cheio de suco de laranja com alguns cubos de gelo e uma rodela de laranja. — Obrigado! — Agradeci sorrindo. Tomando o primeiro gole percebi que na verdade eu desfrutava do néctar dos deuses! Ou talvez o gosto do fruto proibido fosse mesmo o mais doce... Me levantei daquele banco com meu copo em mãos indo em direção à onde algumas pessoas dançavam. Deixando a música guiar-me fechei meus olhos e comecei a balançar o meu corpo de forma lenta sentindo a música, balançando os meus quadris conforme as batidas tocavam a minha pele deixando-me totalmente inebriada por aquela melodia. Quando abri meus olhos, olhei por cima do ombro dando de cara com a mesa do canto. Um dos homens me olhava da cabeça aos pés... "Talvez seja o meu cabelo..." — Pensei levando a mão a ele instantaneamente. Os homens daqui não estavam acostumados com mulheres de cabelos curtos como um garoto, novamente a sensação de constrangimento e deslocamento cruzou o meu corpo deixando-me imóvel por alguns segundos. Respirando fundo acalmei os batimentos fortes do meu coração voltando a caminhar para o banco do bar. Olhando para o relógio na parede já haviam se passado algumas horas e eu estava no final do meu segundo copo de suco, já não havia mais tantas pessoas no pub, mas o grupo de amigos ainda continuava por lá, podia ouvi-los rindo no canto. Deve ser legal ter amigos assim, sair para beber e dançar, rir, conversar, fazer brincadeiras etc. Desde os meus 5 anos minha vida são os hospitais, meus amigos são os pacientes da quimio, meus shots de tequila eram na verdade coquetéis de remédios e minhas ressacas eram os efeitos colaterais... Quando o lugar que devia te fazer bem na verdade começa a te deixar triste, você sabe que está na hora de ir embora. Paguei ao barmen os meus sucos e me levantei, mas m*l dei dois passos e esbarrei em alguém sentindo um líquido ser jogado contra o meu corpo. — d***a! Me desculpe! — Quando levantei para olhar se tratava do homem que me olhava na mesa do canto.
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