Respira aqui, fura ali, aperta ali, injeta acolá! Isso é um breve resumo do que o meu dia teve até agora, ah! Esqueci de uma: "Faz xixi nesse potinho!". A essa altura do campeonato essa era uma das frases que eu mais odiava depois da "Você ainda não pode voltar para casa".
— Boas notícias Anna. — Disse o Dr. Clark entrando no quarto com uma prancheta em mãos.
— Vou para casa? — Perguntei enormemente esperançosa.
— Quase... — Respondeu fazendo meu sorriso desmanchar-se aos poucos. — Mas o seu sistema imunológico está ficando mais forte a cada dia e a sua oxigenação está melhorando também.
— Então, o que me impede de voltar para casa?
— Quero ter certeza de que se você for, não vai voltar pra cá de ambulância se pegar uma gripe. — Disse anotando algumas coisas na prancheta e a colocando na barra de ferro da cama.
— Doutor você conhece a minha irmã, do jeito que ela é apavorada mesmo você falando que eu estou bem, se eu espirrasse ela chamaria a ambulância. — Comentei o fazendo rir.
— Como está se sentindo Anna?
— Presa, cansada e doida pra ir pra casa. — Respondi sentando-me na cama. — Doutor o meu aniversário é amanhã! Eu não quero passar mais um aniversário em um quarto de hospital...
— Você não vai ficar no hospital pra sempre Anna, mas não quero me arriscar com você, ainda mais com a chance do seu pulmão novo chegar a qualquer momento.
— Posso ao menos andar?
— Se não se sentir cansada, sim. — Respondeu sorrindo gentilmente saindo do quarto em seguida.
Bom, ao menos agora eu poderia lembrar como era a sensação de andar novamente. Me levantei da cama indo até o pequeno banheiro daquele quarto, pegando minha escova de dentes vermelha de dentro do pequeno gabinete começando a escovar meus dentes.
Olhando no reflexo do espelho m*l conseguia me reconhecer, não parecia a mesma Anabel de pouco mais de um mês atrás. Havia olheiras enormes embaixo dos meus olhos, as curtas mechas ruivas do meu cabelo caíam sobre a minha testa e orelha o que dava um pouco de cor ao meu rosto pálido.
Saindo do banheiro vesti meu casaco, peguei uma das máscaras descartáveis a colocando no rosto e enfim saindo andando daquele quarto. Admito que minhas pernas estavam até um tanto dormentes, mas logo eu andava por aqueles longos corredores repleto de médicos andando pra lá e pra cá com seus jalecos impecavelmente brancos e enfermeiras em seus uniformes azuis, todos apressados para atender seus pacientes.
— Anna! Que bom vê-la andando! — Disse Sarah a recepcionista ao me ver.
— É bom enfim usar essas pernas! — Respondi a fazendo rir tocando sua mão com um hifive.
Eu já conhecia boa parte das pessoas que trabalhavam nesse lugar e até mesmo alguns pacientes que estavam aqui a algum tempo assim como eu. Mas de longe uma das minhas pessoas favoritas era a vovó Ruth, ela parecia sempre estar de bom humor com todo mundo, até mesmo quando não estava muito bem. Parei em frente à porta do seu quarto dando algumas batidinhas, mas como não obtive resposta olhei pelo vidro que havia na porta. Ela não estava lá, seu quarto estava vazio.
— Procurando a vovó Ruth querida? — Perguntou uma enfermeira atrás de mim.
— Sim. — Assenti ficando de frente para ela.
— Ela está na sala de quimioterapia.
Não pude evitar que uma expressão um tanto triste cruzasse o meu rosto, mas apertei meus lábios rachados em um sorriso mesmo que ela não visse por causa da máscara, e sai em direção a sala de quimio. Achei que ela já havia parado com as sessões, que estava melhor, mas aparentemente não...
Enquanto caminhava até a sala de quimio passei em frente a uma ala do hospital que estava em reforma devido a um acidente durante uma tempestade a algumas semanas atrás, pude ver alguns trabalhadores entrando e saindo por uma porta que havia no fim do corredor, nunca havia percebido aquela porta ali...
Não demorei a chegar à sala de quimio ao sair do elevador. Havia algumas pessoas sentadas nas poltronas confortáveis encostadas a parede tomando sua quimio na veia enquanto assistiam a um programa chato na tv presa a parede.
Assim que vi a vovó Ruth sentada em uma daquelas poltronas foi impossível não abrir um sorriso, ela pareceu perceber que eu estava sorrindo e me retribui com um sorriso maior ainda, eu teria corrido para abraçá-la se pudesse correr, mas dei passos tão largos que foi quase como correr, logo a abraçando com cuidado.
— Anna! Que bom vê-la querida. — Disse com voz animada acariciando minhas costas.
— Oi vovó Ruth... Desculpa não te visitar tanto, ainda não aprendi a andar direito com aquela cadeira de rodas sozinha. Como você está se sentindo? — Perguntei sentando-me no braço da poltrona.
— Bem, só um pouquinho enjoada, mas e você minha filha? Ainda usando essa máscara? — Ela me olhou com uma expressão preocupada.
— Eu estou bem, mas se eu não usar isso aqui o médico não me deixa sair do quarto. Estou pensando em desenhar um sorriso nela, as pessoas devem passar por mim e me achar muito seria mesmo quando estou sorrindo.
— Eu apoio, posso até desenhar para você se quiser. — Disse sorrindo e passando a mão no meu cabelo. — Está crescendo querida.
— Aos poucos. — Sorri pegando em sua mão gelada. — O seu também vai crescer logo... Pensa que eu não percebi que você está usando o lenço que te dei?! Ficou ótimo em você!
— Você tem bom gosto minha filha. — Ela abriu um sorriso amigável para mim, mas que logo se desfez.
Vovó Ruth fez uma cara que eu infelizmente conhecia muito bem. Me levantei rapidamente pegando o recipiente cinza que estava ao lado da poltrona colocando em sua frente. Em questão de segundos ela debruçou-se sobre ele vomitando tudo que ela havia comido em seu café.
Lembro-me perfeitamente de quantas vezes me encontrei na mesma situação que ela, na verdade nos conhecemos em uma sala como essa.
Comecei a acariciar suas costas tentando ampará-la ao máximo, assim que ela terminou coloquei o recipiente no chão entregando-lhe um lenço de papel que ela usou para limpar os resquícios em sua boca.
— Obrigado querida... — Agradeceu sorrindo quase como se não estivesse acabado de passar m*l.
Vovó Ruth e eu éramos a prova viva de quanta dor um sorriso pode esconder... Ficamos conversando até a enfermeira vir tirar a agulha de seu braço, logo a ajudei a chegar em seu quarto e se deitar sobre a cama com lençóis de tricô que sua neta havia trazido.
— Pega o meu tricô para mim querida. — Disse apontando para a pequena cesta de madeira sobre a cômoda branca no canto do quarto.
— O que está aprontando dessa vez? — Perguntei lhe entregando a cesta.
— É uma surpresa. — Respondeu sorrindo e começando a tricotar. — Não pense que esqueci do seu aniversário Anna.
— Não precisava ter trabalho comigo...
— É uma boa distração. — Ela sorriu sem cessar os seus dedos ligeiros.
Passei boa parte do meu dia em seu quarto ouvindo sobre os seus netos e sua neta que havia engravidado aos 16 anos e iria lhe dar uma netinha ou netinho, para família havia sido um escândalo, mas Ruth estava radiante com a notícia falando sobre tricotar sapatinhos azuis ou rosas. Só sai do quarto quando fui gentilmente convidada a me retirar pela enfermeira que dizia que Ruth e eu precisávamos descansar.
No caminho ao mundo entediante de Anabel eu observava algumas pessoas receberem alta e irem embora acompanhados pela família que os recebiam de forma radiante...
— Anna?! — Ouvi a voz da minha irmã a poucos metros de mim. — O que está fazendo fora do quarto?
— Preservando a minha sanidade mental. — Disse a abraçando.
— Você parece cansada...
— Impressão sua.
— Sei! — Jess revirou os olhos guiando-me até meu quarto.
Eu não me sentia cansada, não da forma que Jess achava que eu estava. Eu me sentia cansada desse lugar, cada átomo do meu corpo implorava pela liberdade nem que por poucas horas... Essa vontade gritante que me levaria a fazer o que eu faria a seguir.
— Jess... Quero te pedir um favor... — Disse subindo em minha cama tirando a máscara.
— Qualquer coisa, Anna. Pode pedir.