02| Correr como o Flash.

2369 Words
– Eu te atrapalhei Seth? – perguntou Rosalyn já que eu não respondi nada. – Não. Tudo bem. Pode ficar sentada aqui – fechei o livro e guardei o lápis dentro do bolso da calça jeans. Lylla se aproximou com meu prato e eu fiquei feliz ao ver o que ela havia escolhido para mim. O de sempre.  – O prato do dia – Lylla sorriu e eu assenti. – Obrigado – foi só o que eu disse, já que minha cabeça estava a mil. Rosalyn se remexeu na cadeira e olhou para a porta de entrada do estabelecimento, as pontas de seus dedos batucavam inquietos na mesa e ela voltou a me encarar novamente.  – Você não vai comer? – ela perguntou olhando para o meu prato em cima da mesa, mas as palavras haviam sumido do meu cérebro e eu mais uma vez não respondi. Eu parecia um i****a. Na verdade eu era um i****a, olhando para ela, do jeito que nós olhamos para uma escultura em um museu, que mesmo se passarmos horas observando-a, não encontraremos significado algum, a não ser se houver uma legenda explicando porque ela está ali, e qual o motivo que levou a mesma a ser criada. Bom seria se Rosalyn Jonnes tivesse uma legenda explicando por que é que ela estava ali, sentada junto á mesa comigo, e por que ficava olhando para porta do restaurante com os olhos arregalados. – Não – respondi já que não estava mais sentindo fome. Rosalyn deu os ombros e puxou o prato para si. Meus olhos se arregalaram ao vê-la comendo minha comida, mas mais uma vez eu não disse nada.  – Tem muita gente passando fome por ai Seth. Você não devia estragar comida – disse ela de boca cheia e eu me remexi na pequena cadeira – Que cara é essa? Eu confesso que nessa hora, eu estava prestando atenção em cada movimento que ela fazia, e ás vezes eu até focava meus olhos em seus s***s apertados na camiseta vermelha com o símbolo do flash na mesma. Ambos subiam e desciam conforme sua respiração, mostrando claramente que ela estava ofegante. – Será que pode me emprestar sua blusa de moletom? – ela perguntou – Juro que te devolvo – Rosalyn prendeu os cabelos longos loiros num coque desarrumado e vestiu minha blusa em seguida, com os olhos grudados na entrada do estabelecimento. – Será que pode me dizer o que está acontecendo? – perguntei guardando meus livros dentro da mochila – Está fugindo de alguém? – tirei minhas próprias conclusões fazendo ela abrir um sorriso cheio de luxúria. – Vem comigo Seth – ela se levantou e eu sem demora fui atrás dela, antes deixando algumas notas para pagar minha comida que ela comeu. Coloquei a mochila nas costas e ela por sua vez colocou a touca da blusa. A garota não deu mais nenhuma palavra. Pude ver como seus olhos atentos olhavam ao nosso redor. Estávamos fugindo? De quem estávamos fugindo? – É ela! – gritou um senhor vestindo um avental de comerciante – Apanhem esses dois jovens! Antes que eu pudesse me dar conta, Rosalyn estava me puxando pela calçada. – Corre Seth! Corre! – gritou ela gargalhando, enquanto corríamos pelo calçadão cheio de pessoas. Ela soltou minha mão e correu na frente, enquanto eu estava preocupado demais em ver quem estava correndo atrás de nós. Dois guardas. Com cassetetes na mão, se aproximando de nós a toda velocidade. Voltei a olhar para frente e a garota corria com uma das mãos segurando o coque na cabeça para que ele não se desfizesse. – Me desculpe – pedi para uma senhora que eu havia acabado de esbarrar. – Vem logo Seth! – Rosalyn gritou logo a frente. Rapidamente eu a alcancei e enquanto corríamos, ela tirava a minha blusa ofegante. Viramos em uma rua vazia, porém isso foi a pior cagada que poderíamos ter feito, a rua era sem saída e no final, havia uma grade alta. Porém, Rosalyn pulou. Ela pulou como se fosse a coisa mais fácil de fazer. Ela pulou, sem se importar com a calça jeans que acabara de rasgar, sem se importar com o impacto que tivera com o chão, ralando o joelho. Já para mim, isso pareceu impossível, porém eu estava acompanhado da garota mais incrível que já nascera na face deste Universo, ela estava ali, por algum motivo Rosalyn Jonnes estava comigo aquela tarde. Então eu pulei. Eu pulei e tive mais sucesso do que ela, já que minha calça não rasgou por conta da minha altura. E nós passamos por cima da grade, deixando os guardas para trás. Meus pulmões já não tinham ar e imploravam para que eu parasse, meu coração ia sair pela boca se eu não desse uma pausa, porém Rosalyn parecia ter tomado uma garrafa de energético, pois corria gargalhando e me mandava correr mais rápido. Nós paramos poucos metros depois, nos escondemos perto de uma imensa lata de lixo ofegantes. – Eu sou o Flash – disse ela recuperando o fôlego. – Rosalyn, que d***a foi essa? – dessa vez, andávamos sem rumo sem se preocupar com os guardas que haviam desistido de nós. – Eles já foram Seth – disse ela amarrando minha blusa em sua cintura. – Por que estavam correndo atrás de nós? Ou melhor, atrás de você? – ela bufou e retirou do bolso da calça jeans um maço de cigarros. – Juro que foi só isso – ela roubou um cigarro? – Ora Seth, pare de drama, eram só guardas – revirou os olhos. – Não tinha dinheiro para comprar um cigarro? – soltei um riso. – Você não estava achando que eu iria gastar meu dinheiro com essa porcaria né? – com um gesto rápido, a garota retirou dos s***s um isqueiro e acendeu um cigarro me oferecendo um mas, eu recusei e ela revirou os olhos – Você não mudou nada – comentou ela enquanto nos sentávamos em um banco de madeira branca na calçada. – Não posso dizer o mesmo para você – ela soprou a fumaça tóxica em meu rosto e eu tossi com a nicotina impregnando em meu nariz. – Você foi um ótimo parceiro de fuga – ela pôs a mão em meu ombro e eu senti uma descarga elétrica percorrer meu corpo inteiro. – E você foi uma péssima ladra – soltei um suspiro e ela soltou um riso. – Eu não roubei. Apenas peguei – pude ver o quão ela estava sendo irônica, eu apenas assenti com a cabeça, vendo que não teria mais assunto – Como você anda nestes últimos anos? – ela perguntou se sentando no banco de madeira branca da praça vazia. Olhei para os lados procurando algum sinal dos guardas, e Rosalyn riu me puxando para se sentar ao lado dela no banco. – Bem, eu... Vou indo bem – na verdade eu queria dizer, minha vida não mudou nada, continuo na mesmice e me sinto um bosta por ter que assumir isso. – Você não vai me perguntar como vai a minha vida? – ela abriu um sorriso maroto, daqueles que sempre me deixa sem ar e eu tenho que me controlar para não dizer o quanto ela fica mais linda e gostosa. – Ãhn... Como vai sua vida? – eu senti que ela queria me humilhar nesta hora, ela queria que eu perguntasse isso a ela só para poder dizer como a vida dela era maneira, só para dizer como é legal ser popular no colégio, para dizer que a vida dela ficou ótima depois que ela parou de ser nerd e foi para o grupinho dos descolados. Mas ao invés de ter dito isso, Rosalyn me surpreendeu com apenas duas palavras. – Uma m***a – ela disse dando uma longa tragada no cigarro. – Uma m***a? – disse surpreso. – Uma m***a, uma bosta se preferir também – ela deu os ombros jogando o cigarro no chão pisando em cima do mesmo em seguida. Eu devia ter perguntado o por quê da vida de m***a dela mas ao invés disso, escolhi o silêncio. E ficamos ali, olhando para um casal de velhinhos que jogavam dama. Não sei dizer quantos minutos ficamos ali, só sei dizer que o casal de velhinhos jogou mais de três partidas. E nós continuamos ali, eu olhando de relance para ela, que por sua vez dava longas tragadas no cigarro e soprava na minha cara. Era o cheiro mais desgraçado que eu já sentira na minha vida. Era como se a fumaça viesse junto com uma frase “meu nome é cigarro e eu vim para f***r com a sua vida.” Entretanto, quem estava fumando era Rosalyn. Rosalyn conseguia deixar tudo especial. O cheiro era h******l (disso eu não mudo minha opinião) mas o mesmo chegava ao meu nariz, com uma combinação de cheiros. A nicotina se misturava com o cheiro frutal do perfume dela. E se eu continuasse ali, com certeza ficaria viciado naquilo. – Então você e o Ash estão... Namorando – era para ser uma pergunta, mas acho que ficaria muito agressivo perguntar, já que isso não era da minha conta. – É. Nós estamos – ela respondeu totalmente concentrada na jogada do velhinho que estava comendo três peças da velha de uma vez – Na verdade já faz mais de um ano, mas é uma d***a ser titulada como a namorada do Ash, então a gente decidiu que seria só um caso, ele na dele e eu na minha. – Você o ama? – Não – dessa vez, ela se virou para mim e acendeu outro mais um cigarro. Não sei se isso me deixou feliz, ou triste. Talvez tenha sido as duas coisas. Feliz por mim e triste por Ash não ser amado por uma garota tão especial como Rosalyn. Eu não namoraria uma garota, se não a amasse. Raciocínio suficiente para mais uma pergunta. – Então por que está namorando ele? Ela tocou meu rosto com as pontas dos dedos e soprou a fumaça pelos lábios rosados, ficando cada vez mais sexy ao fazer aquilo. – Ninguém conhece o amor da sua vida tão novo – explicou ela, mas ainda não fazia sentido – Nós somos jovens Seth, ainda não temos a mínimaidéia do que é o amor, ainda não temos noção de quem somos – balancei a cabeça negativamente discordando da opinião dela. – Eu tenho. – Não, você não tem – disse convicta – Nós somos só dois adolescentes sentados em um banco de praça. Vamos passar por muitas mudanças, muitas paixões, muitas aventuras, muitas brigas... – eu interrompi. – Você não tem como saber – protestei. – Há alguns anos atrás, eu tinha certeza de quem eu era. Eu tinha planejado meu futuro todinho, e estava caminhando em linha reta, rumo a uma vida cheia de limitações e a cada passo que eu dava, eu sentia que faltava alguma coisa. Eu estava vivendo para meu futuro. Eu estava vivendo para construir uma coisa que eu nem sabia se eu ia estar viva para concluir – comentou ela e mais uma vez levou o cigarro á boca. – E o que isso tem a ver comigo? – ela deu os ombros. – As pessoas mudam constantemente. É de lei Seth – ela fez uma pausa e se deitou no banco com a cabeça em meu colo – Uma hora você está andando em linha reta e aí descobre que essa linha reta era só uma pista de decolagem, e ai você decola e encontra um céu inteiro para voar – ela encarou o céu e eu mordi o maxilar quando notei que na verdade, seus misteriosos olhos verdes estavam encarando a mim e não ao céu. Pigarreei com a situação desconfortável e ela soltou uma alta gargalhada completamente envolvente, fazendo com que eu risse juntamente com ela. O toque de seu celular interrompeu nosso riso, e eu achei que ela recusaria a chamada e voltaria á conversa. Mas ela atendeu. Era Ash, seu namoradinho iludido. – Sim, eu chego aí em 15 minutos – ela disse a ele, se levantando do banco – Foi bom ter um companheiro de fuga – a loira me estendeu a blusa e eu peguei também me levantando do banco – Pensa bem no que eu te falei Seth, existe um céu inteiro te esperando, basta decolar – Rosalyn sorriu, deu um passo para trás – A gente se vê bonitão – ela me lançou uma piscadela e deu as costas. – A gente se vê – apertei com força a alça da mochila e um sorriso de m***a saiu de meus lábios enquanto eu voltava para casa. Virei a esquina e dei de cara com o velho comerciante, que falou um monte para mim, me chamando de trombadinha. Tive que pagar o maço de cigarros que Rosalyn pegou e segui caminhando para casa, ainda não acreditando no que aconteceu. A escrivaninha, os livros, o frango na geladeira, o forro da cama sempre bem arrumado... Eu estava em casa. A água quente do chuveiro relaxou meus músculos e eu fechei os olhos com a pedra de sabão na mão. Mais tarde, eu descongelei o frango e comi, sentado na mesa encarando a parede branca. Era como se eu tivesse saído de mim por míseros minutos, como se eu tivesse levantado vôo, e agora estava de volta á pista de decolagem. Mas havia algo de diferente neste dia. Eu nunca me importei com a mesmice. Eu confesso que isso fez bem para mim, até certo tempo. Até Rosalyn discordar dessa idéia. Ela estava certa, nós éramos jovens e iríamos passar por muitas mudanças e paixões. Mudar era de lei. E ela mudou, se tornou uma aventureira que não sabia roubar um maço de cigarros, uma garota que namorava, mas que não amava, que agora era cheia de si. Tudo o que ela me disse fazia sentido de alguma forma. E eu passei a noite inteira corroendo isso em minha mente, chegando á conclusão de que talvez era isso o que faltava. Havia um céu imenso a minha espera, e eu só precisava sair da minha linha reta e decolar.
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