capítulo 06

2220 Words
Tento abrir os olhos, mas parece que minhas pálpebras estão pesando uma tonelada cada uma. Forço-as mais um pouco e finalmente consigo abri-las, mas a luz branca emitida pelas lâmpadas do teto me cegam por alguns segundos, como se tivesse vivido na escuridão por... - ele acordou!- ou alguém falar um pouco distante de mim. Abro os olhos mais uma vez e tento ignorar a luz excessiva sob meu rosto. Estou deitado uma cama estreita, típica de hospitais, vestindo apenas umas daquelas coisas estranhas que os médicos obrigam as pessoas à usar. Um cobertor azul claro cobre toda a parte inferior do meu corpo, parando um pouco acima do meu abdômen. O quatro é todo branco e a cama está bem no centro dele. Há uma cadeira no canto, uma mesinha e vários aparelhos estranhos cheios de todos do lado da cama. O que eu estou... As memórias do outro dia voltam como uma avalanche, varrendo qualquer que encontra no caminho. Eu levando alegremente aqueles bolinhos para Diogo... aquela cena nojenta acontecendo à um metro e meio de mim... Eu correndo desesperado pela rua e... O caminhão... - olá.- sou tirado desses malditos pensamentos por uma voz desconhecida, limpo as lágrimas com a palma da mão esquerda (a que não está cheia de tubos e fios conectados a máquina) e olho na direção da porta. Um homem todo vestido de branco está parado ao lado da porta, com um daqueles negócios que médicos usam para ouvir os batimentos do coração ao redor do pescoço. - o-oi... O q-que aconteceu?- continuo passando a mão no rosto, tirando as lágrimas que insistem em cair e limpando o nariz. - você sofreu um acidente Alexander.- o homem diz, se aproximando de mim com alguns papéis na mão. Ele fica ao lado da cama e me examina de cima à baixo. - Alex, p-pode me chamar de Alex. Mas o que aconteceu n-no acidente...- “o que aconteceu depois do acidente?” quero perguntar, mas não consigo pronunciar as palavras do jeito certo, minha boca insiste em gaguejar sem parar. - você fraturou nove costelas e quebrou um braço.- arregalo os olhos e encaro-o com um pouco de desespero. Eu quebrei nove costelas?! E um braço?! Abro e fecho a mão com cuidado, como se esperasse uma onda agonizante de dor envolver meu braço. Também respiro profundamente, como se esperasse uma dor enorme se alastrar por todo meu corpo... Mas não há nada, não há dor. - i-isso é impossível! N-não estou s-sentindo nenhuma dor!- será que eles aplicaram algum tipo de anestesia em mim?? - os seus ossos fraturados já estão curados Alexan... Alex.- o homem diz calmamente, me fazendo querer rasgar os seus olhos com as unhas. EU ESTOU MORRENDO AQUI E ELE COM ESSA CALMA TODA!! - você está mentindo! O-o acidente f-foi ontem!!- grito sem entender mais nada. Lembro-me perfeitamente de tudo, o acidente foi ontem!! Não foi? - o acidente não foi ontem Alexan... Alex. V-você estava em coma.- ele gagueja pela primeira vez, como se estivesse um pouco nervoso por me contar isso. Em coma? Como assim coma? - c-como assim? Eu fiquei em coma por q-quanto tempo? Uma semana? D-dez dias??- o seu olhar difícil de decifrar me faz ficar ainda mais nervoso. Ele fita o chão por alguns segundos antes de voltar os seus olhos para mim. - e-eu acho que você precisa descansar um pouco antes que... - F-FALA LOGO!!- grito impaciente, não posso esperar mais um segundo para descobrir. O médico franze os olhos na minha direção, antes de soltar um enorme suspiro e responder: - você ficou em coma por um ano e nove meses Alex. (****) - O-O QUE?!- as palavras voam da minha boca no segundo seguinte sem que eu nem tenha tempo de assimilar tudo. Um ano e nove meses?? Isso é impossível! Como eu posso ter ficado todo esse tempo em coma? - geralmente não contamos logo de cara para os pacientes esse tipo de coisa, mas foi você que insistiu.- a sua voz é como um zumbido de uma abelha no meu ouvido, ignoro-o completamente e encaro minhas mãos tremulas. Há pequenas cicatrizes por toda a região dos meus braços, não quero nem ver o resto do meu corpo... Sento com dificuldade na cama, antes de arrancar a agulha enfiada no meu braço direito e joga-la no chão. - você não pode fazer isso!- o médico corre até mim e segura as minhas mãos firmemente, não o suficiente para machucar, mas para me impedir. - e-eu já estou bem, não é?- você mesmo disse que eu já havia m-me curado com o tempo.- murmuro, olhando diretamente em seus olhos, que agora percebi serem verdes claros. - você...- ele começa, mas eu o ignoro completamente. Tento sair da cama e ficar em pé, mas minhas pernas simplesmente não obedecem. Ordeno que os dedos dos meus pés se mexam, mas eles continuam da mesma forma, sem nenhum movimento que seja. - p-por que não sinto minhas pernas?- gaguejo, sentindo meus olhos começarem à ardem novamente, as malditas lágrimas começam à escorrer de novo. - você também fraturou a coluna e alguns ossos nas pernas. - m-mas eu já me curei dessas coisas t-também não é??- meu coração começa à bater de uma forma acelerada e desordenada. - infelizmente não conseguimos reparar alguns danos causados em sua coluna.- as palavras me atingem como facas, que rasgam cada centímetro do meu corpo e mente. - e-e o que isso quer dizer?- uma pequena luz chamada esperança brilha no fundo da minha mente, que agora está turva e sem claridade alguma. - você perdeu os movimentos das pernas.- as palavras apagam qualquer vestígio de que um dia tive esperança. Simplesmente entro em desespero. PARAPLÉGICO!! AI MEU DEUS, EU NÃO VOU CONSEGUIR ANDAR NUNCA MAIS!! As lágrimas escorrem pelo meu rosto, enquanto grunhidos escapam pelos meus lábios. - o-o que eu vou fazer agora? Não vou mais andar ou fazer qualquer outra c-coisa... P-POR QUE ESSA M-MALDITA VIDA NÃO ACABA LO-LOGO?!?- olho para as minhas pernas pálidas, que agora não servem mais para nada. Levo as mãos até lá e enterro as unhas na pele branca, esperando sentir alguma coisa, mas não há nada, só pequenos filetes de sangue escorrendo das feridas. - você tem que se acalmar Alex... - m-me acalmar? Como!?- enterro as unhas com mais força, querendo que elas cheguem até os ossos, desejando sentir uma simples dorzinha ou pressão. - p-para com isso garoto! Enfermeira!! Traga uma dose de...- ignoro o que ele diz e continuo enfiando as unhas na pele. Por quê essas coisas aconteceram comigo? Porque Deus? O médico sai correndo para fora do quarto e alguns segundos depois, volta com uma seringa na mão esquerda. - fica calmo Alexander.- ele vem até mim e segura a minha mão com força, antes de enfiar a agulha na parte de dentro do meu cotovelo. - o-o que é isso?? - vai fazer você ficar mais calmo e tirar um cochilo.- diz, dando-me um sorriso tranquilizador que não serve para me acalmar. - p-por que você está fazendo isso? Eu tenho o d-direito de chorar não tenho? Tenho o direito de ficar triste e a a-amaldiçoar essa p***a de vida...- minha língua fica pesada e eu não consigo mais falar nada, minha visão embaça instantes depois, fazendo eu enxergar apenas um borrão. Sinto mãos macias e gentis segurarem meus ombros e me colocarem deitado de volta na cama antes da escuridão me envolver, de novo. (****) Não sei quanto se passou enquanto eu estava dormindo (à força). Na verdade, não sei nem que hora era quando acordei da outra vez, se era manhã ou noite... Minha cabeça está como um labirinto sem fim... Para mim, um dia atrás eu havia dezessete anos e havia pegado meu namorado transando meu melhor amigo e uma garota que eu nem conheço, e hoje já tenho quase dezenove anos... - está mais calmo?- o mesmo médico (da qual eu ainda não sei o nome e também não sei se quero descobrir) entra no quarto, vestindo a mesma roupa branca sob o jaleco da mesma cor. - sim.- respondo. Quem não ficaria depois de ser drogado igual à animal quando está sendo capturado?? Mas na verdade não é só por causa do remédio, acabo de decidir que ficar chorando por alguém que não me merece não vale e nunca valeria a pena. - ótimo, eu preciso fazer um checkup em você.- ele vem até mim, tirando aquele troço de ouvir os batimentos cardíacos do bolso do jaleco. - hum... Okay.- decido não falar nada arrogante, dessa vez, pelo menos. - vai ser rápido.- ele se curva sobre a cama e coloca o negócio no meu peito. De perto consigo ver melhor o seu rosto, os olhos verdes lhe caem bem, o nariz é empinado e o cabelo preto cai sobre a sua testa. - os batimentos estão ótimos. - qual o seu nome?- pergunto, deixando a curiosidade me vencer. Procuro o nome no seu jaleco, mas há apenas uma plaquinha de metal com “Dr. Gunter”. - é Philip.- responde ele enquanto tira uma mine lanterna do bolso e aponta para meus olhos, me deixando cego por alguns segundos. - é um belo nome doutor Philip Gunter.- murmuro, franzindo um pouco a testa. - obrigado. Você tem belos olhos Alexander Foster.- diz sorrindo. Noto que uma de suas presas é um pouco lascada, deixando o seu sorriso um pouco... Peculiar, mas não f**o. Faço que sim com a cabeça, agradecendo silenciosamente pelo seu elogio. - o seu namorado deve chegar à qualquer momento, nós do hospital ligamos para ele e dizemos que você havia acordado.- Philip diz, fazendo um calafrio subir pela minha espinha. - n-namorado? Que namorado?!- grito, me exaltando um pouco. Ele me olha espantado antes de falar. - um moço vem visitar você uma vez por semana durante todos esses meses, ele vinha quase todos os dias nos primeiros... - E-EU NÃO TENHO NAMORADO!!- falo apressadamente, como ele pode vir aqui esse tempo todo, aquele ordinário!! - não? Ele disse que era o seu namorado e o responsável por você. Nós consultamos os seus pais e eles confirmaram isso.- o médico diz, levantando uma das sobrancelhas, incrédulo com o que estou dizendo. - nós pensávamos que...- ele é interrompido pelo som da porta se abrindo. Nós dois olhamos naquela direção e damos de cara um homem loiro, segurando um enorme buquê de flores: Diego. - Alex!- ele cobre os poucos metros que nos separam e fica ao lado da cama. -E-EU QUERO VOCÊ FORA DAQUI!!- grito com todas as minhas forças, nunca senti tanto ódio na minha vida. Diogo está um pouco diferente, há olheiras sob seus olhos azuis e os cabelos estão maiores e desgrenhados. - A-alex... Por favor, Me perdoa.- ele fica de joelhos ao lado da cama e segura minha mão por dois segundos, antes que eu puxe o braço para longe. - VAI EMBORA!! SEU NOJENTO!- observo as lágrimas gordas escorrem pelo seu rosto, uma mistura de H2O e pura falsidade. - m-me perdoa baby.- ele gagueja, sem desviar aqueles malditos olhos dos meus. As lembranças se repetem várias e várias vezes, fazendo o nojo que eu sinto por ele aumentar. Olho desesperadamente para Philip, que está no canto do quarto e achando que está presenciando uma “briguinha de casal”. - t-tira ele daqui, por favor.- imploro-o com os olhos, fazendo-o pensar por alguns instantes antes de se aproximar da cama e falar: - rapaz, é melhor você ir embora.- ele diz com uma voz autoritária, se aproximando de loiro que ainda está de joelhos me encarando. A sua voz dar-lhe um ar de superioridade e faz Diogo olhar para ele. - m-mas ele... - se não fizer isso agora, eu vou chamar a policia.- mesmo tendo vinte e um anos agora, a resposta de Philip faz Diego estremecer como uma criança ouvindo as broncas do pai. - o-okay, mas eu vou voltar.- o loiro cede, antes de levantar e olhar para mim uma última vez então coloca o buquê de flores ao meu lado na cama.- fique com as flores Alex. - EU QUERO QUE VOCÊ PEGUE ESSAS FLORES E ENFIE BEM NO MEIO DO SEU... - Okay Okay, é melhor não terminar essa frase.- o médico me corta, fazendo um leve movimento com a cabeça, indicando para Diego ir embora. Pego o buquê de flores e o jogo com toda a minha força, mirando bem no meio do seu rosto. Mesmo tento acertado com perfeição o arremesso, ele não parece não ter sentindo nada (queria que as rosas tivessem espinhos) há não ser decepção. O QUE?! ELE ACHAVA QUE FAZER TODA ESSA CENINHA IA FAZER O MEU ÓDIO/NOJO SUMIR INSTANTANEAMENTE?? Observo as pétalas vermelhas se espalharem por todo o chão do quarto e Diego marchar para fora do quarto. Deixando-me novamente com o médico. - odeio já ter dezoito anos...- penso em voz alta enquanto encaro a parede branca do quarto. - ué, por quê?- a outra pessoa que está no quarto questiona, cruzando os braços sobre a roupa branca e me encarando com seus olhos verdes indecifráveis. - por quê eu já posso ser preso caso mate umas três pessoas.
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