Prólogo

283 Words
Sábado, 27 de Março de 2032 | 21h30 ## Velada pelo estonteante luar, uma afetuosa voz narra com legítima ternura um faz-de-conta. Para cada personagem, uma voz. Para cada ruído, uma onomatopeia pilhérica. A luminosidade dourada projetava, através do abajur rodopiante, sombras de animais selvagens. À beira da cama, a dona das incontáveis imitações folheava um rústico livro artesanal para deleite da neta, que engomada por edredons, ouvia maravilhada cada palavra, se escondendo debaixo do cobertor quando algo aterrorizava. Aos sete anos, este era o mais seguro dos refúgios contra monstruosidades. Uma única história deveria ser contada por noite, mas graças a técnica do olhar marejado, a avó abriu uma exceção. Ao final do segundo conto, o livro repousou na mesa de canto sob os versos: ## Vá embora, Tutu-Moringa A toda pressa Pela restinga Corra, corra, vá ligeiro Tutu-Moringa A toda pressa Seus filhinhos vão agora Embarcados num veleiro. ## Após um beijo carinhoso na testa, a senhora se despediu num boa noite sereno, junto ao apagar das luzes. Minutos depois, a menina traquina surge do amontoado de cobertores, reacende o abajur e escancara o livro na cama. Sua intenção não era espiar a história seguinte, – mesmo porque, adorava as interpretações da avó –, e sim, rever as extraordinárias figuras que cintilavam diante de si numa imersão estonteante. Quando beirou aúltima página lida na noite, hesitou. Ao passo que extrapolar a regra lherevelaria antecipadamente uma inimaginável criatura, a ação tiraria aexperiência inédita e teatral da avó. Desejava muito a próxima história, mas nãoqueria esperar até a noite seguinte. Fez silêncio com o dedo indicador e somadoa um risinho maroto, virou a página, vidrando o olhar seguido de um grito.
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