Era noite quando ele subiu as escadas, os passos pesados sobre o mármore escuro, e antes mesmo de alcançar o quarto, ouviu os gritos abafados de Citlali, a menina reclamava do banho e da babá, e parou diante da porta semiaberta, o maxilar já travado.
Empurrou a madeira devagar.
Lá dentro, a babá tentava, em vão, lavar o cabelo da menina dentro do boxe. A água escorria, morna, enquanto Citlali protestava, o rosto molhado de raiva, os olhos apertados.
— Deixe que eu mesmo faço, — disse Barden, entrando com a calma de quem já sabia o desfecho.
A babá, nervosa, ensaboava as pontas do cabelo com mãos trêmulas:
— É que o cabelo dela está muito ressecado, senhor… o senhor só passa xampu, está precisando de uma hidratação e cuidados femininos.
— Mas está limpo — disse o chefe do cartel firme — não está?
— Está, sim, senhor — balbuciou a babá, recuando, pegando a toalha com pressa.
— Eu termino aqui. Pode ir embora — disse Barden — se eu precisar, eu ligo.
A mulher assentiu e saiu rápido, quase tropeçando nos próprios pés.
Era a sexta babá em dois meses. Citlali não era rebelde com elas, só fingia que elas não existiam. Não olhava, não respondia, não obedecia, nem mesmo falava. Era como se as mulheres contratadas para cuidar dela fossem feitas de vidro — passavam pelos olhos da menina como vultos invisíveis.
Mas com Barden, não. Com ele, ela obedecia.
No banheiro, ele pegou o frasco de xampu, jogou um pouco na palma da mão, ajoelhou-se ao lado da banheira, e começou a lavar o cabelo da filha com movimentos lentos, os dedos abrindo os fios com cuidado.
— Se disser que o papai não sabe, eu te deixo com a cabeça suja — disse ele, quase como uma piada.
— Não vou, gosto do banho do papai… — respondeu ela, rindo..
Ele ligo o chuveiro enxaguou... passou uma esponja macia o corpo da menina..
__ O resto é com você pequena...
Foi buscar a toalha enquanto, a menina terminava o banho.. Citlali se levantou, e o pai a secou com uma toalha grossa, depois usou o secador e secou o cabeli, virou uma bagunça, porque o cabelo não estava penteado, a criança foi vestida, meias de cores diferentes, uma calça azul com bolinhas, uma blusa verde com listras brancas — mas estava limpa, os cabelos secos, o rosto sem sujeira, o estômago cheio desde o jantar, e, para Barden, aquilo bastava.
Não era sobre estética. Era sobre cuidado.
Ficou com ela até que adormecesse, os olhos fechando devagar, o corpo se acomodando nas cobertas, os cabelos perfumando o travesseiro. Só então ele se levantou, apagou a luz do quarto, e saiu em silêncio, deixando a porta entreaberta, como ela gostava.
Citlali era sua filha. Isso ele sabia, o resto ainda era um enigma inteiro. E sua filha não tinha nojo das costas marcadas pelas cicatrizes que o médico insistia em ver como “recuperação”, pelo contrário, a menina fazia carinho no que ela chamava de dodoi;;, e ele estava quase adormecido, quando o som de um choro o fez despertar.
A princípio pensou que fosse Citlali — ela costumava ter pesadelos, e por isso, mesmo quando dormia no próprio quarto, ele nunca se permitia despir completamente, precisava estar pronto para correr até ela a qualquer momento.
Levantou rápido, mas logo percebeu que o choro não vinha do quarto da filha, era um som diferente, abafado, desesperado, como se estivesse vindo do ar, ou de dentro de um sonho — soluços misturados com súplicas vazias, parecia alguém pedindo socorro sem voz, alguém que precisava dele.
Levou a mão à cabeça, balançou devagar, tentou afastar aquele pensamento — era só um sonho, um daqueles delírios sem sentido que às vezes vinham sem explicação Voltou à cama, deitou-se, tentou fechar os olhos… mas então, ouviu a voz dela.
— Papai…
A voz de Citlali, agora era a filha
Se levantou de novo, sem hesitar. Abriu a porta do quarto dela com calma, e lá estava a menina, sentada na cama, os olhos arregalados, o rosto molhado de choro, a respiração descompassada.
— Estou aqui… estou aqui, o papai sempre está.
Ela o olhou, o corpo tremendo, os lábios trêmulos.
— E amanhã… o papai vai sair?
Ele se ajoelhou ao lado da cama, passou a mão pelos cabelos dela com firmeza e gentileza ao mesmo tempo, e respondeu:
— Vou, pequena. Mesmo que eu saia, jogo você no meu ombro e levo comigo. Mas não pode fazer pergunta difícil nem falar demais.
— Tá bom, papai.
Ele costumava resolver os problemas com a filha sempre por perto. Só a deixava com outra pessoa quando o assunto envolvia m.atar alguém — nesses casos, era necessário foco, precisão, e ele não podia deixa-la ver esse tipo de ação. Mas nas tarefas que exigiam apenas uma conversa difícil, reuniões, decisões estratégicas ou até mesmo operações de treinamento com seus homens, Citlali estava lá, ao lado dele ou em cima do seu pescoço pequena, atenta, silenciosa, como se pertencesse àquele mundo desde sempre, os homens dele já haviam se acostumado.. Já tinham ido até ao deserto juntos.
Mas bastava tentar deixá-la com outra pessoa… e tudo desabava.
Citlali chorava com desespero verdadeiro, o corpo tremia, a voz falhava, os olhos se enchiam de lágrimas como se ela estivesse sendo abandonada de novo — e nem mesmo a tia, a única parente que Barden havia tentado aproximar, foi aceita.
Era só ele e ninguém mais.
Ela aceitava seus comandos, confiava no seu toque, dormia no seu peito como quem ainda lembrava do contêiner escuro onde o mundo parecia terminar, onde tudo doía e ele foi a única proteç.ão.
Com ele, ela era forte. Longe dele, era medo puro.