Capítulo 5

1526 Words
Cecília Stein Lise: AAAAH! - ela solta um berro quando abre o olho e me vê sentada na cama dela, plena, com a panela de brigadeiro no colo. - QUE SUSTO SUA DEMÔNIA! Ceci: Que palavra feia, garota. - respondo com a colher enfiada na boca, dando um sorriso debochado - Pede desculpa pra mim e pra Deus. Lise: Me deixa em paz, Cecília! - se esconde com o travesseiro no rosto e eu, delicada como um trator, puxo o travesseiro dela e jogo longe no chão. Ceci: Acorda. Preciso de um favor teu. - já jogo o olhar 43, bem pidona mesmo. Lise: Que favor, criatura? - ela se vira com aquela voz arrastada, caçando o celular no meio da cama. Quando vê a hora, me lança um olhar de puro ódio e passa a mão no rosto todo amassado. - Tu tá me acordando às sete da manhã num sábado?! Tá doida. Ceci: É vida ou morte. - faço carinha de cachorro abandonado. Funciona? Nunca. Mas eu tento. Ela me mostra o dedo do meio, fecha os olhos e se enterra no colchão de novo. Lise: Seja o que for, já adianto: não. Empurro a panela pro lado, levanto da cama com a maior dignidade que um pijama de bichinho permite e fico encarando ela. Ceci: Se eu disser que passo a semana inteira fazendo massagem no teu pé? Lise: Ainda não. Ceci: Prancho teu cabelo por um mês, topa? Lise: Também não. - a peste responde rindo, que ódio! Ceci: Te empresto minha bolsa da Miu Miu. - solto na cartada final. Ela abre os olhos na hora, sorrindo como se tivesse ganhado na Mega da Virada. Lise: Por um mês. Ceci: Um mês não, Anelise! - já começo a reclamar e ela senta na cama rindo da minha cara. - Tu estraga tuas coisas tudo, vai estragar as minhas também. Lise: É isso ou nada. Ceci: Tu é muito filha do Marco Aurélio mesmo. Os dois com desvio de carácter. Ela solta uma risada me jogando uma película. Lise: Fala logo o que você quer. Ceci: Teu carro. - falo de vez, e aí ela explode de rir. Sério. Se joga pra trás, gargalhando, sem ar. E eu? Fico com a maior cara de cu. Segunda vez que riem da minha cara na minha cara. Pego o chinelo e jogo nela, que desvia gritando. Lise: Tá maluca?! Ceci: Tô vestida de palhaça? Por acaso? - cruzo os braços, bufando. - Vai se danar Anelise! Lise: O que te faz pensar que eu vou deixar meu carro na tua mão, Cecília? Dos teus três últimos... um deu PT, o outro fundiu o motor e o último... nem tu sabe onde tá. Ceci: Eu não tive culpa em nenhuma das três vezes! - falo tentando manter a seriedade, mas acabo rindo também. Lise: Te emprestar, eu não empresto. Mas posso te levar se quiser. Fico pensativa, mordendo os lábios. Lise: Que cara é essa? É tão r**m assim o lugar que você vai? Ceci: No Cruzeiro Alto. Ela me olha tossindo e eu rio. Lise: Tu tá querendo ir atrás de bandido agora? Pra quê? Eles não vão te devolver p***a nenhuma não. Vão é te deixar sem brinco, sem cordão e talvez até sem CPF. Ceci: Então eu vou sozinha. - me viro e vou saindo do quarto só pra ver se ela morde a isca. E claro que ela morde. Lise: Se arruma logo que eu tenho a prova do buffet depois. - grita alto. Corro de volta, me jogando em cima dela beijando seu rosto toda animada e ela me empurra. Lise: Vai antes que eu desista. Quando chego na porta, viro e olho pra ela com cara de quem vai soltar uma bomba. Ceci: Tu vai mesmo casar com esse bosta? Lise: Para de chamar ele assim. Ceci: Deus me livre casar com um homem desses. Ela ri fraco e desvia o olhar. Lise: Não sei porque você implica tanto com o Lucas. Ceci: Não sabe mesmo? Um cara preconceituoso, misógino e homofóbico. Sério mesmo que não sabe? Lise: Eu sou contra tudo isso e já falei pra ele. E pro papai. Ceci: Eu queria tanto que você acordasse e parasse de ser controlada pelo meu pai. Ela fica quieta, abaixa a cabeça. Ceci: Eu só sei que no teu casamento, eu não vou. Não quero ver você acabar com a tua vida com um cara merda desse. Lise: Vai lá se arrumar! Tá falando demais já. Ceci: Se eu pudesse te dar um conselho... - falo olhando direto pra ela, sem desviar nem um segundo - Seria pra você ir viver sua vida e parar de seguir essa cartilha do Dr. Marcos. Porque ele só pensa nele mesmo. Viro de costas sem esperar resposta e saio do quarto deixando ela lá, plantada, digerindo tudo o que eu disse. Se vai refletir? Não sei. Se vai fazer diferença? Também não sei. Só sei que eu precisava falar. Quem sabe ela me ouve. (..) Lise: Entregue! - diz me olhando por cima do óculos escuro. Ceci: Vamos. - solto o cinto, já esperando a bonita que nem se move. Lise: Eu? Aí dentro? - aponta lá pra cima - Nunquinha. Fecho os olhos, puxo o ar fundo e solto devagar, tentando encontrar paciência sabe lá Deus onde. Ceci: Tá com medo deles fazerem o que com você? O máximo que pode acontecer é a gente voltar a pé pra casa. - falo olhando pra ela, que já n**a com a cabeça. Lise: Que já é muito, né? - continuo negando, bufando enquanto olho pela janela o povo subindo e descendo. Ceci: Vamos, Lise! Vai ficar aí sozinha me esperando? Lise: Vou... Só que ela nem chega a terminar de falar e pá! batem na janela do carro. Dois caras. Um do meu lado e outro do dela. Ela me olha estreitando os olhos e sussurra: Lise: Eu vou te matar! - e eu, claro, sorrio. Sei que não devo, mas a vontade é maior. Ela abaixa o vidro e nem dá tempo de pensar, os caras já metem o bico do fuzil na nossa cara. - Tão fazendo o que aqui? - o cara pergunta desconfiado, metendo a cara no carro, todo no veneno. A Lise até tenta ensaiar alguma desculpa, mas eu já corto logo. Ceci: Quero falar com quem manda aqui. - digo tranquila. Lise me encara revoltada, com os olhos arregalados, e eu só dou de ombros. - E quem tu é pra falar com o patrão? - o outro já pergunta na ignorância. Não são os mesmos de ontem, ainda bem. Mas estupidez parece ser padrão por aqui. Ceci: Sou a dona do carro que veio parar aqui. Roubaram meu carro e trouxeram pra cá. E eu não vou embora até devolverem meu carro. Lise: Cecília! - ela grita no susto, apertando tanto minha coxa que minha pele até fica vermelha. Lise: Tá maluca?! - diz virando o olhar pro cara do lado dela com um sorriso nervoso - Liga não, ela tá doida tadinha. Sempre toma o remedinho de manhã, hoje esqueceu. A gente já tá indo embora, podem ficar com o carro dela todinho pra você. - fala toda fofinha. Fala e bota a mão no volante pra dar partida enquanto sorri de canto, desesperada. Só que eu não vim aqui pra desistir. Ceci: Não tem nada disso não. - boto a mão na maçaneta e já vou descendo do carro. O cara do meu lado se afasta e eu desço tranquila, encarando a Lise. Ceci: Pode ir embora, Lise. Eu vou ficar aqui e só saio com meu carro. - falo decidida, vendo ela me negar com a cabeça, toda desesperada. - Desce tu também! Ninguém vai embora aqui não. - o cara fala mais grosso ainda - Tu deve ser a mina que os cria comentou que veio aqui ontem. Bora lá, vou te levar no patrão. Ele fala se afastando e eu solto um sorrisinho de vitória. Tô gelada? Tô. Mas por fora? Nem tremo. Eles assobiam chamando alguém, vão um pouco mais pra frente e ficamos eu e a Lise encostadas na lateral do carro. Lise: Sabe que se não morrer aqui, tu vai morrer quando chegar em casa né? Ceci: Justamente por isso eu tô aqui. Prefiro morrer aqui do que nas mãos do meu pai... Lise: Tô falando de mim. Eu que vou te matar, Cecília. - ela cochicha tão sério e me olhando tão feio que eu tenho que morder o lábio pra não rir. O homem volta e faz sinal com a cabeça pra gente subir na garupa das motos, e é o que a gente faz. Eu vou em uma moto, a Anelise em outra. E o engraçado? Eles nem de capacete tão. E ainda voam! Na primeira arrancada, travo na cintura do cara com tanta força que meus dedos até formigam. A gente vai cortando tudo quanto é beco, rua apertada, lugar que só Jesus sabe como a moto passa. Se eu sair viva daqui, nunca mais reclamo de trânsito engarrafado no Rio de Janeiro.
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