Cecília Stein
Lise: Sério, não consigo nem olhar pra tua cara sem querer te estrangular. — fala bufando, sem tirar a mão do volante.
Ceci: Ah para, pô... pelo menos foi emocionante. — falo descolando a testa do vidro e virando o rosto pra ela, soltando um sorrisinho.
Lise: Emocionante vai ser o c****e que tu vai levar. — responde metendo um soco seco na minha costela enquanto dirige.
Ceci: Ai! Aproveita agora e já passa no hospital, filha da mãe. Vou precisar de um RX — reclamo apertando a costela esquerda, mas rindo.
Lise: Sério mesmo, onde eu tava com a cabeça quando aceitei te acompanhar nessas tuas loucuras, Cecilia... — resmunga, dando seta enquanto olha pelo retrovisor — Eu jurei que a gente ia morrer hoje.
Solto o ar rindo e encosto a cabeça de novo sem responder.
Lise: Tu ouviu o que o cara falou lá, né?
Não inventa de subir naquele lugar de novo. Ouviu? - diz me olhando de canto.
Só assinto com a cabeça e vamos o resto do caminho em silêncio.
(..)
O elevador para e eu saio primeiro, com a chave já na mão. Abro a porta e dou de cara com meu pai e o Lucas sentados no sofá da sala, conversando.
Só de ver a cara deles já me dá vontade de voltar.
Lise entra logo atrás de mim e, juro, ela olhou pro Lucas de um jeito estranho. Diferente.
Posso tá viajando? Posso. Mas...
Tem coisa rolando entre eles.
Marcos: Posso saber onde as duas estavam? — ele fala num tom frio, com os braços e as pernas cruzadas.
Nem me dou ao trabalho de responder. E já vou indo pro meu quarto, mas...
Marcos: TÔ ESPERANDO AS DUAS RESPONDEREM! — ele levanta a voz, fazendo minha espinha gelar na hora.
Paro no meio da sala olhando pra ele que mede a gente de cima a baixo com o olhar. Tentando encontrar algum vestígio de mentira.
Será que ele descobriu sobre o carro?
Meu coração dá aquela acelerada.
Mas aí ele olha direto pra Lise e solta:
Marcos: Onde estava que perdeu o horário de fazer a prova do buffet, Anelise? — fala se levantando do sofá. Todo sério e com o queixo erguido, do jeito arrogante de sempre.
Eu quase desabo de alívio.
Graças a Deus é isso!!
Lise: A gente tava... — ela começa a falar, e como eu já conheço a peça que é minha irmã, corto logo.
Ela vai se enrolar e ele vai pegar no ar.
Ceci: Fomos fazer sombrancelha, unha... coisa de mulher. Porque agora nem isso pode? — falo, atravessada.
Lucas: Tu foi fazer tudo isso e esqueceu da coisa mais especial pra gente... Nosso casamento? — fala todo ofendidinho, olhos marejando igual bebezão, encarando a Lise que tá em pé de braços cruzados.
Que péssimo ator esse garoto.
Lise: Você também esqueceu do nosso combinado ontem, lembra? — ela rebate, um tom acima, que chega a me dá vontade de aplaudir.
Porque pra Anelise elevar a voz mesmo que seja pouquinho. Meu irmão... é sinal de vitória.
Lucas: Eu estava resolvendo problema do meu pai. Ele tinha uma audiência lá hoje cedo, e eu fui representar ele a empresa. — diz, se ajeitando na ponta do sofá se enrolando todo.
Lise: Engraçado, não era problema na obra? Agora virou audiência? — rebate de novo, e eu quase sorrio.
Minha irmã tá acordando.
Marcos: Mas foi isso que ele disse. Anelise — claro, né? Que ele iria defender o filho do cara que mais coloca dinheiro na campanha política dele.
Lucas: É meu amor... — força aquele tom nojento. — É que você desse jeito tá me deixando nervoso eu nunca vi você assim. To tão nervoso que tô me enrolando todo pra falar... deixa eu explicar... — balbucia mais perdido que ponta de durex.
Eu só n**o com a cabeça e jogo o cabelo pra trás, sentindo o olhar pesado do meu pai na minha cara.
Lise: Tá Lucas... tá bom! Depois a gente conversa. — ela corta, visivelmente cansada dessa palhaçada.
Marcos: Cuidado pra você não ir na onda dessa daí e terminar do mesmo jeito que isso aí — diz pra Lise, mais olhando pra mim.
Ceci: Isso ai? — levanto o queixo e a voz tremendo de raiva. — Fala o que eu faço de errado? — falo revoltada, segurando o choro que tá entalado na garganta.
Marcos: FAZ NADA! ATOA, SEM FUTURO.
Lise: Não fala assim dela! — grita, me defendendo. — A gente não tava fazendo nada demais! O senhor não pode falar assim com a Cecília não. Que tipo de pai você é? - ela fala querendo se aproximar do meu pai mais o bostinha a segura.
Lucas: Não se mete, Anelise! — segura o braço dela com força. — Faz bem ouvir umas verdades e tua irmã tá precisando a muito tempo. Ele tá certo!
Ceci: Quer falar de verdade? Vamos falar então. — dou uma risada irônica olhando pro Lucas.
E por um momento eu até esqueço do meu pai.
Ceci: Tenho umas verdades aqui pra falar na tua cara.
Marcos: CHEGA! — ele urra, mas eu já tô vomitando tudo que ficou anos entalado.
Ceci: De que você é um filhinho de papai mimado, insuportável, homofóbico, racista e um preconceituoso de merda! — cada palavra saí como uma facada bem dada.
Lucas: E você é louca! Descontrolada.
Ceci: Sou louca mesmo! Louca de ter aturado você todo esse tempo calada! — berro, sentindo a garganta arder. Mas tomara a Deus que a minha irmã te largue plantado naquela merda de altar. Porque é isso que você merece! Seu nojento!!
Ele avança pra cima de mim igual um touro raivoso.
Lise: PARA! — grita entrando na frente e empurrando ele com as duas mãos.
Eu nem me mexo.
Ceci: Vai me bater, seu agressor de mulher? — caçoo. — Merdinha! Isso que tu é! — cuspo na cara dele tudo que eu queria falar, com o riso de deboche mais nojento que eu consigo.
To me tremendo da cabeça aos pés, mas não vou abaixar a cabeça pra nenhum dos dois.
Marcos: CALA A BOCA! — ele berra tão alto que meu corpo treme e, antes que eu consiga reagir, sinto sua mão agarrando meu cabelo com tanta força que minha cabeça pende pra trás, fazendo doer meu couro cabeludo. — EU VOU FAZER O QUE EU JÁ DEVIA TER FEITO HÁ MUITO TEMPO!
Ceci: Me soltaaa!! — grito, me debatendo, desesperada.