Capítulo 1

957 Words
Viviane Narrando Me chamo Viviane, sou cria da Rocinha, tenho vinte e três anos e já carregava nos ombros mais peso do que muitas mulheres que conhecia. Filha do seu Antônio e da dona Sandra, donos da padaria mais movimentada do morro, cresci atrás do balcão ouvindo o barulho das moedas caindo na gaveta e sentindo o cheiro do pão quentinho invadir a rua. Mas eu nunca quis ficar ali atrás do balcão pra sempre. Não me julguem, tenho muito orgulho de onde vi, mas eu queria poder sair todo dia, ir pro trabalho, depois cursinho e depois voltar pra casa, pro meu cantinho, o morro. Eu sonhava com uma carreira, com uma vida simples, mas estável. Cheguei a conquistar. Arrumei um emprego num escritório de contabilidade, no centro. Sentia orgulho cada vez que me via no reflexo das vitrines da cidade. Eu me via crescendo, construindo algo meu. Mas então o Gavião apareceu. Ele tinha aquele jeito de homem que tudo e todos obedeciam. A voz firme, as palavras doces na medida certa, o tipo de presença que hipnotiza. E eu, ingênua, acreditei. Achei que tinha encontrado alguém que me protegeria, que me daria segurança. Minha mãe avisou. Ela me olhou nos olhos, firme como sempre, e disse: “Viviane, esse homem não é pra você.” Mas eu não queria ouvir. Eu queria acreditar que sabia escolher meu próprio caminho. No começo, parecia um conto de fadas torto. Flores, presentes, promessas. O Gavião me fazia sentir importante, desejada. Mas logo vieram os espinhos. Ciúmes sem sentido, controle sufocante, gritos que se transformavam em agressões silenciosas. E depois vieram as agressões que deixavam marcas que eu escondia com maquiagem e desculpas. No morro, éramos um casal exemplar. A imagem perfeita que todos invejavam: eu, a filha dos donos da padaria; ele, um dos homens mais respeitados dali. Mas só eu sabia o inferno que vivia entre quatro paredes. Já tinha tentado terminar várias vezes. Sempre a mesma promessa dele: "Eu vou mudar, Vivi. É você quem eu amo. Só você." E eu, como tantas mulheres, acreditei mais vezes do que deveria. Mas cada vez que ele dizia isso, era como um ciclo logo depois vinha a explosão, o ciúme, a traição, a violência. Hoje, foi a última vez. Peguei o celular dele escondido. Não queria, mas algo dentro de mim já sabia. E lá estavam as mensagens, as fotos, as conversas com outras mulheres. A certeza que ele nunca seria fiel, nunca seria diferente. A raiva queimou no meu peito, misturada com a vergonha por ter ignorado tanto tempo o óbvio. Esperei ele chegar. O coração batendo forte, a respiração presa na garganta. Quando a porta da sala se abriu e ele entrou, joguei o celular nos peito dele e disse: — Essa foi a última vez que você me fez de trouxa. Acabou, Gavião. — Minha voz saiu firme, mesmo que minhas mãos temessem. Ele riu. Aquele riso frio, debochado, que sempre me gelava por dentro. — Você acha que pode terminar comigo? — ele disse, se aproximando, os olhos faiscando. — Você é minha, Viviane. Minha. Não tem essa de acabar. Eu tentei recuar, mas logo ele avançou. As mãos pesadas seguraram meus braços, e os gritos começaram. Ele me empurrou contra o sofá, o rosto colado no meu, cuspindo ameaças. — Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém. Senti o medo gelar minha espinha, mas dessa vez, mesmo no meio do pânico, tinha uma chama acesa dentro de mim. Eu não queria mais viver aquilo. Eu não ia mais aceitar. Quando ele ergueu a mão para me bater, a porta se abriu. Leopardo entrou. Alto, imponente, com aquele olhar frio que sempre assustava a todos. O dono do morro. O filho de Gavião. Em um segundo, ele agarrou o braço do pai e o arrancou de cima de mim. O barulho do impacto do corpo batendo no chão ecoou pela a sala. — Solta ela, agora. — a voz de Leopardo cortou o ar, firme, quase um rugido. Gavião se levantou furioso, o rosto vermelho de ódio. — Não se mete nisso, moleque. — ele gritou, tentando avançar de novo. Mas Leopardo se colocou entre nós, os olhos fixos nele, o corpo pronto pra briga se fosse necessário. — O que tá acontecendo aqui, Viviane? — ele perguntou sem desviar o olhar do pai. A voz dele me deu coragem. Respirei fundo, as lágrimas escorrendo, mas não deixei tremer a minha resposta: — Eu terminei com ele. — falei alto, claro. — Eu não quero mais. Ele não aceitou. Eu quero pôr um fim nisso, Leopardo. Mas ele não aceita, fica me ameaçando, eu quero sair dessa relação. E eu… eu quero pedir proteção. Por um instante, o silêncio foi pesado. O peito de Gavião subia e descia rápido, como um animal prestes a atacar. Então ele explodiu: — Você não pode se meter nisso. Ela é minha mulher, minha. Foi nesse momento que Leopardo deu um passo à frente. O olhar dele mudou. Não era mais apenas defesa, era ameaça pura. A voz dele ecoou pela a sala, tão alta e firme que parecia fazer as paredes tremerem: — Eu sou o dono desse morro. — ele gritou. — Se ela tá dizendo que não quer mais e quer proteção ela vai ter, a partir de hoje, Viviane está sob a minha proteção. E você vai ficar longe dela, ouviu? Longe! O silêncio que se seguiu foi como pólvora prestes a explodir. Gavião olhou para o filho, o rosto distorcido de raiva, mas havia algo nos olhos dele que eu nunca tinha visto antes: ódio. E ali, entre os dois, eu só queria poder escolher meu próprio destino.
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