Prólogo Liana
Desde que minha mãe ficou muito doente, ela já não consegue mais colocar comida no prato, e cabe a mim essa responsabilidade. Mas é complicado quando se tem um irmão drogado que não pensa em nada, nas consequências das próprias ações, e joga todo o peso nas minhas costas.
Eu não quero me sentir culpada pela morte dela, não quero que as pessoas pensem que sou uma ingrata que cospe no prato em que comeu. Ele já me ajudou muito nesta vida e, agora que se entregou a esse mundo terrível, só me resta tentar ajudá-lo a não morrer nessa guerra do tráfico.
Desde muito nova, sou moradora do morro do Alemão, sempre passo despercebida aqui, as pessoas não me notam, tento ser invisível, tenho medo do sistema que opera nesse morro, da força chamada Terror, ele é o dono, completamente frio, calculista e assassino.
Me esforço para manter o aluguel e as contas em dia, para não ter o desprazer de tê-lo perto, cobrando, torturando ou até ameaçando em nos matar.
O problema maior é que Leonardo deve muito, e atualmente preciso arrecadar três mil reais para pagar a um miliciano que afirmou que vai cobrar da minha mãe. Em desespero, decidi tentar uma solução.
As faxinas que faço não são suficientes. Tentei um empréstimo no banco, mas eles negaram, pois não tenho carteira assinada e mesmo doente, minha mãe voltou para faxina, mas eu não a perderia, não perderia ninguém para esse vício horrível do Leo.
Geovana, uma grande amiga me fez uma proposta, ela não mora no morro, na verdade, sua vida é bom, tem um apartamento em Ipanema e isso a destaca. Ela me contou que consegue muito dinheiro com a prostituição e a dança, que se eu quiser ela me colocar, mas me recuso a ser prostituta, não vou conseguir me deitar com um homem sem amor, isso é impossível, na verdade, nem experiencia eu tenho, pois nunca namorei na vida e portanto, eu preciso me manter assim até encontrar o amor.
Mas não dar para negar a necessidade de dinheiro, portanto, eu aceitei, só preciso dançar, ninguém vai saber que sou eu, vou me esconder atrás de uma mascaras, uma peruca e isso é o suficiente para me proteger dos olhares, para manter a minha reputação de boa menina.
Não tinha mais volta, meia calça arrastão, calcinha fio dental preta. Corpete de couro preto, peruca loira, saltos pretos, uma mascara de renda cobrindo os olhos, a orelha na passadeira, o pompom na b***a representando o r**o do coelho.
Estava pronta para o show, mas minhas pernas tremiam, não estava preparada para isso. Geovana percebeu, se aproximou.
— A coelhinha mais bonita da boate, eles vão ficar malucos, você vai ganhar muito dinheiro, por favor, não se sabote, dance para conseguir pagar as dividas — ela tocou meu rosto.
— Tem razão, eu preciso do dinheiro, eu preciso pagar essa divida, o Esquerdinha é muito perigoso, ele ta ameaçando minha mãe — afirmei sem jeito.
Essa era a minha motivação para seguir, tinha que pensar na minha mãe, em proteger ela de toda essa guerra e foi o que eu fiz. Seguir mesmo com o coração na mão.
Ao som de Crazy in Love eu entrei no palco, me tremendo, medo, olhos famintos esperando a apresentação, não tinha para onde correr, eu precisava dançar, passei a mão sobre o corpo de forma sensual, em seguida mordi a ponta do dedo indicador em seguida desci ficando empinada, de quatro rebolei, em seguida fui até o polidance girando rebolando de forma sensual. Os homens começaram a jogar dinheiro no palco, fui me aproximando, subi em uma mesa próximo coloquei a perna no peito de um deles que beijou meu pé, segurei para não vomitar, ele colocou dinheiro preço na meia, eu o empurrei e me afastei seguindo para o próximo, me agachei devagar, passando a mão pelo corpo dele que colocou dinheiro no meu peito. Sorri piscando e logo em seguida fui para o próximo…
Poderia parecer loucura, mas era o jeito mais fácil de ganhar dinheiro, sem precisar roubar, matar ou me prostituir. Eles estavam ali, querendo pagar apenas para ver uma mulher dançando. Era complicado, mas eu continue fazendo o meu papel e quando acabou eu precisei correr para o banheiro onde coloquei para fora tudo o que havia comido, estava sentindo nojo de mim mesma pelo que fiz, vergonha.
— Amiga, você ta bem? — ela questionou segurando meus cabelos.
— Não! Eu não consigo, não vou fazer isso nunca mais — sussurrei sorrindo.
— Sei que foi duro! Mas olha aqui o quanto você conseguiu — ela me mostrou o bolo de nota de 100.
— Nossa, tudo isso? — falei forçando um sorriso.
— Parece que a coelhinha é inesquecível. Já querem saber quando será o seu próximo show — ela afirmou.
— Não sei amiga! Eu… eu não sei se consigo — sussurrei me tremendo, com lagrimas nos olhos.
— Amiga, você que sabe. Esta dispensada agora, mas se quiser, pode me ligar — ela declarou me dando um abraço.
Geovana saiu me deixando sozinha. Estava aliviada por ter conseguido o dinheiro, eu finalmente iria conseguir pagar o desgraçado que alegou que destruiria minha mãe.
[…]
Cheguei em casa exausta, assim que entrei, me surpreendi com a minha mãe, ela estava com um hematoma roxo no braço, isso me deixou nervosa.
— Dona Lúcia, o que foi isso? — perguntei me tremendo.
— Esquerdo não espera mais, ele vai em matar se eu não conseguir o dinheiro. Eu nem sei o que fazer e…
— Calma, eu conseguir, estou com o dinheiro aqui. Meu desejo mesmo seria contar para o Terror, mas quem sou eu? Ele nem me conhece e o Esquerdo é o chefe dos vapores, ele rouba as drogas do Terror, ele faz agiotagem sem que ele saiba — sussurrei.
— Não se mete nisso, apenas vamos pagar a divida e ficar bem — ela tocou meu rosto.
— A senhora tem razão. Fica aqui, eu vou levar o dinheiro, uma amiga me emprestou e dividiu para pagar aos poucos — menti, com medo de dar um desgosto a ela.
— Filha, o que seria da minha vida sem você do meu lado? — indaguei sorrindo.
— Mãe fica aqui, vou atrás do Esquerdo, vou dar o dinheiro e assim vamos nos livrar das dívidas — disse abraçando-a.
Mesmo com medo, eu precisava ser forte, saí de casa apressada, com o envelope de dinheiro na mão. A rua, à noite, era deserta, mas ninguém mexia com morador, pois ali havia lei: tinha um dono e um subchefe. Esquerda era o chefe dos vapores, ele ficava a baixo do gerente. Era um homem muito ambicioso.
Seguir caminhando sobre os olhares dos homens, quando me aproximei da casa dos vapores me deram passagem, Esquerdo ao me ver cresceu o olho.
— Liana, a garota intocável — disse, sorrindo.
— Eu… eu vim pagar a divida do meu irmão — falei me tremendo.
— Veio? Vai fazer como? Me dando a sua b****a? — ele tocou meu rosto e todos gargalharam.
— Nunca! Para eu me entregar a alguém como você, teria que ta louca — grunhir.
Ele me olhou com raiva. Deu um tapa na minha cara.
— Ta achando que ta falando com quem? Me respeite, Liana! Se eu quiser, te coloco no meu nome agora e ninguém vai te libertar. Quer isso? — ele tocou minhas pernas. Uma lágrima molhou meu rosto.
Sabia que estava vulnerável ali.
— Vamos fazer um trato? Me dar essa sua b****a que eu libero a divida do seu irmão, eu quero você, Liana — ele disse possessivo.
— O dinheiro, eu conseguir — coloquei o envelope sobre o peito dele.
Ele se afastou, pegou e jogou para um vapor.
— Conta essa p***a! — disse, frio.
O homem obedeceu de imediato, eu continuei quieta, encolhida no canto, esperando para ser liberada daquele lugar o mais rápido possível.
— Chefe ta tudo certo ele afirmou.
Esquerdo se afastou, deu uma gargalhada e quando voltou me prensou na parede, segurando com força meu pescoço.
— Filha da p**a! Ta dando a b****a pra os playba do Leblon? Para eles você se abre e comigo coloca doce? Eu vou te matar, Liana. Vou meter uma bala na sua testa — ele suspendeu o revolve apontando na minha direção.
— Eu… eu…
— Não fala nada, eu vou te matar, sua filha da p**a desgraçada — gritou me sufocando.
Eu pensei que seria meu fim, não estava entendendo o que estava acontecendo ali, quando ouvir o som da porta se abrindo e VP passou feito um jato, ele era o gerente, maior que Esquerdo no trafico.
— Que p***a é essa, ameaçando moradora? Ta fodendo no bagulho? — ele falou firme.
Tirou o Esquerdo de perto de mim, tomando minha frente.
— Ela não é uma simples moradora, ela é minha garota. Fala para ele Liana — ele falou firme.
VP gargalhou, como se aquilo fosse uma piada.
— Nos seus sonhos que a Anja da rua 23 vai ser sua! Ela é menina responsa, não se mete em nada, não mexe com ninguém e você que ta tentando forçar uma barra! Erre os caminhos dela, estou ordenando! Não quero problema na favela, o Terror não perdoa esse tipo de coisa e se chegar nos ouvidos dele, você ta fodido e ainda vai colocar o meu na reta, portanto, vaza — grunhiu.
Esquerdo não teve o que falar, ele achava que era rei do morro, mas não era verdade, o dono era o Terror, um homem frio, calculista e muito bonito. Ele é desejado por onde passa e humilha todas.
— Você garota, segue seu caminho e se liga na caminhada. 01 da madrugada não é hora de mulher de respeito ficar na rua. Te livrei agora, mas não sou homem de caridade, coloca na sua cabeça — ele disse firme.
Eu não olhei para trás, sair dali agradecida por ter conseguido me livrar daquela situação e esperava em Deus que o meu irmão não continuasse tomando dinheiro com esse homem.