Perco a noção de quanto tempo fico assim, no chão, chorando.
Não vejo quando o Matheus entra. Ele me ergue do chão e me coloca na cama. Deita do meu lado e me abraça. Ficamos assim de conchinha até que minhas lágrimas secam e eu não consigo mais chorar. Isso leva muito tempo.
- Preciso de um banho - digo levantando.
- Quer conversar? - ele pergunta - O que aconteceu?
- Acabou - digo olhando pras minhas mãos que se movem sem parar - Ela foi embora e disse que não me ama mais, que ela tem outra pessoa e me pediu pra ser forte e aprender a odiá-la.
- Ah, minha amiga, você deve estar arrasada! - ele levanta e vem me abraçar.
- Eu tô sem rumo, perdida. Ela era tudo pra mim e eu não sei o que fazer sem ela.
- Seguir em frente! - ele diz afastando o corpo pra me olhar nos olhos - Continuar acreditando nos seus sonhos. Cadê aquela Sarah guerreira que eu conheci à um tempo atrás? A Sarah que passou em uma Universidade Federal, que saiu de casa e aprendeu a se sustentar sozinha, que paga as contas trabalhando com o que gosta, que escreveu a biografia da dupla que era fã, que conquistou a mulher que amava, depois acabou, mas você conquistou ela, cadê a Sarah que foi aprovada em Salamanca? Dessa menina sonhadora não pode ter sobrado apenas um amor não correspondido.
- Eu não tenho forças no momento! Só quero chorar e curtir a minha fossa.
- Para, Sarah! - ele me sacode pelos ombros - Amanhã a gente vai atrás das papeladas pra você ir pra Espanha!
- Eu não quero, Matheus!
- Antes, o empecilho era ela. Agora ela te deixou e você viu que ela não merecia o esforço que você fazia! Vai usar o que como desculpa agora?
- Não seja tão duro comigo - peço desviando os olhos.
- Desculpa! - ele diz acariciando meu rosto.
Tomo um banho demorado e me foco no trabalho de revisar a minha obra pra editora.
No dia seguinte, vou pra editora cedo e resolvo todas as pendências. Mais tarde, vou com o Matheus atrás de tudo que era preciso pra viajar.
Jantamos em um pizzaria e quando chego em casa bebo tudo que tinha álcool.
O Matheus se joga no sofá e dorme ali mesmo. Eu me sento no chão perto dele e fico recordando momentos especiais que passei com ela. Tiro o celular do bolso e vejo nossas fotos. A gente era tão feliz juntas, não sei como ela teve coragem de me deixar.
Uma raiva tão grande toma conta de mim. Quero gritar com ela! Quero que ela sofra tanto quanto eu estou sofrendo. Não me importo com a hora avançada e ligo pra ela. Chama, mas não entende. Ligo novamente.
- Oi! - ela diz com voz de sono ou de choro, não sei ao certo.
- Escuta aqui, sua filha da mãe! Você não tinha o direito de jogar tudo o que a gente viveu fora! - grito no telefone.
- Sarah, tá tarde! Você não deveria me ligar. - ela diz calma.
- Eu te ouvi dizer tudo o que você quis dizer, eu me humilhei, me arrastei nos seus pés e você me deixou. Agora eu quero que você me escute!
- Sarah, você bebeu?
- Um pouco, mas isso não muda nada! Você é uma desgraçada, você acabou com a minha vida e eu te odeio por isso! - digo chorando - Você me pediu pra te odiar, agora eu consigo perceber o m*l que você me fez e, sim, eu te odeio! Te odeio!
- Isso! Continue assim! Eu mereço todo o seu ódio! Grite, brigue, me ofenda! Você tem toda a razão!
- E o pior é que, apesar de tudo, eu continuo te amando.. eu não queria sentir nada por você, mas meu coração tá destruído e cada pedacinho dele ainda te ama.
Ela emudece do outro lado da linha.
- Tá me ouvindo? - pergunto.
- Sim! - ela diz secamente - Já disse tudo?
- Não! Eu estou indo pra Espanha na semana que vem. Vou voltar a lutar pelos meus sonhos e você nunca mais vai me ver! Eu juro que, não importa o que eu tenha que fazer pra cumprir essa promessa, eu nunca mais vou te procurar!
- Espanha - ela repete sem entusiasmo - Quer que eu mande um dos meus funcionários entregar as suas coisas aí na sua casa?
- Tudo o que for meu e estiver aí pode jogar no lixo, eu não quero nada!
- Tudo bem! Adeus, Sarah!
- Adeus, Heloisa!
Desligo e jogo o celular pra longe. Abraço meus joelhos e choro.
Adormeço no chão da sala.
No dia seguinte, acordo dolorida e de ressaca. Vou visitar a minha mãe.
Assim que minha mãe abre a porta, me lanço nos braços dela e choro.
- Me desculpa! - peço entre soluços - A senhora tinha toda a razão! Prometo que vou ouvir seus conselhos daqui em diante.
- O que foi, minha filha? - minha mãe pergunta assustada me abraçando.
- Ela me deixou. Acabou tudo. A senhora tinha razão, eu fiz dela o meu mundo e abandonei tudo. O pior é eu tive que esperar ela jogar isso na minha cara pra perceber.
- Entra, minha filha!
Minha mãe me arrasta pra dentro, nos sentamos no sofá, me deito no colo dela e ela mexe no meu cabelo enquanto lhe conto tudo. Ela chora junto comigo.
Passamos o dia juntas e à noite, ela não me deixa ir pra casa. Durmo na cama dela, como fazia na infância quando assistia filmes de terror e ficava com medo.
Acordo com uma bandeja de café da manhã na cama.
- Bom dia, minha princesa! - minha mãe diz sorridente enquanto deposita a bandeja no meu colo.
- Vou ficar m*l acostumada!
- Vou ficar muito tempo sem poder te mimar, me deixa aproveitar essa semana!
Comemos juntas.
Passo a semana com a minha mãe e com o Matheus. Na segunda-feira da semana seguinte, embarco pra Espanha.
Um misto de sensações tomam conta de mim. Ainda não estava recuperada do fim do relacionamento com a Heloisa, acho que nunca vou estar totalmente curada de todas as feridas. Sabia que não poderia ficar, mas tinha medo do que poderia encontrar pela frente. Acho que sempre tive um pouco de medo das coisas do futuro, mas eram mudanças demais para mim.
O avião pousa em terra espanhola numa terça-feira fria. Aquele seria meu novo lar pelos próximos dois anos!
Com dificuldade, encontro o lugar que eu e o Matheus alugamos pela Internet.
Conheço a Melissa, menina simpática que vai dividir apartamento comigo.
Vou direto pro quarto, desfaço as malas, começo arrumar as coisas e coloco minha foto com a Heloisa na mesinha de cabeceira. Sim, depois de tudo que passamos, eu trouxe uma foto dela comigo e a foto era o de menos, cada partícula do meu coração dilacerado ainda amava aquela mulher que desgraçou a minha vida!
Melissa entra no meu quarto e me ajuda com a bagunça.
No outro dia, vamos juntas pra faculdade.
Encontro um outro brasileiro na minha turma. Miguel, menino bonito, sorridente e simpático. O tipo de pessoa que faz qualquer coisa pras pessoas a sua volta sorrirem.
Impossível fugir daquela pessoa tão comunicativa.
No intervalo, me sento em uma mesa distante e mexo no celular. Na verdade desbloqueio e volto a bloquear a tela. Só quero evitar contato visual com as pessoas a minha volta e mexer no celular é a melhor forma.
O Miguel se senta do meu lado.
- Oi! - ele diz sorridente.
- Oi - respondo sem entusiasmo - Não deveria pedir permissão pra se sentar?
- Se eu pedisse, você daria?
- Talvez não.
- Suspeitei e foi por isso que eu não pedi!
Reviro os olhos e me levanto.
- Olha, me desculpa! - ele diz segurando meu braço.
Olho pra mão dele sobre a minha e ele entende que isso me incomoda. Ele tira a mão e volta a se desculpar.
- Como nós dois viemos do mesmo lugar, pensei que a gente pudesse sair pra tomar alguma coisa e se conhecer. Me sinto um pouco sozinho nesse país que não é o meu! - ele diz olhando pro chão.
Respiro fundo.
- Me desculpa! - digo - Eu não sou uma boa companhia no momento!
- Má companhia ainda é melhor que companhia nenhuma! - ele exclama rindo - Nos encontramos no barzinho aqui da frente às sete?
Acabo rindo também e apenas afirmo com a cabeça.
Já que terei que passar dois anos ali, melhor tentar fazer amizades!
Falando em amizades, o colo do Matheus estava me fazendo falta.
Volto pra casa com uma pilha de leituras pra fazer. Me concentro nisso a tarde toda.
A noite, visto um jeans qualquer, uma camiseta e uma sapatilha e vou pro bar. Me sinto totalmente à vontade pelo fato de não precisar impressiona-lo.
- Você está muito... bonita! - ele diz assim que me aproximo da mesa.
- Esperava sua Cinderela com sapatinhos de cristal? - pergunto rindo - Sapatilha e jeans, é o que temos pra hoje!
- Você está linda assim! - ele diz puxando a cadeira pra que eu me sente.