Como viver um dia de cada vez (parte 2)

Capítulo 6

À noite, comemos o que sobrou do almoço e vamos pra cama cedo. Estou tão cansada, mas não consigo dormir. Ela está em silêncio deitada com a cabeça em meu ombro, mas sei que ela também não está dormindo.

- Tá dormindo, Sarah? - ela pergunta sem levantar a cabeça.

- Não! - respondo movendo os dedos entre os cabelos dela - Você tá bem? Quer que eu pegue alguma coisa?

- Tô bem sim. Só tava aqui pensando. Você seria capaz de me odiar?

- Nunca! Tá louca? De onde tá tirando essas coisas?

- Não liga pras coisas que eu digo! - ela levanta a cabeça e me beija.

- Eu te amo! - digo quando ela se afasta.

Ela sorri.

- Por que você só ri quando digo que te amo? Tem alguma coisas acontecendo? - pergunto - Antes você respondia que me ama também. Tô com saudade de te ouvir dizer que me ama.

- Você sabe que eu amo! - ela diz.

- Eu sei, mas eu quero que você diga!

- Eu amo você! - ela diz sem vontade.

Me viro pro outro lado.

- O que foi? - ela pergunta me abraçando por trás.

- Não precisava dizer se era pra ser assim! Se eu te fiz alguma coisa, me fala, porque eu não sei o porquê tá agindo assim comigo.

- Você não fez nada! - ela diz beijando meu rosto enquanto permaneço de costas pra ela - Eu sou uma i****a! Eu não mereço você!

- Não começa! - digo me esquivando dela - Tô cansada, me deixa dormir! Me chame se precisar de alguma coisa.

Fico de olhos fechados. Ela deita do meu lado e passa muito tempo sem se mover.

Passadas algumas horas, sinto as mãos delas se movendo em meu cabelo. Acho que ela pensa que eu dormi. Permaneço com os olhos fechados.

- Eu te amo, é claro que eu te amo! - ela diz fazendo carinho em mim - Você não tem ideia do quanto eu te amo! Mas eu preciso fazer isso. Um dia você vai entender - ela me abraça apertado e tenho a impressão de que ela está chorando.

Suspiro e me viro pro lado dela ainda sem abrir os olhos. Ela me puxa e ajeita minha cabeça em seu ombro. Ela beija minha cabeça e me aperta nos braços.

Ela mexe no meu cabelo até que adormeço de verdade.

Acordo de manhã e ela não está na cama. Ouço o chuveiro ligado e ela chamando por mim.

Levanto correndo e vejo ela no banheiro caída.

- O que aconteceu? - pergunto ajudando ela a se levantar.

- Eu estava tentando tomar um banho sozinha, mas acabei caindo! - ela diz enquanto enrolo ela na toalha.

- Se machucou? - pergunto enquanto ela senta no vaso.

- Eu estou bem! - ela diz um pouco alterada.

- Por que não me acordou pra te ajudar? - pergunto me abaixando ao lado dela.

Ela não diz nada, apenas balança a cabeça e começa a chorar.

Levo ela pro quarto e ajudo ela a se vestir. Ela está tão séria e estranha. Sentamos na cama.

- Tá tudo bem? - pergunto olhando pra ela.

- Eu tenho que te falar uma coisa muito séria! - ela diz me olhando.

- O que foi? Aconteceu alguma coisa?

- A Helena está chegando pra me ajudar a levar as minhas coisas pra casa.

- Mas você disse... - ela interrompe.

- Eu sei o que eu disse, Sarah, mas eu mudei de ideia. Eu preciso falar e eu quero que você escute.

- O que tá acontecendo? - pergunto assustada pegando a mão dela.

Ela tira a mão do meio das minhas e me olha séria.

- Ontem, depois que sua mãe foi embora, parei pra pensar nos motivos dela pra não gostar de mim e percebi que ela tem toda a razão.. - interrompo a frase dela.

- Não, ela não tem! Minha mãe não sabe nada sobre o que sentimos!

- Por favor, me deixa falar! - ela pede - Sim, sua mãe tem razão! Você nunca se perguntou o porquê das pessoas que amam você não gostarem de mim? Sua mãe me odeia! O Matheus me trata bem, mas eu sei que ele não gosta de mim! Eu te faço m*l, Sarah! Eu baguncei a sua vida, matei todos os seus sonhos e me tornei tudo pra você, você não deseja nada além de passar a vida comigo e isso não está certo!

- Não fala assim, não tem nada de errado nisso! - digo já chorando.

- É claro que tem! Você joga tudo pro alto e corre atrás de mim pra onde quer que eu vá! Eu não mereço que faça tudo isso por mim!

- É claro que você merece! - tento tocar o rosto dela, mas ela se esquiva - Eu te amo!

- No fundo você sabe que eu estou certa! Sua consciência te diz isso quando a gente briga. Eu sei que no fundo você pensa nessas coisas, mas sempre acaba cedendo e fazendo o que eu quero. Eu manipulo você! Nossa relação não é saudável pra você, Sarah.

- Quem tem que dizer isso sou eu e eu não estou reclamando de nada!

- Eu quero terminar! - ela diz.

- Você não pode fazer isso! Terminar comigo por uma coisa que nem me afeta! Tem mais algum motivo pra você estar fazendo isso?

- Sarah, eu vou te falar a verdade! Eu não amo mais você.

- Isso não é verdade! Eu te ouvi ontem à noite.

- Eu sabia que você estava acordada e só queria ajeitar as coisas - ela diz depois de um tempo de desconcerto.

- Eu sei que você me ama! Não minta pra mim, não minta pra você! - digo me aproximando e beijando o pescoço dela.

- Para, Sarah! - ela diz me afastando - Não torne as coisas mais difíceis.

- O que você quer que eu faça? Eu não aceito te perder! Eu faço qualquer coisa por você! Qualquer coisa!

- Esse é o problema! - ela diz me olhando - Eu não quero que você faça nada!

- Não faz isso comigo! - imploro - Por favor, não faz isso comigo! -me ajoelho nos pés dela e encosto a cabeça no joelho dela - Por favor! Por favor! - repito entre lágrimas.

- Sarah - ela diz mexendo no meu cabelo - Levanta, não faz isso. Olha pra mim.

Levanto o rosto e olho pra ela ainda aos seus pés.

A campainha toca.

- Deve ser a Helena - ela diz.

Levanto e abro a porta. Era a Helena. Ela entra e peço pra que ela espere na sala.

Volto pro quarto e encontro a Maraisa chorando.

- Sua irmã chegou - digo na porta.

Ela limpa o rosto e me olha.

- Senta aqui - ela bate com a mão na cama do lado dela.

Caminho em silêncio e me sento.

- Você é uma pessoa maravilhosa, mas eu não posso mais continuar com isso, não posso mais te fazer m*l, quero que você se recupere de tudo que eu te fiz, recupere seus sonhos, volte a ser a mulher sonhadora e guerreira que era antes de me conhecer. Eu preciso que você seja forte - ela me diz sorrindo com lágrimas escorrendo pelo rosto - Quem sabe um dia as coisas se ajeitem e você descubra que seu mundo é muito mais que eu... eu torço pra que você seja feliz, porque você merece.

- Me fala a verdade - peço - Tem outra pessoa? Você perdeu seu interesse em mim por que se apaixonou por outra pessoa?

- Vai mudar alguma coisa se eu disser que sim? - ela pergunta.

- Ela te cuida melhor que eu? - pergunto chorando.

- Ninguém me cuida melhor que você! - ela diz limpando meu rosto.

- Então fica comigo! - peço.

- Eu não preciso de alguém que me cuide! Eu tô te dizendo que eu te traí, que tenho outra pessoa, que não quero mais você e a única coisa que te importa é saber se ela vai me cuidar bem! Para com isso! Se valoriza! Você deveria me odiar, não me implorar pra ficar com você!

- Sabe que eu não sou capaz de te odiar.

- Mas deveria ser! - ela se levanta.

- Posso te pedir uma coisa? - me levanto e coloco as mãos sobre os ombros dela enquanto ela permanece de costas pra mim.

- O que vai me pedir?

- Posso te dar um último beijo?

- Sarah... - interrompo a frase dela.

- Por favor! É importante pra mim!

Ela se vira de vagar pra mim, limpa as lágrimas do meu rosto e me olha com um brilho tão diferente nos olhos. Um medo apavorante toma conta de mim. Ela tinha razão, aquela mulher era o meu mundo e eu não sabia o que fazer pra não perdê-la, nem sabia o que fazer pra continuar vivendo depois que ela saísse por aquela porta.

Estendo a mão e toco o rosto dela. Ela fecha os olhos e eu me aproximo. Seguro o rosto dela com as duas mãos e aproximo lentamente os lábios dos dela. O desespero é grande, mas o beijo é lento e profundo, sensual e apaixonado.

- Eu vou te amar pra sempre! - sussurro ainda muito próxima dela.

Ela chora, minhas lágrimas rolam e se misturam às dela. O próximo beijo é regado pelas lágrimas da dor da despedida.

Observo enquanto ela sai do quarto andando de vagar por causa da perna imobilizada. Quando ela fecha a porta do quarto atrás de si é como se meu mundo tivesse acabado, minha vida e alegria se foram com ela. Sento no chão e deixo que as lágrimas e o desespero tomem conta de mim...