O salão de gala parecia uma obra de arte viva. Luzes suavemente amareladas realçavam os detalhes do lustre de cristal que pendia no teto, cada fio refletindo a riqueza daqueles que ali estavam. O som da orquestra se misturava com risadas, tilintar de taças e passos de dança — um ritmo quase hipnótico que fazia com que até mesmo os mais impacientes parecessem flutuar. E no meio de toda essa fantasia, minha atenção estava fixada em uma única coisa: a safira de cem quilates.
Ela reluzia como uma estrela azulada, exposta na vitrine de cristal reforçado que meu laranja, o colecionador escolhido para o teste, segurava com cuidado teatral. A joia era o ponto de atração, e eu sabia que cada olhar curioso era parte do meu plano. Havia colocado toda a minha confiança nesse movimento. A questão agora era: Eliza Ferraz ia morder a isca?
Enquanto eu caminhava entre os convidados com o copo de uísque na mão, meus olhos estavam sempre retornando para ela. A delegada estava estrategicamente posicionada, de maneira que pudesse observar a vitrine e, ao mesmo tempo, manter-se discreta. Tinha certeza de que ela desconfiava de algo — e eu queria descobrir o quanto.
Kian, é claro, não demorou para me encontrar no salão. Ele surgiu do meio de um grupo de executivos, impecável como sempre. O sorriso dele carregava a habitual ironia.
— Então, Gabrian… — começou ele, inclinando-se ligeiramente e baixando a voz para que apenas nós dois ouvíssemos. — Você está realmente se divertindo com a delegada, não é? Porque, olha, se isso acabar m*l, vai ser divertido te ver tentando escapar.
Ri, sem me preocupar com a ameaça implícita. — Kian, você está exagerando. Eu só estou observando… um teste.
Ele arqueou a sobrancelha, cruzou os braços e apoiou o peso de um pé na outra perna, na pose típica de quem se diverte com o perigo alheio. — Observando? Você chama isso de observação? Ela poderia te pegar agora e, olha… você nem perceberia até ser tarde demais.
— É exatamente por isso que eu estou fazendo — respondi, sorrindo. — Se fosse fácil, não teria graça. Quero ver se ela realmente é tudo o que dizem.
Kian bufou e riu, balançando a cabeça. — Gabrian… você está brincando com fogo, e adora isso.
— E se eu não gostasse de desafios, estaria sentado no escritório cuidando das minhas empresas legais. — dei de ombros, enquanto meus olhos voltavam para Eliza. — Mas essa é outra diversão.
Enquanto conversávamos, meu laranja se aproximou de um grupo seleto de compradores interessados na safira. Ele era perfeito para o papel: educado, encantador, falava de maneira convincente sobre a autenticidade da peça, sobre sua raridade, sobre o histórico que inventamos — e ninguém desconfiava do verdadeiro valor que escondia. Cada gesto, cada palavra, era calculado para manter a transação segura e ao mesmo tempo atrair os olhares curiosos, inclusive os da delegada.
Fiquei próximo, mas em posição discreta, observando cada movimento. Meu coração batia um pouco mais rápido do que o normal. Não por medo — não era o medo que me consumia — mas pela ansiedade de descobrir se Eliza era realmente tão boa quanto eu suspeitava. Cada olhar dela, cada pequena mudança na postura, cada respiração mais pesada era uma pista que eu tentava decifrar.
O laranja, meu soldado perfeito, terminou a apresentação da joia e começou a negociar. Um magnata do ramo de colecionáveis europeus se aproximou, interessado. Perguntou detalhes técnicos sobre o corte, a pureza da pedra, a procedência. Meu laranja respondeu com confiança, descrevendo cada detalhe com precisão, exagerando apenas o suficiente para parecer convincente.
— O preço inicial? — perguntou o comprador, com um sorriso calculado.
— Cem milhões. — respondeu o meu laranja, firme, mantendo o tom de colecionador experiente.
O magnata franziu a testa. — Cem milhões? — repetiu, quase rindo.
— Uma safira de cem quilates não é para qualquer um. É uma oportunidade única. — O laranja sorriu, e naquele momento, notei o brilho nos olhos de Eliza. Ela não desviava o olhar.
Kian cochichou ao meu lado: — Ah, finalmente! Ela está entrando no jogo. Você percebeu?
Sorri, mas apenas de leve, mantendo a calma. — Eu percebi.
— Gabrian… você sabe o que está fazendo, certo? — Kian insistiu. — Isso é perigoso. Um movimento em falso e… pronto. Adeus, jogo de xadrez.
— Eu adoro quando você diz isso — falei baixo, como se fosse apenas entre nós. — Quanto mais perigoso, mais interessante.
Ele soltou uma risada, balançando a cabeça, e eu não pude deixar de rir junto. Era como se estivéssemos compartilhando o segredo de que estávamos dançando à beira de uma tempestade, mas de maneira elegante, quase artística.
A negociação prosseguia. Meu laranja começou a reduzir o preço, calculadamente, chamando atenção de outro potencial comprador. Cada passo era meticulosamente planejado. A safira começava a circular de mão em mão, sempre com cuidado, e eu observava cada detalhe, cada reação da delegada. Ela não se mexia, não se deixava enganar. Cada pergunta dela, cada olhar suspeito, era como se estivesse rastreando cada movimento meu.
A tensão aumentava quando a joia foi levada para a mesa onde os compradores faziam lances discretos, como num leilão silencioso. Eu me aproximei, mantendo uma distância segura, meus olhos em Eliza. A respiração dela estava mais rápida agora. Seus olhos não deixavam a vitrine, mas eu podia sentir que ela me estudava, me analisava.
— Olha para você, Gabrian — Kian murmurou, ainda de lado, com um sorriso que misturava diversão e preocupação. — Aposto que ela já percebeu que é um teste.
— Exatamente — murmurei, quase como um segredo para mim mesmo. — Quero ver até onde ela vai.
O laranja continuava sua performance impecável, os compradores se animando, e tudo estava correndo perfeitamente. A safira seria vendida sem levantar suspeitas — pelo menos, por enquanto. Mas o verdadeiro teste não era o dinheiro. Era Eliza.
Ela estava lá, firme, como uma sentinela que não pisca, não se distrai, e ainda assim, de alguma forma, parecia invisível para a multidão. Cada detalhe de seu corpo, a maneira como seus dedos estavam levemente contra o vestido, o modo como seus olhos se moviam sem hesitar, me dizia que ela não era qualquer policial. Ela era uma caçadora, e o jogo que eu havia iniciado agora tinha a peça mais importante em movimento.
Kian deu um tapinha no meu ombro. — Gabrian, você realmente gosta de brincar com a lei, né?
— Gosto do desafio. — respondi, meu sorriso voltando, mais sombrio agora. — Quero ver até onde ela vai.
E, no fundo, uma parte de mim já sabia que ela não ia se afastar. Que fosse o jogo mais perigoso que já tinha feito, mas a atração pelo risco, pela adrenalina, pela caçada… isso era viciante demais.
Enquanto a safira circulava, eu continuei a observar Eliza de longe. Cada gesto dela era um detalhe que eu guardaria na memória. O modo como ela inclinava a cabeça, como mordia levemente o lábio inferior quando algo não fazia sentido, como franzia o cenho — tudo isso era uma pista, e eu adorava decifrar pistas.
O salão, com toda a sua pompa e luxo, tornou-se um tabuleiro de xadrez gigante. Cada convidado, cada taça de champanhe, cada passo de dança, cada risada falsa — todos movimentos que eu podia manipular, todos peças em meu controle, exceto uma.
Eliza Ferraz.
Ela era a única peça que se movia de forma imprevisível.
E isso, meu caro, é o que fazia todo o risco valer a pena.
Kian, claro, continuava ao meu lado, rindo e fazendo comentários sarcásticos a cada lance da negociação, me lembrando de que estava jogando alto demais. Mas eu apenas sorria, apreciando cada provocação, cada alerta. Porque ele não entendia algo essencial: eu não apenas gostava do risco — eu vivia para ele.
E enquanto a safira encontrava seu comprador, enquanto os convidados aplaudiam discretamente e os negócios ilícitos se misturavam com as cortinas de seda e cristal do salão, eu sabia que estava apenas no começo. O teste estava em andamento, e Eliza Ferraz ainda não sabia que já estava presa na minha rede.