Capítulo II – 02 vezes trouxa

2243 Words
Quando foi, quando foi A última vez que você Saiu sem ninguém notar Sem ninguém te reparar Tiago Iorc – Sol que faltava Todo dia de folga que eu recebia era uma eterna indecisão. Eu poderia ficar em casa e não fazer nada enquanto colocava minhas séries em dia, podia ficar em casa e não fazer nada enquanto coloco meus canais do Youtube em dia ou poderia ficar em casa e não fazer nada arranjando algum filme para assistir. Tá achando que é fácil? São tantas opções que até me perco. Mas quando meu dia coincide com um domingo, ah, não há nada no mundo que me faça… sair da frente da TV. Que é? O Sol tá de lascar, vou fazer o que lá fora? E todo domingo é a mesma coisa. As calçadas enchem de gente com cervejinha na mão, sentam com os parentes e botam as fofocas em dia. Se sua rua não fica cheia com isso, certeza que ao menos uma casa o faz. Exceto, é claro, se for um beco ou um casarão. Só que, convenhamos, quando temos um lindo gato que vive pedindo para sair, ou você sai logo ou você sofre com ele pulando na sua cara, no seu computador, no seu controle… — Júpiter! — Ou começa a arranhar as coisas só de pirraça. — Seu gato filho de uma gata desnaturada, venha cá agora. — Nunca vi um gato mais maratonista do que o meu. Por isso, fui obrigada a pegar a pequena coleira com guia dele para darmos uma volta. Eu realmente achava que havia trocado coelho por lebre, pois Júpiter passava fácil por cachorro… boa parte das vezes. Depois de colocar seu peitoral preto, anexei a guia nele, ajustei a coleira que tinha seu nome e meu número, depois suspirei cansada. Eu nem tinha me recuperado do corre-corre dessa semana ainda! Ter trabalhado feito condenada para ter nove dias de folga foi algo intenso, sabe? Andamos em direção a porta e, como um fingido comportado, ele sentou-se nas pastas dianteiras e esperou que eu colocasse a bolsa no ombro e abrisse a porta. — Eu acho bom você não desfilar na frente do Billy. Ele ainda está puto por causa da última vez. O sacana me encarou e lançou um miado curto, seguido de um longo, depois de um mais curto. — Nem me vem com essa de que não foi sua culpa. Você é um exibicionista. Respirei fundo e abri a porta. Quando passamos por ela, a dona do prédio estava parada ao lado da minha porta e me olhava como se tivesse visto um fantasma. — Olá, bom dia dona Marta. — Querida, já considerou arrumar um namorado? Conversar com seu gato pode não fazer bem para sua saúde mental. Quem é que precisa ser cordial e educada depois dessa? *** Ir à praia é um risco sempre muito grande, mas eu estava disposta a deixar Júpiter andar pelo calçadão. Escolhi um banco de concreto que ficava na sombra de uma árvore, observei meu gato olhar em volta com desconfiança e, depois que decidiu que era seguro, saltou para o meu lado e deitou com as costas apoiadas em minha coxa. O calçadão dividia a avenida da areia da praia. O mar estava azul, lindo e cheio de pessoas felizes. Havia dois fiscais de vaga naquela avenida e dois policiais parados perto de mim. Então tirei o celular sem medo de ser roubada, ao menos não por uma pessoa física, já que o 3G te assalta na cara dura. Tão distraída que estava, só notei Júpiter ronronando sem razão quando dois dedos roçaram minha coxa. Quase que o coração para. — Mas que merda, Tedy! — Mas que boca suja, Len. Ele riu e sentou-se do outro lado de Júpiter. O traíra se levantou para ir atrás de mais carinho. Sacana… Olhem só, alguém vai ficar sem petiscos durante a noite. Aí o desespero me abateu. Olhei em volta com tanta força que senti o pescoço estralar. — Graças a Deus… — suspirei aliviada. — Por? — Veio sozinho? O que está fazendo aqui? O infame não me respondeu de imediato. Frederico Adamastor Cardoso Júnior, mais conhecido como Tedy. Ele não gosta de nada que lembre seu nome de batismo, mas adora me atazanar. Sou uma espécie de brinquedo em suas mãos toda vez que ele me vê em sua linha de alcance, mesmo que isso inclua quebrar o brinquedo. Por isso, ele é sempre o primeiro a rir quando eu caía embaraçada nos cardaços e o primeiro a ficar furioso quando eu chutava um de seus amigos nas… genitais. E como nenhum encargo vem sozinho, seu irmão é o maldito do Miguel. — Eu vim para refrescar o calor um pouco e para aproveitar o mar. Amanhã vamos para Londres. — Eu sei disso. — Que estou com calor? Interessante. — Que você é um jumento? Sempre soube. Mas sobre Londres também. — Vai ser a madrinha de Tessa, não é? Nunca me imaginei no altar com você. Afinei o olhar e cruzei os braços. Aquilo só podia significar uma coisa… — Alguém lá em cima está tentando me fazer pagar pelos meus pecados com antecedência. Ele riu divertido enquanto apertava Júpiter no peito e, aquele gato sem petiscos, ronronou satisfeito pela atenção. É assustador você ver um homem do porte de Tedy sendo todo carinhoso com um gato… Na verdade não, não é não. Tedy é um cara alto, para meus parâmetros de medida, com 1,75 m de altura, aproximadamente. Nunca medi, nunca perguntei, nunca saberei. Sua pele estava sempre bronzeada porque ele adorava o mar. Tinha até uns musculosinhos para chamar de seus devido ao esforço de nadar contra a maré desde os… sei lá que idade. Naquele dia, ele estava com uma barba rala bem desenhada. Os cabelos encaracolados, pretos um pouco mais compridos, a ponto de cobrir a nunca, e molhados. E embora seu irmão seja dotado de olhos claros e um castanho tão apagadinho que pode ser confundindo com mel, os dele é de um tom castanho bem escuro, quase preto, e era preciso muito esforço para notar os pigmentos claros da ires. Miguel é parecido com ele, mas com os cabelos curtos e espetados, com músculos desenhados de quem praticava alguma luta. Faziam sucesso na escola. Ao menos é isso o que minha irmã vive dizendo, mas não duvido. Depois daquele silêncio mortal que usei para digitar uma mensagem assassina para Tessa, ele voltou a falar. — Quando sai seu voo? — Cedo. — O meu também. Olha só, que coisa interessante. — Se você não parar de falar “interessante”, juro que te faço engolir bola de pelo de gato. Ele gargalhou e puxou o celular da minha mão. Ah, mas agora brincou com fogo. — Deixa de ser nerd e ante social. Você está na praia, Len, tem que se divertir. — Me devolve isso ou a bola que você vai engolir é a sua. — Ui, agressiva. Quero ver tentar. Júpiter resolveu interceder por mim, ao menos gosto de pensar isso, e miou insatisfeito para Tedy. Mesmo quando ele lhe acariciou a cabeça, Júpiter demonstrou desgosto. — Está arriscando sua vida. Me devolva isso agora. — Você gosta de encher a paciência do meu irmão, não é? — Não que minha vida gire em torno dele, mas sabemos que é divertido. — Ótimo! — Lá vem bomba. A gente sabe que vem quando vê esse sorriso 171. — Tudo o que você precisa fazer é postar uma selfie comigo. — Está tirando onda com a minha cara? — Relaxa, pode ser com o meu celular mesmo. — Tá me achando com cara de trouxa? — Vamos lá, o que você tem a perder? — Minha dignidade? — É só uma brincadeira, relaxa. Eu não confio nesse sujeitinho. Mesmo assim, consegui recuperar meu celular de volta, um acordo de liberdade condicional e uma garantia de Miguel puto. Então achei, iludidamente, que estava no lucro. Coloquei Júpiter no colo e tentei não fazer careta quando Tedy sentou-se mais perto e passou um braço em volta dos meus ombros. Ajustou seu celular na horizontal, configurou a câmera frontal para a luz do dia e preparou-se para bater. Então, quando achei que era sorrir e pronto, fui surpreendida com o braço dele sumindo do meu ombro e sua mão migrando para meu queixo, me fazendo virar, me dando um beijo próximo da boca. Aí só veio o clique. — Frederico Júnior, eu mato você! — Que é, gente? Nome grande demais para citar todo no momento da raiva. Saltei do banco com Júpiter caindo certeiro nas quatro patas, mas não corri atrás do infeliz que fugiu rindo. Maldito! O resultado disso veio em quinze minutos. Na verdade, veio no minuto em que ele postou a foto, mas levei esse tempo todo para voltar para casa e ter acesso ao wifi. Todo mundo estava comentando na foto e nunca vi tanto textão sobre mim em toda a minha vida. Mas sabe o que é pior? Papai também fez textão. Nem li, nem quero ler. — Aih senhor, é de lascar as pernas. Júpiter, muito prestativo com minha tristeza, saiu do sofá quando me joguei lá e, segundos depois, saltou para cima da minha barriga e deitou ali. Ele sabia que sua dona precisava de consolo e essa era sua forma dele tentar me dizer que tudo vai ficar bem, pois ele estava concentrado em mim. *** Na manhã seguinte, resolvi tentar dialogar com a v***a que chamamos de noiva, vulgo, melhor amiga. “Len, não acredito que você não vai levar seu secador.” “Ele quebrou, fazer o quê?” “Comprasse outro.” Essa gente que nasce nadando no dinheiro… Ai, ai. “Eu vou comprar quando estiver lá. Já converti boa parte do dinheiro em Libra.” “Ai que máximo! Vou te levar na melhor loja de toda a vida.” “Querida, eu estava pensando no Walmart mesmo.” “Mas não tem lá.” “Acharei algo no mesmo estilo.” “Mudando de assunto, e aquela foto com o Tedy? Já colocou como papel de parede do protetor de tela? Kkkkkk” “Vai se lascar.” Joguei o celular na bolsa e fui até a janela para ver se o táxi chegou. Uma semana em Londres até seria reconfortante, se não fosse aquela aposta maldita + Miguel + Tedy no mesmo ambiente que eu. Mamãe me ligou para saber se eu estava tentando armar um barraco. De acordo com ela, suas palavras aqui, se eu estivesse armando um barraco para fazer os irmãos Cardoso brigarem por mim, ela sentaria na ala VIP com pipoca e Pepsi Twist. Perguntei para ela se tenho cara de famosa. Eu ainda não tinha lido nada daquela baboseira do post por… bem… eu não estava… ok, assumo, eu estava com medo de todos acharem que era de verdade. Aí, fiz o que faço de melhor, ignorei. Mas como Miguel tentou me ligar vinte vezes e me mandou cinquenta mensagens me mandando, isso mesmo, me mandando atender suas ligações, eu deduzi que Tedy tinha sido bem-sucedido em algo. Ainda duvido que tirei algum lucro, mas há indicativos positivos aqui. *** Aterrissar no Aeroporto Internacional de Londres me fez me sentir chique e importante. Principalmente porque havia um táxi me esperando e o motorista fez questão de pegar minha mala para colocar no porta-malas. Nem precisei testar meu inglês de cursinho treinado em séries para lhe ditar meu endereço, ele já sabia, e melhor do que eu. O lugar do retiro seria em Guildford, que ficava há quase trinta minutos de trem de Londres. Mas como só iriamos para lá em dois dias, assim dava tempo de todos chegarem. Tessa havia, pasmem, reservado dois andares inteiros de um hotel megachique no centro de Londres. Eu confesso, tô me sentindo! Quando finalmente cheguei ao hotel, agradeci ao taxista e paguei pela corrida. Um funcionário do hotel já estava se encarregando da minha mala e mochila quando me assusto com a assombração parada ao meu lado. — Que p***a, Miguel! — Posso saber por que você estava beijando meu irmão? — Me polpe, se polpe, nos polpe. Tenho que ir agora. — Helena, temos que conversar. — Temos nada, se toque, meu filho! Não sou sua namorada, não sou sua ficante, nem sua noiva e, pior ainda, sua esposa. Não te devo explicação alguma, falou? — Você odeia o Tedy. Puxei meu braço e segui meu caminho para o saguão do hotel. Nem tive humor para apreciar a magnitude do lugar, pois o infeliz ainda estava no meu calcanhar tentando me convencer de algo. Entreguei os documentos que a recepcionista me pediu e, cansada, me virei para o Senhor Fodão. — Miguel, está na hora de você arrumar uma garota que realmente te queira. — Helena… Estou cansado de esperar você decidir. — Que é isso?! Por acaso bateu a cabeça na quina da pia? — Sim, isso é um pedido de casamento. — Sabe quando esse casamento vai acontecer? Quando a Nasa encontrar um planeta 100% igual ao nosso. Adeus. Peguei o cartão que me dava acesso ao meu quarto junto com meus documentos e segui outro funcionário que carregava minha mala. Paciência tem limite, gente. Eu, hen.
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