JAYME
A decisão de buscar ajuda para Arthur não foi fácil. Eu me senti culpado, como se estivesse admitindo que não era capaz de cuidar dele sozinho.
Mas, no fundo, eu sabia que ele precisava de mais do que eu poderia oferecer. Ele precisava de alguém que entendesse o silêncio que o cercava, que soubesse como alcançá-lo no mundo onde ele parecia ter se refugiado.
A primeira consulta com a psicóloga infantil foi um misto de esperança e medo. A Dra. Clara era uma mulher calma, de voz suave, que parecia ter uma paciência infinita.
Arthur ficou sentado no chão, brincando com um quebra-cabeça, enquanto eu tentava explicar o que estava acontecendo.
— Ele não fala mais, Dra. Clara. Nem "papai", nem "mamãe". Ele era tão alegre, tão cheio de vida... — minha voz falhou, e eu precisei respirar fundo para continuar.
Ela anotou algo em seu bloco, observando Arthur com um olhar atento.
— Jayme, o comportamento do Arthur pode indicar várias coisas. Uma delas é o Transtorno do Espectro Autista, o TEA. Mas não podemos afirmar nada ainda. Precisamos fazer uma avaliação mais detalhada.
— Autismo? — a palavra saiu da minha boca como um sussurro. Eu não sabia quase nada sobre o assunto, e a ideia de que Arthur pudesse ter algo que eu não entendia me assustou.
— Sim. Mas, antes de qualquer diagnóstico, precisamos observar ele, fazer alguns testes. E, mais importante, você precisa estar preparado para o que vier.
Eu acenei com a cabeça, tentando assimilar as informações.
Preparado?
Como alguém se prepara para algo assim?
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Flashback
Lembro-me de uma conversa que tive com Rafaella, pouco antes de Arthur nascer. Estávamos sentados no sofá, discutindo nossos medos sobre a paternidade.
— Jayme, e se a gente não for bom o suficiente? — ela perguntou, com um tom de insegurança na voz.
— Bom o suficiente? Rafa, você vai ser a melhor mãe do mundo. E eu... bem, eu vou tentar ser o melhor pai que eu puder.
Ela sorriu, mas eu sabia que ela ainda estava preocupada.
— E se ele tiver alguma dificuldade? Algo que a gente não saiba lidar?
— A gente vai aprender. Juntos.
Naquele momento, eu acreditava que poderíamos enfrentar qualquer coisa, desde que estivéssemos juntos. Agora, eu me vejo sozinho, tentando aprender sozinho.
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Voltando ao presente
A avaliação de Arthur foi longa e complexa.
Foram várias sessões com a Dra. Clara, testes, questionários, observações. Eu me senti exausto, mas ao mesmo tempo aliviado por estar fazendo algo por ele.
Enquanto isso, eu comecei a perceber que também precisava cuidar de mim. A dor da perda, a pressão do trabalho, a responsabilidade de criar Arthur sozinho... tudo isso estava me consumindo. Foi então que decidi frequentar um grupo de apoio para pais solo.
A primeira reunião foi estranha.
Eu me senti deslocado, como se não pertencesse àquele lugar. Mas, aos poucos, comecei a me abrir. Conheci pessoas que, assim como eu, estavam tentando equilibrar a vida e a paternidade.
Um deles era o Lucas, um homem de trinta e poucos anos, com olheiras profundas e um sorriso cansado.
Ele era pai de gêmeos recém-nascidos.
A mãe das crianças havia morrido no parto.
— Eu não sei o que estou fazendo — ele admitiu, durante uma das reuniões. — Eles choram o tempo todo, e eu não sei como acalmá-los.
— Eu entendo — eu respondi, sentindo uma conexão com ele. — Às vezes, eu também me sinto perdido.
— Como você faz? Com o Arthur?
— Um dia de cada vez. E muita ajuda.
Ele sorriu, e pela primeira vez eu senti que não estava sozinho.
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Flashback
Lembro-me de uma noite, quando Arthur era bebê. Ele estava chorando, e eu não sabia o que fazer. Rafaella entrou no quarto, pegou ele no colo e começou a cantar. Em segundos, ele se acalmou.
— Como você faz isso? — eu perguntei, impressionado.
— É instinto, Jayme. Você vai aprender.
Eu esperava que ela estivesse certa. Mas, sem ela, eu me sentia perdido.
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Voltando ao presente
O grupo de apoio se tornou um refúgio para mim. Era um lugar onde eu podia compartilhar minhas dúvidas, meus medos, minhas frustrações. E, aos poucos, eu comecei a me sentir mais forte.
— Jayme, você está fazendo um ótimo trabalho — uma das participantes, uma mãe solo chamada Carla, disse durante uma reunião.
— Eu não sei — eu respondi, hesitante. — Às vezes, eu sinto que não estou fazendo o suficiente.
— Ninguém faz. Mas o importante é que você está tentando.
Ela tinha razão.
Eu estava tentando.
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Flashback
Lembro-me de uma conversa que tive com Rafaella, pouco antes de ela desaparecer. Estávamos sentados na varanda, observando o pôr do sol.
— Jayme, você acha que a gente está fazendo um bom trabalho? — ela perguntou, com um tom de reflexão.
— Claro que estamos. Olha o Arthur. Ele é feliz, saudável... o que mais a gente poderia querer?
Ela sorriu, mas eu vi uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
— Eu só quero que ele saiba o quanto a gente o ama.
— Ele sabe, Rafa. Ele sempre vai saber.
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Voltando ao presente
Agora, eu me vejo em uma jornada que nunca imaginei enfrentar. Uma jornada de descobertas, de desafios, de dor, mas também de amor.
Arthur pode não falar, mas eu sei que ele me ama. E eu amo ele mais do que tudo.
E, enquanto eu olho para ele, dormindo pacificamente no berço, eu sinto uma pequena centelha de esperança.
Talvez, um dia, o silêncio seja quebrado.
Talvez, um dia, ele me chame de "papai" novamente.