Peixe narrando
capítulo 04
Dá pra saber que tem algo errado antes mesmo da pessoa abrir a boca. O jeito que respira, o peso nos ombros, o silêncio que chega primeiro. E quando a porta se abriu e ela entrou, eu senti.Ela tava diferente.
Não no visual , ela estava do mesmo jeito usando aqueles blazer elegante, que abraça o corpo dela do jeito certo, salto alto, cabelo preso. Mas os olhos… tinham sombras que não estavam lá antes. Sentou à minha frente sem dizer nada. Abriu a pasta, mexeu nos papéis como se quisesse se distrair.
- Aconteceu alguma coisa novinha ? Ela hesitou. E isso já foi resposta suficiente. Depois soltou, como quem rasga um curativo.
- Primeiramente me chame de doutora Carine por favor .... ela falou ainda sem me olhar , eu não sei explicar , mas desde quando ela entrou naquela sala do forum e nossos olhos se cruzaram ela nao saiu mais da minha mente , talvez por ter me surpreendido com sua beleza e determinação nas palavras e nos olhos . -Tenho Recebido ,ligacoes e mensagens de ameaças , numero privado. Sem cadastro , sem rastreamento a ultima mais recente de hoje dizia: “Se continuar com o caso Sampaio, vai pagar o preço.” Senti o estômago virar. E o sangue ferver logo em seguida. Me inclinei pra frente, tentando conter o impulso de levantar e quebrar alguém.
- E mesmo assim… você tá aqui? Ela me encarou, séria. Firme.
- Estou aqui porque sou profissional. Porque fui contratada, muito bem paga, e porque honro minha palavra. Além disso… ela fez uma pausa, os lábios se curvando levemente - Eu gosto de desafios.
Sorri. Um sorriso lento, cheio de coisas não ditas. Ela podia se esconder atrás da ética, do contrato, da frieza. Mas eu via através dela. Desafio, ela disse. E eu sabia o que isso significava. Eu era um deles. Talvez o maior.
- Você é louca ou valente, novinha ? ela respirou fundo , sabendo que eu não ia tratar ela como pediu .
- Um pouco dos dois, talvez. Mas não sou sua. E não sou parte do seu mundo. Me aproximei um pouco mais, voz baixa.
- Não precisa ser parte do meu mundo… pra me deixar dentro do seu. Ela travou. Só por um segundo. Mas foi o suficiente.
- Eu vim aqui pra falar sobre o processo, Sr Rafael. Não pra ouvir insinuações baratas.
- Isso não é insinuação, Novinha . É só uma constatação. Você ainda tá aqui. Mesmo ameaçada. Mesmo com medo. E eu vejo nos teus olhos você quer vencer. Esse caso… e a mim. Ela se levantou devagar, pegando os papéis.
- Eu vou tirar você daqui. Não por você. Mas porque posso. Porque eu sou boa no que faço. Porque desafio me motiva. E porque ninguém vai me dobrar com ameaças covarde.
Fiquei olhando ela sair, e não consegui evitar o sorriso ela estava fugindo de mim mais uma vez , tentando ser fria , lúcida e brilhante, Ela só não queria admitir. Ainda...
Assim que a porta fechou e ela sumiu do meu campo de visão, minha cabeça já tava a mil. A raiva não vinha gritando , vinha fria. Calculada. O tipo de raiva que faz homem sumir do mapa.
A Carine podia fingir que aquilo não abalava. Mas eu vi. Vi a tensão no jeito que segurava os papéis, a forma como evitava cruzar as pernas como sempre fazi, a pressa em sair da sala. Ela foi ameaçada. E mesmo assim continuou. E isso… isso não vai ficar barato.
Esperei a hora certa. O banho de sol acabou, voltei pra cela. Tranquei tudo por dentro e tirei o celular do esconderijo. Só tinha uma pessoa que eu confiava o bastante pra isso. Disquei.
- Fala, irmão . ele atendeu rápido, voz baixa. - Tá tudo certo aí?
- Ainda tô vivo, se é isso que pergunta todo dia . murmurei, encostando na parede da cela. - Mas tem merda no ar. E eu quero que tu resolva. Ele ficou em silêncio por um segundo. Era o jeito dele me ouvir.
- Manda.
- A advogada p***a que novinha tu me mandou em ? ele riu rouco na linha .-Carine. Recebeu ameaça anônima . Disseram pra ela largar meu caso. Ameaçaram ela, direto. Quero saber quem foi.
- Tu acha que é alguém de dentro?
- Não. Alguém de fora. Algum filho da p**a querendo que eu fique aqui pra apodrecer. Alguém que tem medo do que eu posso contar ou do que posso fazer quando sair.
- Eu tenho uns nomes em mente. Mas vou cavar com calma. Acha que foi recado de alguma facção rival?
- Talvez. Ou talvez seja mais pessoal do que parece. Ele entendeu no ato.
- Carine, né?
- Não fala dela. rosnei. - Só faz o que eu mandei. Rastreia quem se aproximou do prédio dela nos últimos dois dias. Verifica câmeras, porteiro, encomenda, qualquer p***a. Quero um nome. E se encontrar… quebra.
- Tá dado. Mais alguma coisa? Pensei por um momento, encarando o teto manchado da cela. A imagem dela ainda presa na minha cabeça.
- Protege ela. Disfarçado. Se alguém tentar qualquer coisa, quero saber antes de acontecer.
- Considera feito.
- E como é que tá a ... ele nem esperou eu termina .
- Tá perguntando de tu o tempo todo . meu coração apertou .
- Logo eu vou estar de volta irmão com fé e a ajuda dessa doutora .
Desliguei sem me despedir. Entre nós, isso não era falta de respeito. Era urgência.
Carine podia achar que eu era só mais um cliente. Um bom contrato, um desafio jurídico. Mas o que ela não sabia… é que quando entra no meu jogo, não tem meio termo.Ou vence.Ou é engolida. E eu não vou deixar que toquem nela. Não por justiça.
Mas porque agora, querendo ou não…
Ela tinha entrado no meu mundo ...
Depois que desliguei, fiquei encarando a tela preta do celular como se ela pudesse me dar mais respostas. Mas tudo que eu tinha era a lembrança do rosto da Carine enquanto falava das ameaças .
Ela queria fingir que era só profissionalismo. Que tava ali pelo dinheiro, pelo contrato, pelo desafio. Mas eu conheço bem demais o brilho nos olhos de quem quer ganhar… e de quem quer resistir a algo que já perdeu.
Me levantei, comecei a andar de um lado pro outro dentro da cela. O espaço era pequeno, mas minha cabeça tava longe num campo de guerra onde eu ainda não sabia quem era o inimigo. Alguém ousou ameacar ela , nem que fosse com palavras. Isso não era só sobre mim. Era sobre quebrar minhas defesas. Me desestabilizar. Mostrar que mesmo aqui dentro, eu posso sangrar.
Mas se tem uma coisa que aprendi no jogo… é que quem ameaça, ou é burro, ou tá desesperado. Meu irmão o Nando era minha linha direta com o mundo real. Moleque cresceu vendo meus passos, e agora anda lado a lado. Frio, Rápido, Sem apego. Se alguém tinha deixado rastros, ele ia achar.
A questão era quem teria coragem de mexer comigo sabendo que eu sou o Peixe?
Talvez alguém do passado. Um nome esquecido. Um traidor que achou que o tempo apagava dívida. Ou… talvez fosse o começo de algo maior.
Voltei a sentar na cama, os cotovelos apoiados nos joelhos, cabeça baixa. Respiração pesada.
Carine. A mulher certa no lugar errado. Do tipo que nunca olharia duas vezes pra mim se não fosse pela cadeia. Mas agora… agora ela tava no meu radar. E quem entra no meu radar, ou vira proteção… ou vira alvo. E ela? Ela tava no meio.
- Eu vou descobrir quem foi . murmurei pra mim mesmo. - E quando descobrir… ninguém segura.
O som do cadeado do corredor me tirou do transe. Era o guarda, hora do almoço . Mas minha cabeça tava em outro lugar.
No próximo encontro com Carine. No nome que Nando traria pra mim. E no acerto de contas que viria depois. Porque isso não era só um caso jurídico. Não era só liberdade. Era pessoal. E quem me atinge... paga com sangue.
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