Capítulo 4

1006 Words
Capítulo 4 HEITOR NARRANDO A festa estava cheia de luzes, sons e sorrisos forçados que escondiam as verdadeiras intenções de cada um. Era sempre assim no morro: festas grandes mascaravam segredos maiores. Eu não queria estar aqui, não curtia festa de criança. A música alta, as pessoas dançando como se nada mais importasse... Era sufocante. Mas, por respeito ao Marcelo e a Aurora, eu vim. Afinal, depois de tudo que passamos, o mínimo que eu podia fazer era marcar presença. Então cheguei para fazer uma média e fiquei parado observando. Só que ficar aqui, parado, me tornou alvo fácil para uma criança louca. Ayla sabia exatamente como me desestabilizar, como transformar uma conversa casual em algo que queimava por dentro. Essa garota era um problema. Um problema grande. E, se eu ficasse mais tempo, talvez não conseguisse continuar fingindo que nada estava acontecendo. Afinal ela era uma criança mimada. Respirei fundo, decidindo que já era hora de ir. Caminhei até onde o Marcelo e a Aurora estavam. Eles riam juntos, como sempre. Era engraçado como, mesmo com o peso do mundo nos ombros, eles conseguiam manter aquela conexão. Aurora era a luz dele, e Marcelo fazia de tudo para proteger ela. Heitor — Marcelo, Rainha. Vou nessa. — Falei, mantendo a voz firme, mas amigável. Marcelo parou de rir e me olhou com uma expressão surpresa. Marcelo — Ir embora? Tá cedo ainda, caralhö. Nem aproveitou direito. Aurora — É mesmo, Heitor. Fica mais um pouco, a festa tá só começando. Balancei a cabeça, forçando um sorriso. Heitor — Eu agradeço, de verdade, mas tenho um compromisso. Preciso resolver umas coisas. Marcelo me estudou por alguns segundos, como sempre fazia, tentando entender o que eu não estava dizendo. Marcelo — Tá bom. Mas você sabe que é sempre bem-vindo, né? — Ele colocou a mão no meu ombro. Aurora — Isso mesmo, Heitor. Não desaparece. Heitor — Não se preocupem. — Respondi, desviando o olhar para a multidão. Me despedi rapidamente e me afastei. Não queria que eles percebessem que minha cabeça estava cheia de pensamentos conflitantes. Fui até a mesa onde os meus pais estavam sentados. A grande Terrorista e Murillo estavam em um canto mais discreto, observando tudo com aquela postura séria de sempre. Minha mãe me viu primeiro, levantando o copo em um gesto de saudação. Terrorista — Já vai, filho? Heitor — Vou sim, mãe . Tenho um compromisso . Ela arqueou uma sobrancelha, aquele olhar penetrante que sempre me fazia sentir que ele sabia mais do que deveria . Terrorista — Eu percebi tudo, só vou dizer uma coisa... cuidado . As palavras dela me fizeram congelar por um instante. Mas mantive a calma, cruzando os braços. Heitor — Não tem nada pra perceber. Não viaja dona Helena. Ela deu uma risada baixa, mas não insistiu. Era o jeito dela. Meu pai, como sempre, ficou em silêncio, apenas observando. Heitor — Até amanhã. Acredito que almoce com vocês amanhã. Dei um beijo na minha mãe e um aperto de mão rápido no meu pai, um aceno para o Marcelo, e comecei a caminhar em direção à saída. O ar lá fora era mais fresco, e a brisa noturna ajudava a clarear a mente. Caminhei até o meu carro, mas algo que apareceu na minha visão me fez parar. Ali, perto de uma das esquinas, Ayla estava encostada em uma parede, beijando um dos vapores da Aurora. Ela estava no maior amassso com o cara. Filha da putä! A cena me pegou desprevenido. Ela estava completamente entregue. Meu peito apertou, uma sensação incômoda que eu não conseguia nomear. Não tinha direito de me sentir assim. Eu sabia disso. Mas, ainda assim, a visão me incomodava mais do que deveria. Foi então que ela abriu os olhos, notando minha presença. Para minha surpresa — ou talvez não —, ela sorriu. Aquele sorriso cheio de malíciä, cheio de desafio. E, como se não bastasse, piscou para mim. Essa garota, é cão em pessoa mesmo . Ayla — TCHAU, PRIMINHO! — Disse alto o suficiente para que eu pudesse ouvir, antes de voltar sua atenção para o rapaz . Balancei a cabeça, respirando fundo para não reagir. Não era da minha conta. Não podia ser. Entrei no carro, fechei a porta com força, e liguei o motor . Enquanto manobrava o carro, o celular no painel começou a vibrar. O nome "Lica" apareceu na tela. Suspirei, apertando o botão para atender. Heitor — Fala, Lica. Lica — Oi, amor. Tá vindo? Havia algo na voz dela, um misto de ansiedade e expectativa, que sempre me fazia hesitar . Heitor — Tô indo pra sua casa. Chego em quinze minutos . Lica — Vou te esperar . A ligação terminou. Coloquei o celular de volta no suporte e acelerei. Sair do morro e a pista parecia mais longa naquela noite. Ayla ainda estava na minha cabeça, com aquele sorriso debochado . "Por que eu tô me incomodando com isso?" Me perguntei em silêncio, apertando o volante com mais força. Ayla era só uma criança. Uma garota provocadora que sabia como mexer com as pessoas. Não tinha nada demais ali. Mas, ao mesmo tempo, havia algo nela que era impossível de ignorar. O jeito que ela desafiava tudo e todos. A forma como me olhava, como se visse algo em mim que nem eu conseguia enxergar. Sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos. Heitor — Foco, porrä. — Murmurei para mim mesmo. Lica era segura. Era previsível. Com ela, eu sabia exatamente onde estava pisando. Ayla? Ela era o completo oposto. Um furacão disfarçado de sorriso. E, se eu não tomasse cuidado, poderia me perder nesse caos. Apertei o acelerador, tentando deixar Ayla — e tudo o que ela representava — para trás. Mas algo me dizia que, por mais que eu tentasse fugir, ela continuaria a me perseguir, como uma sombra. A noite estava apenas começando. E, no fundo, eu sabia que o caos não tinha acabado. Estava apenas esperando o momento certo para explodir.
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