Viagem em Família - Parte 2

1546 Words
Depois de horas de caminhada, eles finalmente acharam uma trilha, o maior sinal de civilização que viram em dias. Eles seguiram a trilha por mais algumas horas, pulando a hora do almoço, pois o pós-café-da-manhã foi bem reforçado, e, como se Deus atendesse suas preces, ao finzinho da tarde, eles finalmente chegaram à cidade. As construções eram robustas, feitas de madeira e rochas, algumas fundamentadas sobre pedras gigantescas. Os telhados em sua maioria eram de palha, mas pareciam ser apenas detalhes de decoração, pois parecia haver uma camada de madeira em baixo da palha – talvez algo para manter as casas quentes durante o inverno. Um simpático senhor que passava por lá os cumprimentou. - Boa tarde – Disse o homem. - Boa tarde – Disse Leonard, pondo-se à frente de todos. - Eu nunca os vi por aqui. São comerciantes? – Disse o velho, olhando para a carga que Antônio levava. - Não exatamente. Nossa vila tem tido muitos problemas e viemos tentar a sorte aqui, na cidade. Temos algumas mercadorias para trocar, então se puder fazer a gentiliza de nos indicar um bom lugar, nós todos agradeceriam muito. O homem sorriu. - Há uma hospedaria perto da praça da cidade. O Ganso Adormecido. Vocês podem se hospedar lá para passar a noite e expor suas mercadorias para venda na feira amanhã cedo. O comércio aqui é livre. Bom, desde que não seja de venda de armas. - Só temos alguns tecidos e peças de artesanato, então não será problema. Muito obrigado, amigo. Eles apertaram as mãos e partiram. Leonard e sua família chegaram ao Ganso Adormecido, admirando a imagem entalhada de um ganso na placa de entrada. Leonard conversou com o atendente da estalagem e alugou um quarto grande para a família. Antônio foi levado até um estábulo, e as mercadorias que ele levava ficaram no quarto com a família. Leonard estava limpando suas peças para que ficassem mais chamativas para a venda do dia seguinte, e Maria separava os melhores tecidos. - Acha que vamos vender tudo amanhã, mamãe? – Perguntou Lucinda, enquanto corria de um lado para outro, fazendo o tecido que segurava esvoaçar pelo ar. - Me dê isso, sua pestinha – Disse Maria, brincalhona. – Eu não acho que vamos vender tudo em um dia, querida, mas espero conseguirmos o bastante para nos mantermos aqui. - E quando vamos voltar para casa? – A menina indagou. Porém a mãe se entristeceu e se manteve calada. - Nunca vamos mais voltar para casa – Disse Lucas, seriamente para a irmã. - LUCAS! – Repreendeu o pai. - Mas é verdade! Os cavaleiros tomaram tudo da gente por causa daquela porcaria de guerra – O garoto estava irritado. – É melhor você se acostumar, Lucinda, porque nunca mais vamos ver a nossa casa nem nenhum de nossos amigos de novo. - Não diga isso! – Gritou a menina. – É claro que vamos voltar! E quando voltarmos, vamos trazer o Bernardo de volta. - O Bernardo não vai voltar, Lucinda. Aceite isso, ele morreu! A menina encheu os olhos de lágrimas e abraçou a mãe. Leonard ficou furioso com o filho e o repreendeu. Jennifer não queria mais ver a cena e saiu para caminhar um pouco. Do lado de fora da hospedaria era possível ver a praça da cidade, e ela foi até lá, sentando-se na mureta de uma fonte. A construção era delicadamente bem-feita, sem grandes rachaduras ou falhas: uma mureta circular cercando uma estátua de um b***o feminino sentado sobre os joelhos, com seus cabelos rochosos cobrindo parte de seu rosto. A construção era impecável e chamou a atenção de Jennifer, que ficou a admirá-la à meia-luz do pôr-do-sol. Uma leve brisa fez seu cabelo escuro dançar pelo ar, fazendo cócegas em seu pescoço de pele clara, macia e bem cuidada. Jennifer era a moça mais linda de sua vila, o que lhe concedeu vários pedidos de noivado – e até mesmo propostas indecentes. Ela era calma, mas muito protetora e ciumenta com seus irmãos. Lucas tinha acabado de completar seus 13 anos quando saíram da vila, e tinha ficado muito irritado por não ter conseguido se mostrar mais adulto para Caroline, seu amor de infância. Desde então detestava ser tratado como criança. Lucinda era jovem demais para qualquer tipo de paixão além de brincar o tempo todo quando não ajudava sua mãe com os tecidos – coisa para a qual Jennifer não levava o menor jeito. Para evitar lembrar-se do que aconteceu com Bernardo, ela se afundou nos pensamentos de tal forma que nem percebeu o som dos cascos de cavalos martelando o chão até que chegasse bem perto. Ela se virou para o lado e viu alguns cavaleiros de armadura reluzente indo em direção à saída da cidade. Seis homens enormes, com espadas presas à cintura e arcos em suas costas cercavam alguém aparentemente tão jovem quanto Jennifer. O elmo do rapaz não a permitiu ver seu rosto, mas ela conseguiu ver que por um segundo os olhos daquele homem se dirigiram até ela. Jennifer observou os cavalos parando a algumas dezenas de metros com um grito de outro cavaleiro de outra direção. - Majestade! Tenho uma mensagem importante sobre os cercos na fronteira! – Gritou o mensageiro. Jennifer não conseguiu ouvir nada, mas percebeu que a boca do jovem rapaz se mexeu. Majestade? Ela pensou. Aquele é o rei? Ou será o príncipe? Sem ter tempo para olhar melhor o rosto do homem, eles partiram. Novamente sozinha sem ninguém à vista, Jennifer voltou seus olhos para o céu. Já era quase noite, restando apenas alguns pedaços alaranjados do céu sobre si. Ela estava admirada, adorava coisas lindas como o pôr-do-sol. * * * O dia seguinte foi bastante agitado, a família levou as mercadorias para a praça da cidade para serem vendidas. O movimento das pessoas parecia não ter fim, e as vendas iam melhores do que eles imaginavam. Antes do meio-dia já tinham conseguido 17 peças, o que era uma boa quantia para eles. Quando o sol alcançou seu auge aos céus, Jennifer foi novamente até a fonte para pegar um balde d’água para molhar a argila com a qual Leonard demonstrava como fazia vasos e enfeites. Enquanto ele terminava de moldar o que quer que estivesse fazendo, Maria se encarregava de pintar os adornos, faixas e enfeites para tornar tudo mais chamativo. Lucas estava tomando conta de Lucinda, mas sentia-se desprotegido sem seu arco. Devido à guerra, ele parecia ver qualquer desconhecido como um potencial agressor com quem lidar. A puberdade do garoto foi simplesmente cortada para que a mente de um adulto assumisse. Ainda que as vendas estivessem ocorrendo tranquilamente até então, houve alguns problemas. Um homem com a barba que tocava o peito começou a encarar Jennifer enquanto ela carregava os baldes d’água. Ele andou até o pai dela e começou a conversar tranquilamente. - Olá, amigo. Como vão os negócios? – Perguntou. - Vão melhor do que esperava. As pessoas daqui realmente são bastante generosas. - Não se deixe enganar, nem sempre é assim tão fácil. Os mercadores brigam constantemente por causa das vendas. Seja por inveja ou por sabotagem. A honestidade é uma coisa muito rara nos dias de hoje. - Espero não incomodar nenhum outro comerciante local. Eu e minha família chegamos ontem aqui. Viajamos por vários dias de nossa vila e odiaria ter que sair agora que chegamos a uma boa cidade. - De onde você veio? A pergunta deixou Leonard desconfiado. - De uma pequena vila bem longe daqui. - Em que direção? – Indagou o homem, muito seriamente. - Leste – Respondeu Leonard, cauteloso e desconfiado. - Leste? Não foi lá que aconteceu o último confronto por terras? Vocês são refugiados? Leonard parou tudo que estava fazendo e encarou o homem, mas não respondeu. Ele, que até então estava sentado, se levantou. - Sei que Sua Majestade não trata civis refugiados como criminosos, mas todo cuidado é pouco. De que lado da fronteira você veio? – Perguntou o barbudo. - Não sou de Larik, se é isso que você quer saber. Também não sou daqui, de Torinn. Minha vila era pequena demais para ser reivindicada por algum dos lados. Era um lugar neutro no conflito. - Se era neutra, por que saiu de lá? - Os cavaleiros de Torinn venceram a batalha e tomaram a terra nas redondezas, incluindo as terras nas nossas vilas. Eles impuseram que aquela vila agora é território de Torinn, e que todos devam pagar tributos e impostos, além de entregar qualquer coisa que se pareça com uma arma. Nos tiraram quase tudo que tínhamos. Algumas pessoas não aceitaram bem isso, mas não se arriscariam em um conflito contra um exército. - Foi então que você veio para cá, em busca de uma melhor condição de vida? Que história interessante. - Foi isso mesmo. Senhor, se não for comprar nada, peço que saia agora, está assustando meus clientes. - Eu quero, sim, comprar algo. Antes de barganhar, me diga uma coisa. - O que quer saber? - Por acaso você não é o homem que está nesse cartaz? – Ele puxou um cartaz da roupa e o desenrolou para que Leonard pudesse ver. - O quê? – A voz de Leonard falhou.
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