O carro preto deslizou pela longa estrada de pedras como se estivesse prestes a me engolir. A mansão dos Salvatore surgiu à frente como um castelo sombrio saído de um pesadelo — imponente, fria, silenciosa. Exatamente como o homem com quem eu agora estava casada.
Casada. A palavra ainda latejava na minha cabeça como uma sirene de emergência.
Segurei firme a alça do banco de couro enquanto o motorista estacionava. A porta se abriu antes que eu tivesse tempo de pensar em fugir. Um homem de terno cinza me estendeu a mão.
– Senhora Salvatore, seja bem-vinda.
Travei. Engolir aquele título foi como engolir vidro.
Desci do carro e fui imediatamente engolida pelo ar gelado da noite. O portão se fechou atrás de mim com um estalo que soou mais como uma sentença. A casa era gigantesca, moderna por fora, mas carregada por uma atmosfera sombria. Duas colunas de mármore branco sustentavam o terraço, e janelas altas se erguiam como olhos silenciosos.
E então ele apareceu.
Lorenzo estava no alto da escadaria, de mãos nos bolsos, usando uma camisa preta de botões dobrados até os antebraços. A luz das luminárias acariciava seus traços angulosos, e por um breve instante, desejei que ele fosse só um homem bonito e não o carrasco da minha liberdade.
– Chegou cedo – comentou, descendo os degraus com a mesma elegância letal de sempre.
– Não achei que fosse apropriado atrasar para o meu primeiro dia de prisão.
Ele sorriu, aquele meio sorriso que não tocava os olhos.
– Você vai ver que essa prisão tem seus prazeres. Basta se comportar.
Não respondi. Me limitei a cruzar os braços e encará-lo. Se ele queria submissão, teria que arrancar à força.
Fomos recebidos por uma governanta baixa e sisuda chamada Marta. Ela nos conduziu por um corredor longo e luxuoso, onde o chão brilhava tanto que eu via meu reflexo. Passamos por um salão de estar com uma lareira acesa, depois por uma biblioteca imensa com prateleiras até o teto.
Cada detalhe da casa gritava riqueza. Mas não havia calor. Nem um traço de alegria. Aquela mansão era uma jaula de ouro.
– Seu quarto é no fim do corredor – disse Lorenzo, quando Marta nos deixou a sós. – Segunda porta à direita.
– Meu quarto?
Ele se virou lentamente, as sobrancelhas levemente erguidas.
– Esperava dormir comigo já na primeira noite, Alina?
Minha garganta secou. O calor subiu pelo meu pescoço, e o maldito sorriso debochado voltou aos lábios dele.
– Não se preocupe – continuou, aproximando-se até estar perigosamente perto. – Ainda temos muito tempo. Três anos, lembra? Vai ter todas as noites que quiser… ou que eu quiser.
– Você é nojento.
– E você é irritantemente charmosa quando tenta me insultar.
– Você quer me quebrar, é isso? – encarei. – Quer me ver rastejando, implorando, chorando?
– Eu quero que você entenda quem manda aqui – respondeu, a voz mais baixa. – Só isso. E confie em mim, Alina… eu vou conseguir.
– Nem em mil anos.
Ele sorriu de novo. Um sorriso vagaroso, cheio de intenções.
– Ainda bem que temos três.
Virei as costas antes que perdesse o controle e fizesse uma loucura. Entrei no quarto indicado e fechei a porta com força. Encostei a testa na madeira e respirei fundo. Pela primeira vez desde a assinatura do contrato, as lágrimas vieram.
Não duraram muito.
Eu não podia me dar ao luxo de fraquejar. Ainda não.
O quarto era luxuoso, com uma cama king-size, cortinas pesadas e móveis de madeira escura. Havia até uma penteadeira de espelho dourado e um armário que parecia maior que meu antigo apartamento. Sobre a cama, uma caixa de veludo com um cartão ao lado.
“Para a senhora Salvatore. Instruções para o jantar.”
O bilhete não estava assinado, mas era óbvio quem o havia deixado.
Abri a caixa.
Um vestido vermelho.
Curto. Justo. Obsceno.
Soltei uma risada amarga. Lorenzo não perdia tempo.
Peguei o vestido, caminhei até o espelho e o encostei no corpo. m*l cobria as coxas. Era feito para provocar. Para me expor.
Por um segundo, considerei não usá-lo.
Mas então pensei em Daniel. Em tudo que estava em jogo.
E vesti.
Quando desci as escadas vinte minutos depois, o silêncio da casa parecia ainda mais opressor. Fui conduzida até a sala de jantar por um mordomo, onde Lorenzo já me esperava à cabeceira de uma mesa longa e impecável, com velas acesas e vinho tinto em taças de cristal.
Ele me olhou de cima a baixo.
– Perfeita.
– Vá para o inferno.
– Já estou lá – murmurou, indicando a cadeira ao lado dele. – E você é a minha companhia.
Sentei com um suspiro. A comida foi servida: filé mignon, risoto trufado, aspargos. Tudo requintado, caro, absurdo. E eu sem fome.
– Tem certeza de que não vai fugir? – ele perguntou, bebendo o vinho. – Ainda dá tempo.
– Fugir só pioraria a situação de Daniel.
– Exato. Você é esperta, Alina. Não faça burradas.
– E você? Vai cumprir sua parte?
– Amanhã, às oito da manhã, o juiz receberá uma nova testemunha. Anônima. Ela vai inocentar seu irmão. O promotor vai retirar a denúncia até o fim do dia.
– Você tem mesmo poder pra tudo isso?
– Tenho poder pra muito mais – disse, encarando-me com um brilho estranho nos olhos. – E você vai descobrir isso… cedo ou tarde.
Eu o encarei por um longo momento, tentando entender aquele homem.
Quem era ele por trás da máscara de vingança? Será que Lorenzo já amou alguém? Será que já foi ferido?
– Você sempre foi assim? Frio? c***l?
– Eu fui feito assim. Pela vida. Pela sua família.
Terminamos o jantar em silêncio. Ao fim, ele se levantou e me ofereceu a mão.
– Nosso casamento começa agora, Alina. Hora de cumprirmos nossos votos.
Minha pele arrepiou.
– Eu vou dormir sozinha.
– Por enquanto.
Ele se inclinou, os lábios perto da minha orelha, e sussurrou:
– Mas sonhe comigo. Porque eu vou sonhar com você… toda noite.
Subi as escadas sem olhar para trás, tentando afastar o calor que aquelas palavras deixaram na minha pele. Eu o odiava. Odiava cada célula daquele homem. Mas havia algo nele…
Algo que fazia meu coração bater forte por razões que eu não queria admitir.