E agora?..cap.2

1778 Words
JÚLIA FERNÁNDEZ Voltei pra casa arrastando os pés, como se cada passo pesasse toneladas. Não tinha ânimo pra nada. Tudo o que eu queria era a minha cama... e um novo emprego. Como vou contar pra Jade? Aquela doida vai surtar. Com o talento que tem pra drama, certeza que vai fazer um escândalo cinematográfico. — Oi, miga! — ela gritou da sala assim que me viu entrando. — Oi... — Ué? O que aconteceu? Por que tá em casa tão cedo? Afundei no sofá e as lágrimas vieram antes mesmo de qualquer palavra. Jade correu e me abraçou sem pensar duas vezes. — O que foi, Ju? Me fala! Não me diga que foi o Josh… Ele fez alguma coisa com você? — perguntou, com os olhos arregalados de preocupação. — Não, miga… foi pior. Eu fui demitida. Simples assim. E agora... não sei o que fazer da vida. — Ai, Ju... — ela me apertou no abraço, beijando minha cabeça. — Calma, jujuba. A gente vai dar um jeito nisso. Você não tá sozinha, tá? — Será, miga? Eu tô com medo... — Confia em mim. Agora enxuga essas lágrimas e bora comer. Chorar de barriga vazia não resolve nada. O resto do dia passou mais leve do que eu imaginava. Jade ficou me distraindo com as aventuras da noite anterior — segundo ela, um “rolê mágico com drinks suspeitos e um gringo que parecia o Thor”. Rimos. Falamos besteira. E por um momento, eu quase esqueci da demissão. Quase. Quando dei por mim, já passava das oito da noite. Me despedi dela e fui pro quarto. Amanhã é outro dia. Quem sabe, com uma boa notícia? — Acordei cedo, tomei um banho demorado, fiz minha higiene e fui pra cozinha tomar café. Sentada à mesa, peguei o celular e comecei a fuçar as redes sociais — e foi aí que vi. Um anúncio. “Procura-se jovem para trabalhar como auxiliar de governanta. Dormir no local. Ótimo salário.” Li uma, duas, cinco vezes. Pisquei. Reli. Isso é real? Obrigada, universo! Pode não ser o emprego dos sonhos, mas é um salva-vidas numa hora que eu tô me afogando. Saí correndo pro quarto da Jade feito uma louca. — JADE! Jade! — gritei, sacudindo ela na cama. — Que foi, meu Deus? O apê tá pegando fogo, Jujuba?! — disse, pulando da cama toda assustada. — Não, relaxa! Mas é quase isso! Achei uma vaga de emprego incrível! — Pelo amor de Deus, Ju! Você não podia esperar eu acordar como gente normal? — Eu tô animada demais! Me leva nesse endereço aqui? — mostrei o print. Ela olhou e arregalou os olhos. — Nossa... é num dos bairros mais caros de Nova York! — Pois é. E é pra trabalhar como auxiliar de governanta. — Hã? Empregada, Ju? — Sim, ué. Mas e daí? Todo trabalho é digno. — Isso é verdade... — murmurou ela, pensativa. — Só tem um pequeno detalhe… — Qual? — Tem que dormir no emprego. Mas o salário é realmente muito bom, Jade! — Ju... você acha mesmo que é uma boa ideia? — Não acho. Tenho certeza. É nossa chance de equilibrar as contas, amiga. Por mim e por você. — Tá certo. Vamos tomar café, e depois eu te levo. — Você é um anjo, te amo. — Também te amo, doida. (***) Quando chegamos no endereço, olhei pra casa e quase perdi o ar. — Uau... — murmurei. — Que casa é essa, pai celestial? Era uma daquelas mansões que a gente só vê em novela. Despedi-me da Jade e prometi ligar assim que a entrevista acabasse. Toquei a campainha. A voz de uma senhora saiu do interfone, suave e firme. — Pois não? — Olá, sou Júlia Fernández. Vim por causa do anúncio de emprego. — Ah, sim. Espere um momentinho, querida. O portão abriu automaticamente. Caminhei até a porta principal, onde uma senhora simpática e sorridente me esperava. — Bom dia! — Bom dia, minha jovem. Vamos entrar. Entrei encantada. A casa parecia cenário de série. Luxuosa, imponente, mas estranhamente acolhedora. — Me chamo Benta — disse ela. — E você? — Júlia Fernández. Muito prazer. — Júlia, o patrão não está no momento, mas ele me deu carta branca pra escolher quem vai me ajudar daqui em diante. — Sério? — perguntei, surpresa. — Se estiver disposta e não tiver medo de trabalho, pode começar hoje mesmo. — Eu? Claro! Não tenho medo de trabalho nenhum. Sentamos e conversamos por um bom tempo. Ela explicou as tarefas, as regras da casa e que eu teria uma folga a cada quinze dias. Pareceu tudo muito simples. E a dona Benta... um verdadeiro doce. Nem parecia real. Ela comentou que o dono da casa era delegado e que quase nunca estava por lá. E quando está, prefere não ser incomodado. Tudo bem, não tô aqui pra fazer amizade com chefe mesmo. — Então, entendeu tudo? — perguntou ela. — Sim. Vou só arrumar minhas coisas e volto ainda hoje. — Estarei te esperando, Júlia. Nos despedimos com um abraço apertado. Saí da casa com um sorriso no rosto. Ela nem imagina que acabou de salvar a minha vida. Liguei pra Jade e, como sempre, ela chegou em cinco minutos. — E aí, miga? — Eu consegui, Jade! Consegui o emprego! — Ahhhh, jujuba! Eu sabia! Parabéns! — Obrigada! Mas preciso arrumar minhas coisas. Tenho que voltar ainda hoje. — Já?! Assim, tão rápido? — Pois é. Mas tô com o coração apertado de deixar você sozinha... — Relaxa, miguxa. Vou ficar bem. Qualquer coisa, chamo um boy magia pra dormir aqui. — disse com uma piscadela. — Sua safada! — rimos juntas. Jade entrou na minha vida quando eu mais precisava. Nos conhecemos numa lanchonete no meu primeiro dia em NY. Ela me serviu um lanche, viu minhas malas e perguntou pra onde eu ia. Eu respondi: “Não sei. Só sei que tô aqui.” E ela me ofereceu um lugar no apê. Desde então, viramos irmãs. Não de sangue, mas de alma. Chegando em casa, arrumei só o essencial com a ajuda dela. Depois, almoçamos juntas, rimos mais um pouco… e então, partimos. Era hora de voltar à mansão. E, quem sabe, de recomeçar minha vida do zero. — ALLONSO ALBUQUERQUE Cheguei em casa exausto. Corpo moído, mente saturada, com fome do tamanho do mundo. Só pensava em comida e cama. Sorte a minha que a Bentinha, a minha segunda mãe, deixou o jantar pronto como sempre. Aquela mulher é um anjo — um anjo teimoso, diga-se de passagem. Jantei em silêncio, cabeça cheia com as merdas do dia. Subi, tomei um banho gelado e me joguei na cama. Antes de fechar os olhos, lembrei: precisava dar carta-branca pra Benta escolher uma ajudante. Ela tá velha demais pra continuar dando conta de tudo sozinha. Só espero que não escolha nenhuma figura que venha me irritar ou ficar me puxando assunto. Paz. É o que quero em casa. Acordei antes mesmo do despertador. Típico. Tomei meu banho, sequei o corpo e vesti uma calça jeans escura e uma camisa social preta. Não curto muito o look engomado, mas preciso manter uma aparência decente na DP — pelo menos até o primeiro esporro do dia. Desci e encontrei Bentinha pondo a mesa com aquele carinho habitual. Me aproximei, dei um beijo no topo da cabeça dela e me sentei. — Bom dia, meu menino. — disse ela com um sorriso. — Bom dia. — Ia te falar uma coisa ontem, Bentinha, mas cheguei tarde demais. — O que foi, Allonso? — Sobre arrumar alguém pra te ajudar aqui em casa. Uma auxiliar. — Mas não precisa, meu filho. Eu dou conta… — Não, Bentinha. Você não dá mais. E não precisa provar nada pra ninguém. Não quero te ver machucada por tentar carregar peso ou fazer esforço além do que pode. — Mas... — Mais nada, Dona Benta. Já falei com o Davi. Ele publicou os anúncios com o endereço da casa. Quando alguma candidata aparecer, você tem total liberdade pra escolher quem quiser. — Tá certo, Allonso... — Só te peço uma coisa: escolhe alguém discreta. Nada de gente intrometida, fofoqueira ou cheia de mimimi. Paz, Bentinha. Paz. — Pode deixar, vou explicar tudo direitinho. Terminei o café, me despedi dela e fui pra delegacia. E como sempre, acelerei a BMW feito o d***o correndo atrás. Cheguei na DP em tempo recorde. Cumprimentei alguns colegas e fui direto pra minha sala. O plantão m*l começou e já tinha pilha de ocorrências me esperando. Furto, briga de bar, vandalismo... e claro, o que mais me revolta: violência doméstica. Esse é o tipo de caso que me tira do sério. Homem que bate em mulher não é homem. É um lixo disfarçado de gente. Escória. Saí com o Davi pra atender a denúncia. Quando chegamos no local, batemos na porta. — Polícia! Abre a porta! Silêncio. Outra batida. Nada. Olhei pro Davi. Ele me conhece o suficiente pra entender o recado só com o olhar. Ele assentiu. Era o sinal que eu precisava. Acertei um chute seco na porta que abriu de vez, como se o universo estivesse cansado daquele cenário também. A cena me gelou por dentro. Uma mulher no chão. Rosto inchado, lábios rasgados, roupas rasgadas. Sangue seco e fresco espalhado pelo piso. Faltavam dois dentes. O corpo dela parecia ter implorado por socorro por horas. Vi o desgraçado ajoelhado ao lado dela, como se fingisse arrependimento. Mas era só covardia com delay. Fui até ele sem pensar, sem medir, sem ouvir nada. Meti um soco. E depois outro. E mais outro. Não conseguia parar. Só conseguia ver a dor daquela mulher estampada na cara daquele filho da p**a. — Allonso, chega! — Davi me puxou com força. — Vai matar o desgraçado! — E ele merece o quê?! Um abraço? — Eu sei. Mas matar é pouco. Esse verme tem que apodrecer atrás das grades. Respirei fundo, tentando não quebrar o maxilar do cara com um chute final. Me afastei, puxei o celular e liguei pro resgate. A ambulância chegou em menos de quinze minutos. A equipe médica cuidou da mulher com eficiência. Eu ainda estava de punhos cerrados quando colocamos o infeliz na viatura. — Você vai pro lugar que merece, seu merda. — falei antes de bater a porta com força. Ele não respondeu. Nem olhou. Mas eu sabia que lá dentro, ele sabia: não existe buraco fundo o suficiente pra se esconder da minha raiva. E se depender de mim, ele nunca mais vê a luz do sol.
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