Ponto de vista de terceira pessoa
Richard observava o céu nublado de sua propriedade em New Haven, a mente inquieta com os últimos acontecimentos. Sua filha, Kayla Prescott, finalmente havia sido encontrada. Durante dezesseis anos, ela crescera longe dos olhos da família, perdida após um episódio trágico que até hoje ele não compreendia completamente, apesar de sempre continuar investigando.
Criada em um orfanato católico, Kayla jamais soubera da verdade sobre suas origens. E agora, aos dezesseis anos, retornava para o lar dos Prescott, sem imaginar a extensão do legado que carregava.
Richard observava os filhos com atenção. Ainda que Kayla fosse uma recém-chegada à mansão Prescott, ele já sentia o peso de sua presença como se sempre tivesse feito parte daquele lar. Mas a verdade era mais dura: ele só soube do paradeiro da filha quando ela completou quinze anos. Durante todo esse tempo, ela vivera em um orfanato católico, sem saber nada sobre sua verdadeira origem. Após o recebimento de uma foto de Kayla com quinze anos e após uma investigação meticulosa e discreta foi possível confirmar sua identidade, e então, Richard entrou em contato com o Orfanato, apresentou as provas e pediu direito sobre sua filha. Após um ano e nove meses, ele conseguiu, e antes de partir com sua filha, ele pediu toda a documentação ligada a ela, notas escolares, aptidões, seu desenvolvimento físico e mental. Ele conseguiu os relatórios detalhados sobre sua vida, inteligência excepcional e personalidade carismática, até hoje não sabemos quem enviou a foto.
Kayla era, de fato, extraordinária. Desde cedo demonstrava uma afinidade inata com a biologia, criação de vida e uma empatia que transcendia o comum. Era exatamente isso que o preocupava — e ao mesmo tempo, confirmava seus maiores temores. Segundo a antiga profecia da linhagem Drakhalis, a cada século, durante a Lua de Sangue, uma herdeira poderia nascer com o Dom da Vida Ancestral — um poder profundo, capaz de se conectar com todas as formas de existência, regenerar, curar, criar e até mesmo entender a essência da natureza viva ao redor. Um dom que só poderia ser despertado por uma mulher da linhagem.
Kaiden, por outro lado, era o Alfa por direito. Primogênito, forte, disciplinado e devotado à causa da família. Ele nunca marcou ou acasalou com outra loba, apesar das incontáveis pretendentes — pois desde jovem sabia, que sua companheira estava por aí. Uma alma gêmea destinada. Todo Alfa tem alma gêmea, por um tempo namorou uma garota chamada Stella, pois achava que ela era sua alma gêmea, mas foi um erro.
Richard compreendia agora o motivo dessa espera silenciosa: a profecia também mencionava que, quando a herdeira do Dom da Vida Ancestral reconhecesse e marcasse sua alma gêmea, ela despertaria nele o Dom da Destruição Ancestral — um poder equivalente, porém oposto. O equilíbrio perfeito entre vida e morte. A criação e a ruína. Esse dom só se manifestaria no companheiro verdadeiro da herdeira, unindo os dois num laço eterno de poder e propósito.
E enquanto via Kayla e Kaiden interagindo, algo dentro dele sussurrava que esse momento estava cada vez mais próximo.
O entardecer tingia os jardins da propriedade Prescott com tons dourados e alaranjados. O céu limpo refletia uma paz enganosa sobre a mansão. Richard caminhava silenciosamente pelo corredor do segundo andar, as mãos cruzadas atrás das costas. Estava voltando de uma ligação importante, mas ao passar pela grande sacada central, seus passos cessaram.
Ali embaixo, no gramado perfeitamente aparado, ele os viu.
Kayla e Kaiden.
Os dois sentados lado a lado sobre uma das muretas de pedra que cercavam o jardim interno. Riam de algo, com expressão leve — um momento raro e sincero. Kayla usava um vestido simples, mas o sol beijava seus cabelos com tal graça que ela parecia etérea. Kaiden, inclinado na direção dela, ouvia com atenção cada palavra, os olhos fixos nela como se o mundo desaparecesse ao redor.
Richard estreitou o olhar.
Havia algo em seus gestos. Uma sincronia quase sobrenatural. Quando Kayla jogava os cabelos para o lado, Kaiden sorria antes mesmo dela falar. Quando ele olhava para baixo, ela inclinava a cabeça e tocava levemente o ombro dele com naturalidade. Era como se seus corpos falassem numa linguagem muda, antiga, instintiva.
E então Richard percebeu o que mais o perturbava: a tensão que crescia nas pausas do silêncio entre eles. Não era desconforto, nem timidez. Era algo carregado. Vivo. Como se cada olhar trocado carregasse a promessa de algo que nenhum dos dois sabia nomear — mas sentiam.
O pai se afastou um pouco da sacada, ficando nas sombras. Seu peito apertou. Não era ciúme. Nem medo. Era uma angústia sürda de quem sabia demais.
"Estão se encontrando," murmurou para si mesmo. "Como a profecia previu."
Sabia que aquele laço não era comum. Não era fraterno. Havia algo antigo e inevitável se manifestando. Algo sagrado e perigoso. Vê-los juntos assim não deixava mais espaço para dúvidas: o reconhecimento entre os dois havia começado.
Mas o que aconteceria quando descobrissem a verdade? Quando percebessem o peso do que carregavam?
Richard sabia que não poderia impedi-los. Mas talvez ainda pudesse prepará-los. Porque se a união dos dois despertasse os Dons — a Vida e a Destruição — o mundo como conheciam jamais seria o mesmo.
Richard desceu lentamente os degraus da escadaria principal. Seus passos eram firmes, mas seu olhar permanecia distante, como se algo o perseguisse dentro da mente. Encontrou Eleanor na varanda dos fundos, junto à mesa de ferro trabalhado, saboreando uma xícara de chá quente. O entardecer tocava seus cabelos loiros de cobre com o mesmo brilho que havia envolvido Kayla há instantes.
Ela levantou os olhos, como se já soubesse o que ele diria.
— Você os viu juntos? — perguntou, com calma. A pergunta soava simples, mas carregava muito mais peso.
Richard assentiu e se serviu de um pouco de chá, sem sequer olhar para a xícara.
— Eles estão... se reconhecendo — murmurou. — De uma forma que me assusta. É sutil, mas inevitável. O tempo todo os dois parecem dançar em torno de algo que ainda não entendem.
Eleanor repousou a xícara no pires, olhando-o com seriedade.
— O sangue sempre encontra o sangue, mas o destino, Richard, o destino é teimoso. Ele cria caminhos além do que compreendemos.
Richard permaneceu em silêncio por alguns segundos. O vento agitou levemente as folhas secas pelo jardim. Ele olhou para o vazio do horizonte e, com a voz baixa, quase um sussurro, disse:
— Talvez seja melhor assim, que ela tenha crescido distante. Que não tenha tido o mesmo berço. Isso pode significar algo.
Eleanor ergueu os olhos devagar, analisando cada nuance do rosto do marido.
— Você fala como se quisesse permitir algo que jamais deveria acontecer, sendo que sabe que está destinado a ser.
— Não — ele rebateu, firme. — Eu falo como alguém que reconhece o inevitável. O dom ancestral só desperta uma vez a cada era, e só em uma mulher. Já sabíamos disso.
E agora, diante deles, não há mais dúvida. Kayla é a herdeira.
— E Kaiden é... — Eleanor começou, mas hesitou.
— O elo — completou Richard, encarando os olhos intensamente azuis da esposa. — Se forem realmente destinados, então o Dom da Destruição acordará nele quando se completarem. Quando o vínculo for selado. E se isso acontecer, não haverá mais como separá-los.
Eleanor voltou a encostar-se na cadeira, os dedos deslizando levemente pela borda da xícara.
— Então estamos apenas... esperando?
— Não — disse Richard com firmeza. — Estamos nos preparando. Porque quando a verdade vier à tona, seja qual for a forma com que venha, o mundo deles — e o nosso — vai mudar para sempre.
E, por dentro, uma sombra de dúvida o assaltava. Não sobre o poder. Não sobre o destino. Mas sobre a verdade que eles ocultavam de Kaiden desde o início.
Uma verdade perigosa, delicada. Uma verdade que talvez ele não estivesse pronto para ouvir.