A batida na porta se repetiu.
Theo ficou ao meu lado, como se a proximidade fosse uma forma de me proteger.
Eu respirei fundo, tentando manter a calma, mas o incômodo crescia no peito.
O professor chamou de novo:
— Lívia, preciso falar com você. É rápido.
Theo olhou pra mim com firmeza.
— Eu vou junto.
O professor respondeu pela porta, num tom controlado:
— Eu prefiro falar só com ela por um minuto.
Theo ficou rígido.
Eu também.
Um “só com ela” nunca vinha sem motivo.
Ele se inclinou um pouco na minha direção e falou baixo:
— Se sentir qualquer coisa estranha, me chama.
Assenti.
Abri a porta devagar.
O professor estava no corredor, com uma prancheta na mão e uma expressão tensa — não irritada, mas séria o bastante para deixar claro que aquilo não era sobre aula ou rotina.
Ele olhou de relance para Theo dentro da sala, depois voltou para mim.
— Vamos conversar ali no canto do corredor. É rápido.
Eu caminhei alguns passos.
Theo ficou à porta, atento, sem tirar os olhos de mim.
Quando paramos, o professor respirou fundo como quem precisa medir as palavras.
— Lívia… você sabe que estamos acompanhando tudo que aconteceu hoje, certo?
Assenti.
— Sei.
Ele continuou:
— A coordenação está recebendo mensagens de alunos, pais e até pessoas de fora.
Meu coração acelerou.
— De fora? — perguntei.
— Sim.
Ele baixou um pouco o tom.
— Pessoas da família da antiga aluna envolvida no caso do ano passado.
A Júlia.
Meu estômago revirou.
— O que eles estão dizendo? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ele olhou para os lados, como se tivesse medo de alguém ouvir.
— Estão alegando que você está passando pela mesma coisa que ela passou.
Senti um aperto profundo dentro do peito.
— Eu não estou. — respondi. — O que aconteceu com ela foi outra coisa.
— Eu acredito em você. — o professor disse rápido, sincero. — Isso precisa ficar claro. Mas eles estão insistindo que a situação tem “sinais semelhantes”.
Engoli seco.
— E quem está dizendo isso?
O professor hesitou.
Era a mesma hesitação que todos tinham quando iam revelar algo delicado.
— O irmão dela. — ele respondeu.
O ar pareceu ficar mais pesado.
— Ele ligou para cá? — perguntei.
— Ligou. E mandou mensagens.
Ele apertou a prancheta.
— Ele não quer apenas interferir. Ele quer que a escola aja.
Isso bateu forte.
— Agir… como? — perguntei, começando a temer a resposta.
Ele demorou dois segundos, o que foi pior do que se tivesse dito de uma vez.
— Ele pediu que a escola separasse você e o Theo imediatamente. E sugeriu que vocês dois não tivessem mais contato até tudo ser “resolvido”.
Minha respiração travou.
— Ele está tentando repetir exatamente o que fez com a Júlia. — murmurei.
O professor ergueu o rosto, atento.
— O que você quer dizer com isso?
Respirei fundo.
— Ele isolou a Júlia. Fez ela acreditar em algo que não era real. Fez ela desconfiar de tudo. E então tirou ela da escola sem deixar que ela conversasse com o Theo.
O professor ficou em silêncio por alguns segundos.
— Isso… é mais sério do que pensamos. — ele disse, como se acabasse de entender o que estava realmente em jogo.
Eu assenti.
— Ele quer fazer isso comigo. Quer me afastar do Theo antes que eu saiba a verdade. Quer repetir a história.
O professor respirou fundo, claramente abalado.
— Lívia… posso te fazer uma pergunta importante?
— Claro.
— Você se sente pressionada pelo Theo em algum momento?
— Não. — respondi imediatamente. — Nunca.
Ele não duvidou.
— Ótimo. Era isso que eu precisava saber. Essa resposta muda completamente a forma como vamos lidar com isso.
Meu corpo relaxou — um pouco.
Ele completou:
— A escola não vai separar vocês. Porque não há nenhum sinal de que você esteja desconfortável ou sendo influenciada negativamente.
Aquilo bateu forte — não de medo, mas de alívio.
— Mas… — o professor continuou — isso significa que a situação pode escalar fora da escola.
Meu coração acelerou.
— Como assim?
— O irmão da Júlia parece disposto a ir até o fim. Em proteger algo que ele criou na própria cabeça.
As palavras foram diretas o bastante para me dar um arrepio.
Eu respirei fundo.
— Professor… tem mais uma coisa que eu preciso dizer. Algo que o Theo ainda não sabe.
Ele franziu o cenho.
— Pode falar.
Olhei em direção à porta.
Theo estava me esperando, firme, atento.
— Eu acho — falei devagar, sentindo o peso do que dizia — que o irmão da Júlia está usando material antigo para criar as denúncias de agora.
O professor arregalou os olhos.
— Material antigo… de quê?
— De conversas. Prints. As situações que ele mesmo manipulou no ano passado. E agora ele está reaproveitando e adaptando tudo para parecer que está acontecendo de novo. Só que agora, comigo.
O silêncio dele foi chocante.
Parecia que uma peça fundamental acabava de se encaixar.
— Lívia… você tem certeza disso? — ele perguntou, quase num sussurro.
— Sim. Eu tenho certeza.
Ele respirou fundo.
— Então o problema é ainda maior do que imaginávamos. E agora eu preciso que você tome cuidado.
Meu coração bateu forte.
— Com o quê?
Ele olhou para mim com seriedade máxima.
— Com quem vai tentar falar com você fora daqui. E com o que vão tentar te mostrar sobre o Theo.
Meu estômago apertou.
— Eles podem tentar me manipular?
— Sim. Como fizeram com a Júlia.
Eu senti o corpo inteiro estremecer.
O professor completou:
— E você precisa me prometer uma coisa.
— O quê?
— Qualquer mensagem estranha, print suspeito, conversa duvidosa… Traga para mim primeiro. Antes de falar com o Theo. Antes de qualquer reação.
Engoli seco.
— Prometo.
Ele assentiu.
— Pode voltar. E não perca de vista quem está do seu lado de verdade.
Voltei para a porta.
Theo estava ali, exatamente no mesmo lugar, como se não tivesse respirado desde que eu saí.
Quando me viu, o corpo dele relaxou um pouco.
— E aí? — ele perguntou, com a voz baixa.
Respirei fundo.
— Theo… ele está indo mais longe do que você imagina. E a escola já sabe disso.
Os olhos dele ficaram mais sérios.
— O que exatamente ele fez agora?
Eu senti a verdade pesada na boca.
E respondi:
— Ele pediu para a escola separar a gente.
Theo ficou paralisado por um segundo.
Mas não de medo.
De raiva.
De indignação silenciosa.
De p******o.
Theo ficou parado por alguns segundos depois de eu dizer:
“Ele pediu para a escola separar a gente.”
Os olhos dele estavam tensos, firmes, como se finalmente tivesse encontrado o fio certo para puxar — o fio que revelaria tudo.
— Ele não vai conseguir. — Theo repetiu, mais firme. — Não dessa vez.
A convicção dele era diferente.
Não era explosiva.
Não era agressiva.
Era decisiva.
Maria estava um pouco atrás, observando tudo com atenção, mas em silêncio — como se soubesse que esse momento era só nosso.
Theo deu um passo na minha direção.
— O que mais ele disse? — ele perguntou.
Respirei fundo.
— Ele falou com a coordenação e mandou uma mensagem. Disse que a situação aqui é “uma repetição”.
Theo fechou o punho com força.
— Ele não aprendeu nada com o que fez da última vez.
— Ele aprendeu sim. — respondi.
Theo franziu o cenho.
— Ele aprendeu exatamente como usar a escola a favor dele.
O olhar de Theo mudou sutilmente.
Eu vi a ficha cair.
— Ele tá repetindo o mesmo roteiro. — Theo disse. — Mesmo jeitinho, mesmo começo, mesma pressão.
— Exato. — respondi.
Mas então acrescentei:
— Só que agora tem uma diferença.
Theo ergueu o olhar instantaneamente.
— Qual?
Peguei o celular no bolso.
— Ele deixou rastro.
Theo ficou imóvel.
Atento.
— Que rastro?
Abri a galeria.
Mostrei o print que circulou no grupo:
“Denúncia registrada por: J. Duarte.”
Theo franziu o cenho, mas não com surpresa dessa vez — com análise.
— Isso deveria ser segredo. — ele murmurou. — Ele não podia ter aparecido assim.
— Mas apareceu. — falei — E isso diz alguma coisa.
Theo se aproximou um pouco mais, olhando o print com atenção.
— Ele sempre usou a p******o da escola pra agir por fora. Mas agora ele está deixando o nome dele aparecer nos documentos internos?
— Sim. — confirmei — Isso não é normal.
Theo balançou a cabeça.
— Não mesmo.
E então eu percebi a primeira contradição — algo que não fazia sentido, mas que eu não tinha notado até ouvir a respiração acelerada de Theo.
— Theo… — falei devagar — se ele queria repetir a história sem ser descoberto…
— Por que colocou o nome dele? — Theo completou.
Eu assenti.
Theo deu um passo para trás, pensativo, como se aquilo abrisse uma porta dentro da cabeça dele.
— Ou ele cometeu um erro… — Theo disse — Ou ele quer que eu veja que é ele.
A frase ecoou dentro de mim.
— Ele quer que você veja. — respondi. — Ele quer que você saiba que ele está envolvido.
Theo passou a mão pelos cabelos, inquieto.
— Isso muda tudo. Porque, da última vez, ele se escondeu totalmente. Ele manipulou tudo, mas ninguém conseguia provar nada.
— E agora?
Theo me encarou.
— Agora ele tá mais confiante. Confiante demais.
— Confiante no quê? — perguntei.
Theo respirou fundo.
— Que você vai reagir igual a Júlia. Que você vai duvidar de mim e vai se afastar.
O estômago revirou — não de medo, mas de raiva pela clareza c***l da situação.
— Mas eu não vou. — falei firme. — E isso é o que ele não esperava.
Theo ficou em silêncio.
Um silêncio pesado, cheio de significado.
Então, pela primeira vez desde que começamos essa conversa, algo diferente apareceu no olhar dele:
esperança.
Ele disse:
— Ele não sabia quem você era, Lívia. Ele não sabia que você ia olhar pras coisas e questionar. Ele pensou que você ia quebrar fácil igual ela.
A raiva por Júlia e por mim apertou o peito ao mesmo tempo.
— Então ele errou comigo. — falei.
Theo assentiu.
— Sim. E agora ele tá começando a perceber isso.
Eu respirei fundo.
— E o que a gente faz agora?
Theo se aproximou mais, sem tocar em mim, mas perto o suficiente para que eu sentisse o peso da presença dele.
— Agora a gente faz o que ele não espera que a gente faça.
— O quê?
Theo olhou nos meus olhos — firme, decidido.
— A gente fica junto na mesma versão. Sem dar espaço pra ele escrever outra no nosso lugar.
Meu coração disparou.
— Isso faz diferença? — perguntei.
Theo respirou fundo.
— Fez falta com a Júlia.
Ele parou um pouco, mas com o rosto cheio de dor.
— Ela acreditou na versão dele… porque eu cheguei tarde demais pra contar a minha.
O impacto dessas palavras me atravessou por inteiro.
— E comigo? — perguntei, calma.
Theo respondeu sem hesitar:
— Com você, eu não cheguei tarde. Ainda dá pra evitar o que aconteceu com ela.
Fiquei em silêncio por alguns segundos.
Era muita coisa.
Mas tudo fazia sentido.
Theo continuou:
— A gente já sabe quem tá por trás. A gente já viu como ele age. E agora temos a primeira contradição real no que ele faz.
Respirei fundo.
— Então… isso é vantagem?
Ele assentiu.
— É o começo.
O silêncio se instalou de novo, mas dessa vez não era um silêncio pesado.
Era um silêncio que preparava o próximo passo.
Theo respirou fundo.
— Livia… Agora falta só uma coisa pra você entender a história toda.
Meu coração bateu mais forte.
— O quê?
Ele olhou para o chão por um segundo.
Depois voltou a olhar para mim.
— O dia em que tudo realmente quebrou. O dia em que a Júlia foi embora.
Eu senti um arrepio suave — não de medo, mas de antecipação.
Theo completou:
— E você precisa saber disso antes que ele conte do jeito dele.
Alguém chamou do corredor:
— Navarro! A diretora quer você agora!
Theo fechou os olhos, irritado.
— De novo. — ele murmurou.
Mas antes de ir, ele colocou a mão na porta e falou:
— Não vai embora. Porque quando eu voltar… eu termino essa parte.
Eu assenti.
Ele saiu.
E eu fiquei ali, com uma certeza batendo forte dentro de mim:
A história da Júlia estava prestes a revelar o que ninguém viu — nem mesmo o Theo.