O sol já havia se escondido atrás das colinas quando uma carruagem escura parou diante da modesta casa dos Pérez.
As rodas estalaram sobre a terra seca, chamando a atenção das irmãs que ainda estavam acordadas, sentadas à mesa tentando decidir o que fariam caso o pai não voltasse naquela noite.
Clara foi a primeira a se levantar, com o coração apertado.
— Quem viria aqui a essa hora?
Teresa foi até a janela e puxou a cortina com cuidado. Ao ver o brasão dourado pintado discretamente na lateral da carruagem, empalideceu.
— Santo Deus… é um Cavalcante.
As três trocaram olhares tensos.
Antes que pudessem decidir o que fazer, ouviram o som firme de passos no alpendre e, logo em seguida, três batidas pesadas na porta.
Amélie, sem saber por quê, sentiu o coração disparar.
Algo dentro dela dizia que sabia quem estava do outro lado.
Quando abriu a porta, a luz das lamparinas revelou Estefano Cavalcante, impecavelmente vestido, com o sobretudo preto e o olhar intenso.
Por um instante, ele pareceu surpreso também como se não esperasse vê-la tão de perto, sob aquela luz suave que realçava seus olhos cor de mel.
— Boa noite, senhorita Pérez, — disse ele, inclinando levemente a cabeça. A voz era cortês, mas carregava uma firmeza que impunha respeito. — Vim falar com seu pai.
Amélie hesitou.
— Meu pai… não está em casa, senhor.
— Não está? — ele ergueu uma sobrancelha, observando-a atentamente. — Imagino que deva retornar em breve.
Teresa, que até então observava da sala, aproximou-se com cuidado.
— Senhor Cavalcante, meu pai saiu há algum tempo. Se deseja tratar de negócios, posso pedir que volte amanhã.
Estefano pousou o olhar sobre ela, depois novamente em Amélie.
— Negócios não esperam o amanhecer, senhorita. — A pausa foi longa. — Principalmente quando envolvem dívidas.
O silêncio na sala foi quase palpável.
Teresa apertou o xale nos ombros, tentando conter a indignação.
— Então veio cobrar? À noite? Não há limite para as formas que os Cavalcante escolhem de humilhar os outros?
Estefano manteve a calma, mas seu olhar endureceu ligeiramente.
— Não vim humilhar ninguém. Vim conversar. — E, voltando-se a Amélie, acrescentou num tom mais suave: — Eu apenas esperava encontrar seu pai… mas vejo que não terei essa sorte.
Amélie abaixou os olhos.
— Ele… ele voltará logo, senhor.
— Espero que sim, — respondeu Estefano. — O tempo é um luxo que nem sempre podemos ter.
Por um momento, o silêncio se instalou entre os dois.
Havia algo estranho naquele olhar que ele lançava uma mistura de interesse genuíno e algo que Amélie não sabia decifrar.Ela sentiu o rosto corar, desconfortável com a própria reação.
Teresa, percebendo o clima, interveio rapidamente:
— Se me permite, senhor Cavalcante, não é apropriado permanecer aqui a essa hora.
Estefano desviou o olhar, consciente da tensão.
— Tem razão. — Ele ajeitou o chapéu e deu um passo para trás. — Direi a seu pai, quando o encontrar, que espero sua resposta em breve.
Antes de se afastar, voltou-se novamente para Amélie.
O olhar dele se suavizou, e por um instante o tom altivo deu lugar a algo quase… humano.
— Espero, senhorita Pérez, que sua família encontre uma solução que não envolva mais sofrimento.
E então ele inclinou a cabeça em um gesto de cortesia, virou-se e caminhou até a carruagem.
As rodas voltaram a girar, afastando-se lentamente na escuridão.
Dentro da casa, o silêncio reinou.Amélie ainda olhava pela janela, o coração batendo rápido demais.
— Ele não veio apenas cobrar, — murmurou Teresa, séria. — Eu vi o modo como olhou para você, Amélie.
Clara cruzou os braços.
— E se for isso… então as intenções dele são ainda piores do que imaginávamos.
Amélie afastou o olhar, confusa e assustada.
Lá fora, o som distante da carruagem se perdeu entre as colinas, mas algo dentro dela dizia que aquela não seria a última vez que veria Estefano Cavalcante.