A manhã seguinte parecia mais leve o sol finalmente rompia as nuvens, e o ar frio do outono entrava pelas janelas abertas do corredor principal. Amélie caminhava devagar, ainda um pouco fraca, quando uma das criadas se aproximou apressada.
— A senhora Francesca deseja falar com você… agora — disse em tom cauteloso.
O coração de Amélie gelou.
As palavras soaram como um chamado para o abate.
Mas ela respirou fundo e seguiu, o passo hesitante, até o grande salão onde Francesca costumava tomar o chá da manhã.
A mulher estava sentada à mesa, impecável como sempre o vestido azul-escuro sem um vinco fora do lugar, o cabelo preso num coque elegante e o olhar frio, impenetrável.
Ao ver Amélie, esboçou um leve sorriso.
— Amélie, querida — disse, com uma voz doce demais para soar verdadeira. — Sente-se.
Amélie obedeceu, mantendo as mãos sobre o colo e o olhar baixo.
— Eu..nem sei por onde começar — continuou Francesca, mexendo o chá como se falasse do tempo. — Foi um… exagero da minha parte. Eu agi movida pela raiva e pelo medo de ver minha casa em desordem.
Amélie manteve o silêncio, mas a confusão em seu rosto era evidente.
— Quero me desculpar com você — prosseguiu Francesca, inclinando levemente a cabeça. — Não era minha intenção causar tamanha gravidade.
Era uma encenação perfeita: o tom sereno, o olhar piedoso, até a respiração medida.
Mas havia algo por trás daquela calmaria um cálculo frio, uma estratégia bem pensada.
Amélie, ingênua, ainda tentava compreender.
— Eu… agradeço, senhora.
Francesca sorriu, satisfeita com a resposta.
— Espero que possamos começar de novo. O senhor Alonso e Estefano ficaram bastante preocupados. Seria desagradável para todos se você decidisse ir embora agora, não acha?
— Eu… não pensei em ir embora — murmurou Amélie, baixinho.
— Ótimo — disse Francesca, firme. — Porque, apesar do que aconteceu, ainda há uma dívida a ser quitada. E a melhor forma de fazer isso é… permanecendo aqui, ajudando como antes. Mas, claro — acrescentou, com um tom quase generoso — sob melhores condições.
Amélie hesitou.
— A senhora quer que eu continue servindo a casa?
— Exatamente — respondeu Francesca, levantando-se e pousando a mão sobre o ombro da moça, em um gesto ensaiado de afeto. — E se fizer isso, garantirei que seu pai não sofra mais nenhuma cobrança.
O toque da mulher era leve, mas gelado como o mármore.
Amélie sentiu um nó na garganta.
Parte dela queria acreditar naquelas palavras, mas outra parte a que já conhecia o olhar c***l da matriarca sentia um arrepio de alerta.
— Sim, senhora — respondeu enfim, com a voz baixa. — Farei o que for preciso.
Francesca sorriu, satisfeita.
— Assim está melhor. Vejo que é uma moça sensata.
E enquanto se afastava, a sombra de um sorriso frio cruzou-lhe o rosto.
"Que ela acredite no perdão,” pensou. “Enquanto isso, ela me paga cada centavo e se possível, bem mais.”