A madrugada já avançava quando Frederic Pérez empurrou a porta de casa.
Ela rangeu alto, quebrando o silêncio pesado do lar.
O cheiro de álcool o precedeu, forte, amargo, como se o próprio ar se contaminasse com sua derrota.
As lamparinas estavam apagadas, mas a brasa no fogão ainda ardia fraca, lançando uma luz avermelhada pelas paredes.
Frederic cambaleou até a mesa, jogando o chapéu num canto e se deixando cair na cadeira.
Os olhos cansados e avermelhados revelavam noites sem descanso e o peso de dívidas que pareciam engolir não apenas seu bolso, mas sua alma.
De repente, um barulho leve.
A porta do quarto rangeu, e Teresa, a mais velha, apareceu com o xale nos ombros.
Logo atrás, vinham Clara e Amélie, sonolentas, mas preocupadas.
— Papá… o senhor voltou tarde outra vez — disse Teresa, com voz baixa, cautelosa.
Frederic passou a mão pelo rosto, irritado.
— Tarde? Eu volto quando posso! — respondeu, a voz rouca, trêmula. — Trabalhei o dia inteiro, não mereço um copo de descanso?
Clara se aproximou, tentando soar calma:
— Ninguém está dizendo isso, papá. Só… estamos preocupadas.
Ele riu, um riso seco.
— Preocupadas? Vocês não sabem o que é preocupação. Não sabem o que é ter um nome arrastado na lama, ver homens te cercando e chamando de devedor!
Amélie deu um passo à frente.
— Foram os Cavalcante de novo, papá?
O homem ergueu o olhar, furioso.
— Não diga esse nome! — gritou, batendo com a mão na mesa. O som ecoou pela casa, fazendo as irmãs estremecerem. — Eles… eles vão conseguir o que querem, esses malditos!
— E o que é que eles querem? — perguntou Teresa, com a voz firme, ainda que o medo lhe tremesse nos lábios.
Frederic desviou o olhar.
Por um instante, parecia um homem completamente vencido o olhar perdido, os ombros caídos, a alma esgotada.
— Querem tudo, Teresa. Querem o que tenho, o que não tenho… — murmurou. — E se eu não pagar…
— Se o senhor não pagar, o quê? — insistiu Amélie, sentindo o coração acelerar.
Ele a olhou e o olhar dele era uma mistura de ternura e desespero.
— Se eu não pagar, eles virão buscar o que for mais valioso para mim.
As palavras ficaram suspensas no ar, como um veneno lento.
As irmãs se entreolharam, o medo crescendo.
— O senhor prometeu algo? — sussurrou Clara, trêmula. — O que o senhor ofereceu, papá?
Frederic se levantou bruscamente, derrubando a cadeira.
— Basta! — rugiu. — Eu não devo explicações a ninguém nesta casa!
E antes que qualquer uma tentasse impedi-lo, ele pegou o casaco, empurrou a porta e desapareceu na escuridão da madrugada o som de seus passos misturando-se ao vento frio e ao farfalhar das árvores.
Ficaram as três, paradas, olhando para a porta aberta.
O medo havia se transformado em algo mais sombrio uma sensação de que algo inevitável estava por vir.
Amélie, com o coração apertado, foi a primeira a falar:
— Ele vai acabar se perdendo de vez…
Teresa a abraçou, silenciosa.
Mas, no fundo, todas sabiam: Frederic já estava se perdendo há muito tempo.
E agora, talvez, o preço de suas escolhas viesse cobrado não apenas em dinheiro mas em sangue, honra… ou no destino de uma de suas filhas.