Capítulo 5. Estefano Cavalcante

791 Words
Três dias se passaram desde a noite em que Frederic voltara para casa cambaleando. Desde então, ele pouco falava saía cedo, voltava tarde, evitava o olhar das filhas. Mas, por dentro, o medo o consumia. A cada martelada na madeira, a cada batida do vento, ele ouvia um nome ecoar em sua mente: Cavalcante. Na manhã do quarto dia, o céu estava pesado de nuvens, e o ar cheirava a chuva.Frederic trabalhava sozinho na parte dos fundos da madeireira, tentando ignorar a dor nas mãos e o peso do coração. Foi então que o som dos cascos ecoou na estrada de terra.Os trabalhadores pararam o que faziam. Uma carruagem n***a, elegante, com o brasão dourado dos Cavalcante, aproximou-se lentamente, atraindo olhares curiosos e temerosos. De dentro, desceu primeiro Julián Cortés, o mesmo cobrador que o havia visitado dias antes. Mas, dessa vez, não estava sozinho. Atrás dele, saltou um jovem de porte distinto, de não mais que vinte e seis anos. Usava um sobretudo escuro, luvas de couro e um chapéu fino. O olhar profundo e frio varreu o ambiente com desinteresse, até pousar sobre Frederic. — Senhor Pérez — disse Julián, com aquela mesma voz educada e cortante. — Espero que se lembre de mim. Frederic endireitou o corpo, limpando as mãos no avental, o semblante pálido. — Eu me lembro, sim. — Que bom. — Julián sorriu, mas os olhos não sorriram. — Permita-me apresentar o senhor Estefano Cavalcante, filho de Don Alonso, nosso mestre e benfeitor. O nome fez os murmúrios se espalharem entre os trabalhadores.Estefano inclinou levemente a cabeça, observando Frederic como quem avalia um número, não um homem. — Meu pai pediu que eu o acompanhasse — disse ele, com voz grave e calma. — Gosta de resolver assuntos... pessoalmente. Frederic engoliu em seco. — Eu... já disse que vou pagar. Só preciso de tempo. Estefano arqueou uma sobrancelha. — O tempo, senhor Pérez, é o que mais custa caro. — Deu um passo à frente, o tom sem raiva, mas cheio de poder. — Meu pai tem dívidas maiores que a sua. Mas não gosta de promessas vazias. Frederic cerrou os punhos. — Eu não fujo de compromissos. — Espero que não — respondeu Estefano, friamente. — Seria uma pena ter de lembrar-lhe de forma mais... direta. O ar ficou denso. O som das serras ao fundo cessou completamente.E foi nesse instante que uma voz suave ecoou pela porta da madeireira: — Papá! Todos se viraram. Amélie estava parada à entrada, o vestido simples de algodão azul ligeiramente molhado pela garoa, os cabelos castanhos curtos presos atrás da orelha, os olhos cor de mel cheios de preocupação. — Papá, o senhor esqueceu o casaco... — disse, ofegante, segurando a peça dobrada nos braços. Frederic empalideceu ainda mais. — Amélie, vá para casa! Mas era tarde. O olhar de Estefano já havia se voltado para ela.Por um instante, o tempo pareceu parar. O jovem Cavalcante, acostumado a ser obedecido, admirado e temido, não esperava ser surpreendido por algo tão simples um rosto, uma presença, uma delicadeza que contrastava com o cinza da manhã. Os olhos dele percorreram o rosto da moça com discrição, detendo-se nos detalhes que o instinto capturava: o brilho tímido no olhar, a serenidade no meio da confusão, a forma como ela apertava o casaco contra o peito, nervosa, mas firme, o tom doce de sua voz, quase cantado a seus ouvidos. Julián percebeu a distração e pigarreou. — Senhor Estefano…? Ele desviou o olhar, recompondo-se, mas o tom já havia mudado mais brando, quase curioso. — Esta é sua filha, senhor Pérez? Frederic hesitou. — É... sim. Minha caçula. Amélie. Estefano inclinou a cabeça, com um meio sorriso. — Um belo nome. Amélie, sem entender o motivo da tensão, fez uma leve reverência, educada. — Muito prazer, senhor. — O prazer é todo meu. — A resposta saiu num tom baixo, quase inaudível, mas carregada de algo que nem ele mesmo soube definir. O silêncio que se seguiu foi interrompido por Julián. — Senhor Pérez, traga a quantia até o fim da semana. O prazo final foi concedido por gentileza de Don Alonso. Estefano deu um último olhar para Amélie antes de se virar. — Cuide para não dar motivos a novos encontros… desagradáveis. — Mas a forma como disse encontros soou diferente como se, pela primeira vez, não tivesse certeza se realmente não queria reencontrá-la. A carruagem partiu, desaparecendo pela estrada. Frederic ficou parado, o corpo trêmulo.Amélie se aproximou, aflita. — Papá… quem eram esses homens? Ele passou a mão pelo rosto, abatido. — Gente com quem eu devia ter deixado de lidar há muito tempo. E saiu andando, deixando-a parada no meio da madeireira, com o coração acelerado de preocupação.
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