Capítulo 6. Aliança de paz

711 Words
A carruagem cortava o caminho lamacento de volta à mansão dos Cavalcante, o barulho das rodas se misturando ao trotar firme dos cavalos. Dentro, Estefano estava silencioso, o olhar perdido pela janela, assistindo à paisagem rural desaparecer sob o nevoeiro da tarde. Desde que deixara a madeireira, não conseguia afastar da mente a imagem da moça aquele rosto sereno, o olhar amendoado, a voz suave dizendo o nome do pai. Era um detalhe insignificante, e, ainda assim, o perturbava de um modo incomum. Julián, sentado à frente, lançou-lhe um olhar discreto. — O senhor parece pensativo, senhor Estefano. O jovem não respondeu de imediato. Passou os dedos pela luva, retirando-a lentamente. — Aquele homem… Pérez. — Disse, por fim, num tom controlado. — Está mais arruinado do que pensei. — De fato. — Julián assentiu. — O atraso já ultrapassa três meses. Seu pai cogitava enviar os guardas, mas a presença do senhor bastou para intimidá-lo. Estefano esboçou um sorriso de canto, sem humor. — Intimidar é fácil. O problema é tirar dinheiro de um homem que não o tem. O resto do caminho seguiu em silêncio. A mansão Cavalcante, erguida no alto de uma colina, era uma fortaleza de pedra clara, com janelas altas e jardins geométricos perfeitamente cuidados. Servos abriram as portas assim que a carruagem parou. O interior exalava luxo e autoridade: mármores importados, tapeçarias flamengas e o brasão dourado da família gravado nas paredes dois leões ladeando um sol coroado. No salão principal, diante da lareira acesa, estava Don Alonso Cavalcante, o patriarca. Homem de meia-idade, de cabelos grisalhos penteados para trás e um olhar frio que parecia pesar cada palavra dita à sua frente. Ao ver o filho, ele ergueu uma taça de vinho. — Estefano. Já esperava por você. — O tom era sempre calmo, mas carregado de autoridade. — Então, o senhor Pérez lembrou-se de honrar o que deve? Estefano retirou o chapéu e o apoiou sobre o braço da poltrona. — Não, pai. Mas creio que não é por má-fé. É miséria. Don Alonso riu brevemente, sem humor. — Miséria é um termo que os fracos usam para justificar a incompetência. Se ele não pode pagar, pagará com o que tiver. — Deu um gole lento no vinho. — É a regra. — Eu sei — respondeu Estefano, com serenidade. — Mas, talvez, desta vez, possamos ser… criativos. O pai o olhou, interessado. — Criativos? Estefano se aproximou da lareira, as chamas iluminando seus olhos castanho-escuros. — O homem está perdido. Mas tem filhas. Quatro, se não me engano. — Fez uma pausa breve, deixando a ideia se formar. — A mais nova… Amélie. O nome pareceu sair com um gosto estranho, como se quisesse escondê-lo e saboreá-lo ao mesmo tempo. Don Alonso pousou a taça sobre a mesa. — E o que há com ela? — Se o senhor Pérez não pagar até o prazo, poderemos propor outro tipo de acordo. — Estefano cruzou as mãos às costas. — Uma aliança de paz. A moça… poderia ser entregue à nossa família. O patriarca arqueou as sobrancelhas, analisando o filho. — Uma aliança? Com um madeireiro arruinado? — Justamente por isso. — Estefano ergueu o olhar, firme. — Seria um gesto de generosidade aos olhos da cidade. Uma demonstração de que os Cavalcante sabem perdoar quando lhes convém. Don Alonso o observou longamente, como quem lê entre as entrelinhas. — E seria apenas isso? Um gesto político? O silêncio que se seguiu respondeu por ele.Estefano desviou o olhar, controlado, mas o leve aperto na mandíbula o denunciou. Don Alonso deu uma risada seca. — Entendo. Então o leão encontrou algo que lhe desperta curiosidade. Estefano permaneceu sério. — Apenas digo que, se o homem não puder pagar, Amélie Pérez será minha exigência.Como garantia da dívida… e como prova de lealdade. Don Alonso inclinou-se na poltrona, satisfeito. — Muito bem, meu filho. Você está aprendendo a falar como um Cavalcante. A chama da lareira estalou alto, refletindo no olhar do jovem herdeiro um olhar que misturava determinação e um desejo que ele próprio ainda não compreendia. No coração da mansão, uma decisão havia sido tomada. E, sem saber, Amélie Pérez acabara de se tornar a moeda de um jogo do qual jamais escolhera participar.
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