A carruagem cortava o caminho lamacento de volta à mansão dos Cavalcante, o barulho das rodas se misturando ao trotar firme dos cavalos.
Dentro, Estefano estava silencioso, o olhar perdido pela janela, assistindo à paisagem rural desaparecer sob o nevoeiro da tarde.
Desde que deixara a madeireira, não conseguia afastar da mente a imagem da moça aquele rosto sereno, o olhar amendoado, a voz suave dizendo o nome do pai.
Era um detalhe insignificante, e, ainda assim, o perturbava de um modo incomum.
Julián, sentado à frente, lançou-lhe um olhar discreto.
— O senhor parece pensativo, senhor Estefano.
O jovem não respondeu de imediato. Passou os dedos pela luva, retirando-a lentamente.
— Aquele homem… Pérez. — Disse, por fim, num tom controlado. — Está mais arruinado do que pensei.
— De fato. — Julián assentiu. — O atraso já ultrapassa três meses. Seu pai cogitava enviar os guardas, mas a presença do senhor bastou para intimidá-lo.
Estefano esboçou um sorriso de canto, sem humor.
— Intimidar é fácil. O problema é tirar dinheiro de um homem que não o tem.
O resto do caminho seguiu em silêncio.
A mansão Cavalcante, erguida no alto de uma colina, era uma fortaleza de pedra clara, com janelas altas e jardins geométricos perfeitamente cuidados.
Servos abriram as portas assim que a carruagem parou.
O interior exalava luxo e autoridade: mármores importados, tapeçarias flamengas e o brasão dourado da família gravado nas paredes dois leões ladeando um sol coroado.
No salão principal, diante da lareira acesa, estava Don Alonso Cavalcante, o patriarca.
Homem de meia-idade, de cabelos grisalhos penteados para trás e um olhar frio que parecia pesar cada palavra dita à sua frente.
Ao ver o filho, ele ergueu uma taça de vinho.
— Estefano. Já esperava por você. — O tom era sempre calmo, mas carregado de autoridade. — Então, o senhor Pérez lembrou-se de honrar o que deve?
Estefano retirou o chapéu e o apoiou sobre o braço da poltrona.
— Não, pai. Mas creio que não é por má-fé. É miséria.
Don Alonso riu brevemente, sem humor.
— Miséria é um termo que os fracos usam para justificar a incompetência. Se ele não pode pagar, pagará com o que tiver. — Deu um gole lento no vinho. — É a regra.
— Eu sei — respondeu Estefano, com serenidade. — Mas, talvez, desta vez, possamos ser… criativos.
O pai o olhou, interessado.
— Criativos?
Estefano se aproximou da lareira, as chamas iluminando seus olhos castanho-escuros.
— O homem está perdido. Mas tem filhas. Quatro, se não me engano. — Fez uma pausa breve, deixando a ideia se formar. — A mais nova… Amélie.
O nome pareceu sair com um gosto estranho, como se quisesse escondê-lo e saboreá-lo ao mesmo tempo.
Don Alonso pousou a taça sobre a mesa.
— E o que há com ela?
— Se o senhor Pérez não pagar até o prazo, poderemos propor outro tipo de acordo. — Estefano cruzou as mãos às costas. — Uma aliança de paz. A moça… poderia ser entregue à nossa família.
O patriarca arqueou as sobrancelhas, analisando o filho.
— Uma aliança? Com um madeireiro arruinado?
— Justamente por isso. — Estefano ergueu o olhar, firme. — Seria um gesto de generosidade aos olhos da cidade. Uma demonstração de que os Cavalcante sabem perdoar quando lhes convém.
Don Alonso o observou longamente, como quem lê entre as entrelinhas.
— E seria apenas isso? Um gesto político?
O silêncio que se seguiu respondeu por ele.Estefano desviou o olhar, controlado, mas o leve aperto na mandíbula o denunciou.
Don Alonso deu uma risada seca.
— Entendo. Então o leão encontrou algo que lhe desperta curiosidade.
Estefano permaneceu sério.
— Apenas digo que, se o homem não puder pagar, Amélie Pérez será minha exigência.Como garantia da dívida… e como prova de lealdade.
Don Alonso inclinou-se na poltrona, satisfeito.
— Muito bem, meu filho. Você está aprendendo a falar como um Cavalcante.
A chama da lareira estalou alto, refletindo no olhar do jovem herdeiro um olhar que misturava determinação e um desejo que ele próprio ainda não compreendia.
No coração da mansão, uma decisão havia sido tomada.
E, sem saber, Amélie Pérez acabara de se tornar a moeda de um jogo do qual jamais escolhera participar.