Capítulo 2 - Segredo

798 Words
O dia seguinte amanheceu nublado, o vento frio do outono soprando pelas frestas das janelas da casa dos Pérez. O café estava servido, mas ninguém parecia ter muito apetite. Teresa lia um jornal velho, Clara costurava em silêncio, e Isabel observava os pardais no telhado pela janela. Amélie descia as escadas devagar, o pensamento ainda preso à noite anterior. O pai dormia profundamente, ainda na poltrona, como se o peso do mundo o tivesse vencido. Sentou-se à mesa e, depois de um breve silêncio, falou: — Ontem à noite... eu fui ver o papai. Ele adormeceu antes de chegar ao quarto. Teresa levantou os olhos do jornal, desconfiada. — E? — Ele estava murmurando algo. Um nome. Clara ergueu a cabeça da costura. — Um nome? — Sim... “Cavalcante.” — Amélie pronunciou com cuidado, como se o som da palavra pudesse quebrar algo dentro da sala. O ar pareceu mudar. O jornal nas mãos de Teresa baixou lentamente. Isabel desviou o olhar pela janela. Clara deixou cair a agulha sobre a mesa. — Vocês conhecem esse nome? — perguntou Amélie, a voz baixa. — Parecia importante... ou triste. Teresa foi a primeira a se recompor. — Você deve ter ouvido errado, Amélie. — Sorriu sem convicção. — Papai fala coisas sem sentido quando bebe. — Não — insistiu ela. — Eu ouvi claramente. “Cavalcante.” Ele repetiu duas vezes. Isabel apertou as mãos no colo, o rosto pálido. Clara pigarreou, tentando disfarçar. — Deve ser coisa da cabeça dele, querida. Vamos esquecer isso, sim? Mas Amélie percebeu o olhar trocado entre as três rápido, carregado de algo que ela nunca havia visto antes: medo. Teresa levantou-se e recolheu as xícaras vazias. — Temos trabalho a fazer. O Sr. Domínguez vai passar para buscar as roupas ainda hoje. O assunto foi encerrado ali, ao menos por elas. Mas não dentro de Amélie. Enquanto as irmãs retomavam suas tarefas, ela ficou parada, olhando para o nada, repetindo em pensamento aquele nome que agora soava como um eco distante: Cavalcante. Amélie saiu pouco depois do almoço, dizendo que iria até a padaria buscar farinha. As irmãs sabiam que era só uma desculpa para escapar um pouco da tensão que pairava sobre a casa. Assim que o som dos passos dela se perdeu pela estrada, Teresa fechou a porta da frente, olhou pela janela para se certificar de que a caçula já estava longe e voltou-se para Clara e Isabel. — Ela ouviu mesmo, não há dúvida — disse em voz baixa, o tom firme, mas preocupado. — Cavalcante. Clara passou a mão trêmula pelo avental, sentando-se à mesa. — Eu sabia que esse nome ainda ia voltar para nos assombrar. Isabel, pálida, sussurrou: — Será que ele... contou a ela alguma coisa? — Não — respondeu Teresa de pronto. — Nosso pai não fala disso. Nem quando está bêbado. Mas se ela ouviu esse nome, é porque está mais fundo na cabeça dele do que imaginávamos. O silêncio que se seguiu foi pesado. Lá fora, o vento batia nas janelas e fazia ranger as dobradiças. — Os Cavalcante… — murmurou Clara. — Todos em Valderosa sabem quem são. Gente de muito dinheiro, influência e pouca compaixão. Dizem que emprestam dinheiro a juros impossíveis e que tomam terras quando alguém não paga. — E o papai… — completou Isabel, hesitante. — Ele sempre teve trabalho. Vende bem na madeireira, mas o dinheiro… nunca sobra. Teresa cruzou os braços, pensativa. — Exatamente. Toda vez que ele recebe, desaparece uma quantia. Ele diz que é para pagar dívidas antigas, mas nunca explicou quais. Clara olhou para as duas irmãs mais velhas com olhos arregalados. — Vocês acham que ele… que o papai deve aos Cavalcante? Teresa respirou fundo. — Eu não acho, Clara. Eu tenho quase certeza. Isabel levou a mão à boca, alarmada. — Mas se for verdade, eles não vão deixar barato. Os Cavalcante não perdoam dívidas, ainda mais de um homem que já perdeu o nome na vila. Teresa assentiu, séria. — Por isso precisamos manter Amélie longe disso. Ela é muito jovem, muito inocente. Se começar a fazer perguntas, pode acabar se metendo onde não deve. Clara apertou o tecido nas mãos, nervosa. — E se já for tarde demais? Teresa lançou um olhar duro à irmã. — Então teremos de protegê-la, custe o que custar. Lá fora, os sinos da igreja começaram a tocar, ecoando pela colina. Isabel se aproximou da janela e observou Amélie descendo a rua, os cabelos castanhos escuros dançando ao vento. — Ela vai descobrir, Teresa. Um dia, vai descobrir tudo. Teresa fechou os olhos por um instante, o peso do segredo visível em seu rosto cansado. — Espero que, quando esse dia chegar, ainda haja algo que possamos fazer para impedi-la.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD