A noite já havia tomado conta do vilarejo quando Amélie atravessou os portões da mansão Cavalcante. O caminho de pedra estava úmido pelo sereno, e o som de seus passos era o único a quebrar o silêncio do pátio.
Ela segurava a saia com cuidado para não tropeçar, o coração apertado cada vez que voltava ali, sentia como se o ar se tornasse mais pesado, mais frio.
Ao chegar perto da entrada lateral, onde as criadas costumavam passar, uma voz familiar a fez parar.
— Senhorita Pérez.— o tom grave da sua voz a fez arrepiar,o timbre era inconfundível
Ela se virou lentamente e o viu à sombra das colunas, ainda com o casaco escuro dos negócios, o rosto iluminado apenas pelo brilho da lamparina do corredor.
— Voltou tarde — disse ele, em tom brando, aproximando-se devagar. — Fiquei preocupado.
Amélie abaixou o olhar, apertando as mãos diante do avental.
— Fui visitar minha família, senhor… pedi permissão à senhora Francesca.
— Eu sei. — Estefano assentiu, os olhos buscando os dela. — Mas queria ter ido com você.
A frase soou quase como um sussurro, cheio de intenções não ditas.Amélie deu um passo para trás, nervosa.
—Senhor.. — respondeu, tentando soar firme. — O senhor tem seus assuntos, e eu… os meus deveres.
Estefano percebeu o recuo.Ele parou onde estava, respeitando a distância, mas a voz dele carregava algo entre mágoa e ternura.
— Eu não quero que tenha medo de mim, Amélie.
Ela respirou fundo, finalmente levantando os olhos cor de mel para ele.
— Eu não tenho medo do senhor… — mentiu, com um tremor que a denunciava. — Só… só não quero causar mais problemas.
— Problemas? — Ele franziu o cenho. — Acha que eu a proteger seria um problema?
Amélie desviou o olhar.
— O senhor não pode me proteger, senhor Estefano. Nem a mim, nem a si mesmo.
O nome dele em sua boca o atingiu como um golpe suave.Ele deu um passo à frente, mas ela se afastou de novo, os olhos marejados.
— A senhora Francesca já me odeia o bastante — sussurrou ela. — Se pensar que o senhor sente pena de mim… vai me fazer pagar por isso.
Estefano ficou em silêncio.Por um instante, todo o orgulho e a raiva que costumava exibir desapareceram. Havia apenas um homem, dividido entre a responsabilidade e o desejo de libertar alguém que o próprio nome da família o impedia de alcançar.
— Eu nunca senti pena — disse enfim, a voz baixa, firme. — O que sinto por você é outra coisa.
Amélie estremeceu.
— Não diga isso, por favor senhor.
— Por quê? — perguntou ele, dando meio passo. — Porque é errado?
Ela apertou o avental entre os dedos.
— Porque..eu não sei, só, não diga, por favor.
Estefano respirou fundo, tentando conter-se.A vontade de tocar nela, de dizer que a tiraria dali naquela mesma noite, era quase incontrolável mas o olhar dela, doce e assustado, o fez parar.
— Está bem — murmurou ele, recuando. — Não direi mais nada.
Amélie assentiu em silêncio, o coração batendo rápido demais.Antes de entrar pela porta lateral, porém, ela parou e olhou por cima do ombro.
A voz dela saiu num fio de som:
— Obrigada… por se importar, Estefano.
E então desapareceu pelo corredor, deixando Estefano sozinho na escuridão do pátio, o vento noturno passando por entre as colunas.
Ele fechou os olhos, o rosto voltado para o céu estrelado, e pensou consigo mesmo:
“Se ela teme até o meu nome… talvez o verdadeiro inimigo não seja minha mãe, mas o sangue que carrego.”