A carruagem seguia silenciosa, e o jovem Cavalcante olhava fixamente pela janela, mas não via as árvores nem as casas passando.
O que via era ela.
O vento mexendo nos cabelos curtos, o olhar doce, as palavras simples e sinceras.
Nada naquilo fazia sentido e, ainda assim, tudo nele parecia profundamente perturbado.
-Por que não consigo esquecê-la?. pensou.
Havia conhecido tantas mulheres de famílias poderosas, belas, refinadas… mas nenhuma delas o olhara daquele jeito.
Não com medo, nem com adoração.
Mas com uma mistura de firmeza e inocência que o desconcertava.
—Pobre moça.— murmurou para si— Nem imagina o tipo de mundo no qual está prestes a entrar.
Quando a carruagem parou diante do portão de ferro da mansão, o céu já escurecia. Servos correram para recebê-lo, mas ele passou direto, ignorando cumprimentos e formalidades.
Subiu as escadas de mármore e tirou o sobretudo, jogando-o sobre uma poltrona no corredor.
O som dos passos elegantes ecoou antes que uma voz feminina, serena e bem articulada, o chamasse:
— Estefano.
Ele se virou.
Sua mãe, Dona Francesca Cavalcante, aproximava-se com a graça de uma mulher acostumada a ser temida tanto quanto admirada.
Os cabelos escuros estavam presos num coque impecável, e o vestido de seda verde-escura refletia o brilho das lamparinas do corredor.
Ela sorriu, mas havia frieza em seu olhar.
— Seu pai me contou sobre… o que você sugeriu.
Estefano manteve-se firme.
— Referes-te à aliança com o senhor Pérez?
— Refiro-me ao absurdo de querer unir o nome Cavalcante ao de um madeireiro falido — retrucou ela, o tom doce e venenoso. — E, pelo que soube, a uma de suas filhas.
Ele cruzou os braços, evitando demonstrar irritação.
— Foi uma sugestão prática. Se o homem não puder pagar, uma aliança familiar sela a dívida. É política, mãe.
Francesca deu uma risadinha breve, o olhar afiado.
— Política? Não se faça de t**o, meu filho. Seu pai pode até acreditar nisso, mas eu o conheço. — Aproximou-se lentamente, com o olhar penetrante. — Fale-me da moça.
Estefano desviou o olhar por um instante.
— Chama-se Amélie. É… diferente das outras.
— Diferente? — Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada. — Diferente como?
Ele hesitou, depois respondeu com sinceridade que não planejava demonstrar:
— Não tem o brilho das damas de nossa classe. Mas tem… algo que não sei nomear. Uma serenidade. Um olhar honesto.
Francesca o observou em silêncio, como quem pesa as palavras de um filho ainda imaturo.
Depois, andou até a janela e falou com a voz calma, porém cortante:
— O olhar honesto de uma mulher pobre é apenas um espelho que reflete a compaixão dos tolos.
Estefano cerrou a mandíbula.
— Está me chamando de t**o?
— Estou dizendo que você é jovem. E que o sangue Cavalcante não foi forjado para se misturar com sentimentalismos. — Ela se voltou, o tom ficando mais frio. — Essas pessoas vivem na lama, Estefano. A pobreza é uma doença, e o coração fraco se contamina facilmente por piedade.
Ele a encarou, firme, mas o olhar denunciava o conflito que crescia dentro dele.
— Talvez o senhor Pérez tenha perdido muito… mas sua filha não me pareceu doente de nada.
Francesca o fitou longamente, decepcionada.
— Está começando a falar como um homem que confunde caridade com desejo.
— E se for desejo? — respondeu ele, num impulso.
O silêncio que seguiu foi pesado.
Francesca deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que ele sentisse o perfume leve de jasmim o mesmo que o embalara na infância.
— Então trate de sufocá-lo antes que ele destrua o nome que carrega.
Ela pousou a mão no rosto do filho, suave, mas o gesto trazia ameaça.
— Ou juro que serei eu quem lembrará ao mundo quem são os Cavalcante.
Dizendo isso, afastou-se com elegância, o som do vestido ecoando pelo corredor.
Estefano ficou parado, imóvel.
O olhar voltado para o vazio, o coração pulsando rápido.
Sabia que a mãe estava certa a família jamais aceitaria tal união.
Mas, ao fechar os olhos, tudo o que via era o rosto de Amélie.
E tudo o que sentia era o desejo irracional de vê-la novamente mesmo que isso significasse desafiar o próprio sangue.