Capítulo 10. Francesca Cavalcante

708 Words
A carruagem seguia silenciosa, e o jovem Cavalcante olhava fixamente pela janela, mas não via as árvores nem as casas passando. O que via era ela. O vento mexendo nos cabelos curtos, o olhar doce, as palavras simples e sinceras. Nada naquilo fazia sentido e, ainda assim, tudo nele parecia profundamente perturbado. -Por que não consigo esquecê-la?. pensou. Havia conhecido tantas mulheres de famílias poderosas, belas, refinadas… mas nenhuma delas o olhara daquele jeito. Não com medo, nem com adoração. Mas com uma mistura de firmeza e inocência que o desconcertava. —Pobre moça.— murmurou para si— Nem imagina o tipo de mundo no qual está prestes a entrar. Quando a carruagem parou diante do portão de ferro da mansão, o céu já escurecia. Servos correram para recebê-lo, mas ele passou direto, ignorando cumprimentos e formalidades. Subiu as escadas de mármore e tirou o sobretudo, jogando-o sobre uma poltrona no corredor. O som dos passos elegantes ecoou antes que uma voz feminina, serena e bem articulada, o chamasse: — Estefano. Ele se virou. Sua mãe, Dona Francesca Cavalcante, aproximava-se com a graça de uma mulher acostumada a ser temida tanto quanto admirada. Os cabelos escuros estavam presos num coque impecável, e o vestido de seda verde-escura refletia o brilho das lamparinas do corredor. Ela sorriu, mas havia frieza em seu olhar. — Seu pai me contou sobre… o que você sugeriu. Estefano manteve-se firme. — Referes-te à aliança com o senhor Pérez? — Refiro-me ao absurdo de querer unir o nome Cavalcante ao de um madeireiro falido — retrucou ela, o tom doce e venenoso. — E, pelo que soube, a uma de suas filhas. Ele cruzou os braços, evitando demonstrar irritação. — Foi uma sugestão prática. Se o homem não puder pagar, uma aliança familiar sela a dívida. É política, mãe. Francesca deu uma risadinha breve, o olhar afiado. — Política? Não se faça de t**o, meu filho. Seu pai pode até acreditar nisso, mas eu o conheço. — Aproximou-se lentamente, com o olhar penetrante. — Fale-me da moça. Estefano desviou o olhar por um instante. — Chama-se Amélie. É… diferente das outras. — Diferente? — Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada. — Diferente como? Ele hesitou, depois respondeu com sinceridade que não planejava demonstrar: — Não tem o brilho das damas de nossa classe. Mas tem… algo que não sei nomear. Uma serenidade. Um olhar honesto. Francesca o observou em silêncio, como quem pesa as palavras de um filho ainda imaturo. Depois, andou até a janela e falou com a voz calma, porém cortante: — O olhar honesto de uma mulher pobre é apenas um espelho que reflete a compaixão dos tolos. Estefano cerrou a mandíbula. — Está me chamando de t**o? — Estou dizendo que você é jovem. E que o sangue Cavalcante não foi forjado para se misturar com sentimentalismos. — Ela se voltou, o tom ficando mais frio. — Essas pessoas vivem na lama, Estefano. A pobreza é uma doença, e o coração fraco se contamina facilmente por piedade. Ele a encarou, firme, mas o olhar denunciava o conflito que crescia dentro dele. — Talvez o senhor Pérez tenha perdido muito… mas sua filha não me pareceu doente de nada. Francesca o fitou longamente, decepcionada. — Está começando a falar como um homem que confunde caridade com desejo. — E se for desejo? — respondeu ele, num impulso. O silêncio que seguiu foi pesado. Francesca deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que ele sentisse o perfume leve de jasmim o mesmo que o embalara na infância. — Então trate de sufocá-lo antes que ele destrua o nome que carrega. Ela pousou a mão no rosto do filho, suave, mas o gesto trazia ameaça. — Ou juro que serei eu quem lembrará ao mundo quem são os Cavalcante. Dizendo isso, afastou-se com elegância, o som do vestido ecoando pelo corredor. Estefano ficou parado, imóvel. O olhar voltado para o vazio, o coração pulsando rápido. Sabia que a mãe estava certa a família jamais aceitaria tal união. Mas, ao fechar os olhos, tudo o que via era o rosto de Amélie. E tudo o que sentia era o desejo irracional de vê-la novamente mesmo que isso significasse desafiar o próprio sangue.
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