A noite caiu densa sobre o vilarejo.Na pequena casa dos Pérez, o silêncio era cortado apenas pelo crepitar tímido da lamparina.
Nenhuma das quatro irmãs conseguira dormir desde a discussão com o pai.
Teresa caminhava de um lado para o outro, inquieta, as mãos cruzadas sobre o peito.
Isabel permanecia sentada na beira da cama, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Clara costurava rápido na esperança de aliviar a ansiedade.Amélie, porém, estava deitada, imóvel, olhando para o teto desperta, mas tranquila.
— Você não pode fazer isso, — disse Teresa, rompendo o silêncio. — É loucura, Amélie, você é uma menina.
— Eu já decidi. — A voz da caçula era suave, porém firme.
— Eles vão te usar! — exclamou Isabel, com a voz embargada. — Você acha que a senhora Cavalcante quer te ajudar? Ela quer humilhar papá...
Amélie se sentou lentamente.
A luz da lamparina desenhava sombras delicadas sobre o rosto dela.
— Talvez… — respondeu com um meio sorriso triste. — Mas se eu ficar, quem vai impedir que eles venham cobrar outra vez? E da pior forma ?
Teresa se aproximou, ajoelhando-se diante da irmã.
— Eu posso trabalhar mais, podemos vender coisas, dar um jeito… mas não vá, Amélie, por favor.
Por um instante, os olhos das quatro se encontraram ternos, aflitos, cheios de amor e medo.Mas Amélie apenas acariciou o rosto da irmã mais velha.
— Você sempre cuidou de tudo por nós, Teresa. Agora deixa eu cuidar, nem que seja um pouco, eu sei que consigo.
Ela se deitou novamente e fechou os olhos.Nenhuma das outras ousou responder.Apenas o silêncio tomou conta do quarto pesado e triste, como uma despedida.
Na manhã seguinte, o céu ainda estava pálido quando Amélie se levantou.O chão gelado tocou seus pés descalços, e o ar frio da madrugada a fez estremecer.
As irmãs dormiam, exaustas, as lágrimas ainda secando no rosto.Amélie se vestiu em silêncio o vestido simples azul, o xale de lã gasto, os sapatos remendados.Guardou a carta de Francesca Cavalcante junto ao peito, prendendo-a sob o tecido do vestido.
Antes de sair, parou diante das irmãs.Observou-as por um longo momento, o coração apertando no peito.Quis dizer algo, talvez um “adeus”, talvez um “me perdoem”.Mas as palavras não vieram.
Com um suspiro trêmulo, abriu a porta e saiu.
O vilarejo ainda dormia.
A névoa cobria os telhados, e apenas o som distante de um g**o quebrava o silêncio.Amélie caminhava com passos leves, tentando ignorar o medo que subia pelo corpo.
Quando os primeiros raios de sol tocaram as colinas, ela já avistava, imponente e fria, a mansão Cavalcante uma construção de pedra clara e janelas altas, cercada por jardins simétricos e portões de ferro.
O coração batia descompassado, mas ela não hesitou.Bateu à porta.
Um criado alto, de expressão rígida, abriu.
— Senhorita?
Amélie respirou fundo.
— Vim em resposta à carta da senhora Francesca Cavalcante.
O criado a observou por um instante a roupa modesta, o olhar firme, o sotaque simples.Depois, assentiu e fez sinal para que entrasse.
Ao atravessar o grande hall, Amélie sentiu o chão de mármore frio sob os pés e o perfume de rosas e cera de velas no ar.Tudo era tão grandioso que parecia outro mundo.
De repente, ouviu o som de passos elegantes descendo a escada.Francesca Cavalcante surgiu vestida de preto, os cabelos presos num coque impecável, o olhar calculado.Ela parou no último degrau, observando a jovem que aguardava no centro do salão.Os olhos de Francesca percorreram Amélie da cabeça aos pés, como quem avalia uma joia bruta.
— Então… — disse, com um leve sorriso frio — a filha de Frederic Pérez aceitou minha oferta.
Amélie abaixou a cabeça respeitosamente.
— Sim, senhora. Vim servir, se ainda desejar.
Francesca caminhou lentamente até ela, os passos ecoando no mármore.Parou diante da moça, tão próxima que Amélie pôde sentir o leve perfume de jasmim.
— Desejar? — repetiu Francesca, com ironia. — Ah, minha querida… eu contava com isso.
O sorriso dela cresceu, e Amélie sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha um pressentimento de que acabara de atravessar uma porta que jamais se fecharia da mesma forma.