Espanha, 1890 — Vila de Valderosa
O sol nascia preguiçoso por trás das colinas de Valderosa, tingindo o céu de tons dourados e rosados. As ruas ainda estavam vazias, exceto por algumas carroças rangendo ao longe e o som distante de sinos que anunciavam o início de mais um dia.
Na casa dos Pérez, o aroma de pão recém-assado se misturava ao cheiro do café forte. Amélie, a mais nova das quatro irmãs, se apressava em colocar lenha no fogão, as bochechas coradas pelo calor e pela vida que pulsava dentro dela. Tinha apenas dezoito anos, mas carregava nos ombros uma maturidade que o destino lhe impôs cedo demais.
As irmãs Teresa, a mais velha e de semblante sério, Clara, de mãos habilidosas com a costura, e Isabel, a sonhadora a ensinavam tudo o que sabiam: cozinhar, costurar, cuidar da casa, e, acima de tudo, manter a cabeça erguida, mesmo quando o mundo parecia desabar.
O pai, Frederic Pérez, outrora um homem vigoroso e orgulhoso, agora se perdia com frequência entre garrafas e silêncios. Desde a morte de sua esposa levada pelo parto que trouxe Amélie ao mundo o homem nunca mais fora o mesmo. Às vezes, nas raras noites em que voltava sóbrio, olhava para a filha caçula com uma ternura contida, como se quisesse dizer algo que as palavras não conseguiam alcançar.
Amélie, no entanto, não o culpava. Sentia, em algum lugar dentro do peito, que sua mãe a havia deixado um presente a coragem de seguir em frente, mesmo entre as ruínas.
As semanas em Valderosa corriam lentas, marcadas pelo badalar do sino da igreja e pelo barulho dos cascos dos cavalos na estrada de terra. A casa dos Pérez, no alto de uma pequena colina, já não era tão alegre quanto fora um dia. As risadas femininas que antes ecoavam das janelas agora se misturavam a murmúrios tensos, à voz embargada de Frederic e ao tilintar de garrafas vazias que rolavam pelo chão.
Teresa, a mais velha, tentava manter tudo em ordem. Cuidava das contas, negociava com os vizinhos, e, com um olhar firme, impunha respeito mesmo aos homens mais rudes do vilarejo.
— Amélie, não o encare assim quando ele volta tarde — dizia, em voz baixa, enquanto penteava os cabelos da irmã caçula. — Você sabe que ele não é mais o mesmo.
Amélie apenas assentia, os olhos cor de mel marejados, refletindo o brilho da lamparina.
Clara passava os dias costurando. Seu quarto estava repleto de tecidos coloridos, rendas e fios espalhados.
—Se ao menos eu conseguisse vender o suficiente, poderíamos comprar vinho bom e esconder o r**m— dizia com um humor amargo, tentando arrancar um sorriso das irmãs.
Isabel, sempre sonhadora, falava em ir embora.
— Em Madri, dizem que as mulheres começaram a trabalhar em lojas e que há moças aprendendo a datilografar. Eu poderia tentar a sorte...
Teresa sempre cortava o assunto.
— E deixar o papai aqui, sozinho? E nós?
O silêncio que seguia essa pergunta era pesado demais para ser respondido.
Amélie observava tudo. Era a que mais via as mudanças sutis no pai: o jeito como ele passava as mãos pelos cabelos quando se envergonhava, o olhar perdido pela janela quando pensava na falecida esposa, e a dor escondida sob a voz rouca quando pedia desculpas, na manhã seguinte às suas explosões.
Certa noite, Amélie o encontrou dormindo na cadeira, a garrafa tombada ao lado, o cheiro de álcool impregnando o ar. A vela quase se apagava, e o frio entrava pela fresta da janela.
Ela se aproximou devagar, ajeitou a manta sobre os ombros dele e sussurrou:
— Eu sei que a mamãe te faz falta... mas nós ainda estamos aqui.
Frederic não respondeu. Apenas murmurou um nome que Amélie nunca havia ouvido antes, antes de cair num sono profundo.
A partir daquela noite, algo começou a mudar dentro dela uma inquietação, como se o destino estivesse prestes a bater à porta da casa dos Pérez.