O corredor principal da mansão ecoava o som firme das botas de Estefano.Ele atravessava os salões com o rosto tenso, o maxilar travado e as luvas ainda nas mãos.A cada passo, a raiva crescia não apenas pela humilhação de Amélie, mas pela crueldade fria da própria mãe.
Encontrou Francesca no salão de chá, sentada com elegância à mesa, mexendo calmamente o açúcar em sua xícara.O contraste entre o gesto sereno e o ódio que ele sentia o fez quase perder o controle.
— O que foi aquilo?! — a voz dele soou mais alta do que pretendia.
Francesca ergueu o olhar, sem se abalar.
— Ah, meu filho… suponho que esteja se referindo à sua nova criada.
— Minha criada? — ele repetiu, incrédulo. — Isso é o que ela é agora para a senhora? Uma moeda? Um castigo?
Francesca pousou a colher e recostou-se na cadeira.
— Ela está trabalhando, meu filho. Diferente do pai dela, que prefere afogar-se em vinho. E sinceramente, deveria me agradecer, agora pode ter ela todos os dias.
— Isso não é trabalho, é humilhação! — Estefano avançou um passo. — A senhora a trouxe aqui apenas para me provocar, para provar um ponto que não existe! E..eu jamais tocaria nela desse modo, eu a respeito mamãe.
Francesca manteve o olhar fixo, gelado.
— Eu a trouxe aqui porque ela aceitou. Ninguém a forçou. Se deseja servir, que sirva. E se isso o incomoda tanto, talvez deva se perguntar por quê.
O silêncio que se seguiu foi cortante.Estefano sentiu o rosto arder, a raiva se misturando a uma culpa que não sabia nomear.
— Porque ela não merece estar aqui, ajoelhada no chão, limpando o chão da casa que destruiu o pai dela!
Francesca arqueou uma sobrancelha.
— Ah, então é isso. — Seu tom se tornou suave, quase zombeteiro. — O herdeiro dos Cavalcante está se apaixonando por uma criada, uma pobre.
Ele respirou fundo, tentando conter-se.
— A senhora está ultrapassando todos os limites.
— Não, meu filho. — Ela se levantou lentamente, impondo sua presença com um simples movimento. — Eu apenas os defino.
Nesse instante, passos leves ecoaram atrás deles.Quando Estefano se virou, viu Amélie parada na porta.Ela segurava o avental nas mãos, o olhar baixo, o coração acelerado.
— Senhor Cavalcante… — disse ela, hesitante. — Por favor, não discuta com a senhora sua mãe por minha causa.
Estefano deu um passo em direção a ela.
— Amélie, você não precisa—
— Preciso, sim. — interrompeu, erguendo os olhos pela primeira vez. — Eu vim por vontade própria.
Francesca observava a cena com um pequeno sorriso satisfeito.
Amélie continuou, a voz trêmula, mas sincera:
— É verdade… meu pai deve muito à sua família. E, se eu puder servir aqui, mesmo que seja limpando o chão, então é uma forma de pagar o que ele não pode, é...digno.
Estefano balançou a cabeça, inconformado.
— Você não entende, Amélie. Isso não é justiça. É orgulho.
— Talvez senhor.— ela respondeu, com um leve tremor na voz. — Mas se eu não fizer nada, meu pai perderá a casa, e minhas irmãs não terão onde viver. Se é humilhação, então que caia sobre mim.
A dor no olhar dela cortou o ar.
Estefano abaixou o tom, a fúria dando lugar a uma tristeza profunda.
— Eu não quero que você se sacrifique por erros que não são seus…
Francesca aproveitou o momento para intervir, com uma calma quase venenosa:
— Ora, Estefano, talvez devesse ouvir a moça. Ela parece ter mais senso de dever que muitos homens que conheço.
O olhar dele se voltou para a mãe, frio, mas contido ele sabia que qualquer palavra a mais só pioraria a situação.Amélie, percebendo isso, deu um pequeno passo à frente e murmurou:
— Por favor, senhor… aceite. Assim tudo fica em paz.
O silêncio se instalou.
Francesca, satisfeita, recolheu a xícara e voltou a se sentar, como quem encerra o assunto.Estefano, no entanto, manteve o olhar em Amélie e nos olhos dela, encontrou algo que o desarmou completamente: coragem e resignação.
Ele respirou fundo, desviou o olhar e apenas disse:
— Como desejar, senhorita Pérez.
Depois se virou e saiu do salão, o som das botas ecoando como um trovão abafado.
Amélie permaneceu parada por um instante, sem saber se devia chorar ou se sentir aliviada.Francesca se aproximou lentamente, pousando a mão fria em seu ombro.
— Muito bem, minha querida. — disse ela, com um tom que misturava falsa doçura e triunfo. — Saber o próprio lugar é o primeiro passo para sobreviver nesta casa.
Amélie apenas assentiu, em silêncio.Mas dentro dela, uma chama pequena e teimosa começava a acender algo entre orgulho e dor.
— Agora saia, tem trabalho a fazer. — Francesa ordenou.
Amélie apenas assentiu com a cabeça baixa e saiu.