O caminho de volta para casa parecia mais longo do que nunca.
Amélie andava com passos apressados, o vento frio levantando poeira e mexendo os fios curtos de seu cabelo castanho. O coração batia acelerado.
A imagem daqueles homens a carruagem n***a, o olhar duro do pai, e o jovem de olhar penetrante ainda não saíra de sua mente.
Quando ela empurrou a porta de madeira da casa, o cheiro familiar de pão e ervas a recebeu. As irmãs estavam reunidas na cozinha: Teresa, a mais velha, sovava massa sobre a mesa, Clara, costurava junto à janela, e Isabel, a terceira, remendava uma toalha.
Todas levantaram os olhos ao vê-la entrar.
— Amélie! — exclamou Teresa, enxugando as mãos no avental. — O que houve? Papá está bem? Você está pálida!
Amélie fechou a porta atrás de si e respirou fundo.
— Eu… eu fui levar o casaco dele. — A voz saiu trêmula. — Mas quando cheguei lá… havia homens com ele.
Clara arregalou os olhos.
— Homens?
— Sim. Um deles… era o cobrador, acho. E o outro… o outro parecia importante. — Ela hesitou, buscando as palavras. — Chamaram-no de senhor Estefano Cavalcante.
O silêncio que se fez foi quase palpável.
Isabel deixou cair a agulha que segurava.
— Você disse… Cavalcante?
Amélie assentiu, inquieta.
— Sim. Por quê? Vocês o conhecem?
As três trocaram olhares aflitos. Teresa foi a primeira a reagir largou a massa e se aproximou, segurando os ombros da irmã.
— Amélie, você precisa me dizer exatamente o que aconteceu. O que eles disseram ao papá?
— Eles estavam… cobrando algo. Papá ficou nervoso. Disse que ia pagar, mas o homem o jovem falou que o tempo era o que custava mais caro… — Ela mordeu o lábio, tentando lembrar. — Depois, quando me viram, ficaram todos em silêncio.
Isabel levantou-se, aflita.
— Eu sabia… — murmurou. — Eu sabia que havia algo errado com o dinheiro que papá escondia!
Teresa a olhou, severa.
— Não tire conclusões ainda.
— Mas é claro que é isso! — interrompeu Isabel, nervosa. — Os Cavalcante emprestam dinheiro a meio vilarejo, Teresa. E quem não paga… todos sabem o que acontece.
— Chega! — a irmã mais velha ergueu a voz, cortando o pânico que começava a se espalhar. — Não vamos deixar o medo nos dominar.
Virou-se para Amélie, mais calma.
— Você falou com esse Estefano?
A jovem hesitou, lembrando-se do olhar dele intenso, quase hipnótico.
— Um pouco. Ele perguntou se eu era filha de papá. Só isso.
Isabel cruzou os braços.
— E como ele era?
Amélie abaixou o olhar, sem saber explicar.
— Parecia… diferente. Não como os outros. Não rude, mas… perigoso. — Um leve rubor subiu-lhe ao rosto, e ela rapidamente desviou o assunto. — Vocês acham que papá deve mesmo algo a eles?
Teresa suspirou fundo e se sentou à mesa, passando a mão na testa.
— Acho que sim. E temo que a dívida não seja pequena.
Clara se aproximou da janela, olhando para o horizonte.
— Se os Cavalcante já foram até ele, é porque o prazo acabou. E eles não têm piedade de ninguém, Teresa.
A mais velha assentiu, os olhos marejados.
— Precisamos pensar no que fazer. Não podemos deixar papá lidar sozinho com isso.
Amélie, sentada agora à beira da mesa, sussurrou:
— Ele parecia… cansado. Triste.
Teresa olhou para ela, com ternura e preocupação misturadas.
— Ele está se afogando, Amélie. E nós temos que encontrá-lo antes que seja tarde.
O vento soprou pela janela aberta, trazendo o som distante de um sino.
E, por um instante, todas ficaram em silêncio cada uma imaginando o que poderia acontecer se a família Cavalcante resolvesse cobrar o preço de uma dívida que o destino talvez já tivesse selado.