A noite caiu lentamente sobre a pequena cidade, trazendo consigo o frio e o cheiro de lenha queimada.
Dentro da casa dos Pérez, as lamparinas tremiam, lançando sombras nas paredes gastas.
As irmãs ainda estavam acordadas o jantar esfriava sobre a mesa, intocado.
Amélie, sentada perto da janela, segurava o rosário que pertencera à mãe.
Teresa olhava para a porta a cada som que o vento fazia, inquieta.
Isabel costurava apenas por não saber o que fazer com as mãos.
Quando finalmente ouviram o rangido da fechadura, todas se levantaram.
Frederic entrou cambaleante, o casaco molhado de orvalho. O cheiro de vinho o precedeu.
Seus olhos fundos revelavam exaustão, vergonha e algo mais desespero.
— Papá… — começou Teresa, com voz suave. — Estávamos preocupadas.
Ele jogou o chapéu sobre a mesa, evitando olhá-las.
— Não precisam se preocupar comigo. — Sua voz estava rouca. — Preocupem-se em dormir.
Clara se aproximou devagar.
— O senhor não comeu nada o dia todo…
— Eu não tenho fome! — rosnou, batendo a mão na mesa com força.
O som ecoou pela casa, fazendo Amélie se encolher no canto.
Teresa manteve o tom firme, mas compassivo.
— Papá, nós sabemos. Os Cavalcante estiveram com o senhor hoje, não foi?
Ele se virou, os olhos avermelhados, a expressão tomada por um misto de raiva e vergonha.
— Isso não é assunto para vocês!
— Como não seria? — rebateu Clara, a voz embargada. — São nossas vidas também!
Frederic inspirou fundo, os punhos fechados.
— Vocês não entendem o que estão dizendo.
Amélie levantou-se, os olhos marejados.
— Papá, nós só queremos ajudar. Por favor… fale conosco.
A doçura na voz dela o atingiu mais do que qualquer acusação.Mas o orgulho e o medo falaram mais alto.
— Ajudar? — Ele riu, amargo. — O que uma menina como você pode fazer, Amélie? Hã? Pagar minhas dívidas com suas preces?
Ela recuou, ferida.
Teresa, enfurecida, deu um passo à frente.
— Não fale com ela assim!
Frederic passou as mãos pelo rosto, como se tentasse apagar tudo.
— Basta! — gritou, virando-se para a porta. — Eu já tenho peso demais sobre mim. Não me façam carregar o de vocês também!
E, sem esperar resposta, saiu novamente, batendo a porta com força.
O silêncio que ficou foi devastador.
Isabel começou a chorar baixinho. Clara correu para trancar a porta, com medo que ele saísse novamente.
Teresa respirou fundo, tentando conter as lágrimas.
Amélie ficou imóvel por um instante, o rosário ainda nas mãos, os olhos fixos na porta.
Quando falou, sua voz era apenas um sussurro:
— Ele não está mais lutando…
Teresa se aproximou, abraçando-a.
— Então teremos que lutar por ele.
E, enquanto o vento frio entrava pelas frestas da janela, as quatro irmãs entenderam algo terrível estava prestes a acontecer, e nenhuma delas tinha poder para detê-lo.