Na cidade de Vale das Sombras.
— Tudo bem… agora que todos nós já sabem da novidade, vou para o meu quarto
Peter diz, se levantando com aquele jeito calmo demais que sempre parece esconder algo prestes a quebrar.
Ele sobe as escadas em silêncio. Sempre silencioso demais.
Poucos minutos depois, a casa inteira é preenchida por uma melodia triste, lenta… como se o próprio piano estivesse chorando através das mãos dele.
Eu suspiro.
— Sabe, Nicolas…
Draco começa, jogado no sofá, girando uma maçã na mão como quem gira problemas na cabeça
— nosso irmão devia sair mais. Ou arrumar uma garota. Ou alguém pra divertir ele, sei lá. Ele é muito sozinho.
Eu cruzo os braços, ouvindo a música descer pelas paredes da mansão como névoa.
— Não é só solidão
respondo.
— Peter é… complicado.
Draco ri, um riso curto, sem humor.
— Complicado? Ele é simplesmente sombrio. Olha pra música dele, Nicolas. Tudo é triste. Tudo é… pesado. Parece que ele carrega o mundo nas costas.
Eu não respondo de imediato. Porque Draco tem razão.
Peter sempre foi o mais quieto entre nós, o que sente mais fundo, o que se prende mais ao que não quer lembrar.
E no fundo… todos sabemos o porquê.
Draco continua:
— Ele não aceita o que somos. Ele nunca aceitou. Acha que pode fingir, esconder, sei lá… ser “normal” tocando piano com a quela tristeza toda.
Eu olho para o teto, onde a melodia se arrasta como se pedisse ajuda.
— Peter nunca lidou bem com nossa natureza. Ele tenta controlar… mas isso só torna tudo mais sufocante pra ele.
Draco dá de ombros.
— Então ele devia achar um jeito de soltar um pouco dessa carga. Uma garota ajudaria. Alguém que tirasse ele daquela caverna emocional.
— Você fala como se fosse simples murmuro.
— Mas pra Peter… nada é simples.
Draco joga a maçã para cima e pega de volta.
— Bom… com a nova babá chegando, a casa vai ficar mais interessante. Quem sabe ela não dá um choque de vida nesse nosso vampiro melancólico?
Eu olho para ele com reprovação.
— Draco…
— O quê?
ele sorri malicioso.
— Só estou dizendo a verdade. A gente sabe como ele fica quando algo ou alguém mexe com ele.
No quarto de Peter.
Eu deixo os dedos descansarem sobre as teclas do piano, a melodia interrompida por um suspiro pesado.
— Não sei por que o Nicolas contratou outra babá…
murmuro para mim mesmo.
— Se ela não corre do Laila, o Draco vai fazer ela correr.
Eu me levanto devagar e caminho até a janela, apoiando as mãos no parapeito frio. A lua cheia ilumina a escuridão da noite, refletindo no lago distante. A mansão fica afastada da cidade, cercada por uma floresta que usamos para caçadas… um mundo à parte do resto das pessoas.
O vento entra pela janela, frio, carregando o cheiro da madeira e da terra úmida. Fecho os olhos por um instante, sentindo a solidão me envolver.
— Acho que fiz a escolha errada quando deixei o Victor me morder…
sussurro, a lembrança queimando como ferro em brasa dentro de mim.
Volto a tocar. Cada nota escapa como um sussurro da minha alma, pesada e cortante. Sinto cada parte dessa música pulsar dentro de mim, porque eu a criei quando vi meu amor nos braços do meu próprio irmão.
O piano chora junto comigo, cada acorde carregado de dor, ciúme e arrependimento. A melodia não é apenas som; é lembrança, é acusação silenciosa, é tudo que não consigo dizer em palavras.
Olho para a lua pela janela, tentando me perder no reflexo frio dela, mas não há escapatória. A música é minha confissão, e a noite, minha cúmplice.
E eu continuo tocando, mesmo sabendo que cada nota me aproxima mais do que jamais poderei esquecer… ou perdoar.