— Mas por que você vai para essa cidade? Luna faz uma careta, cruzando os braços.
— Eu não gosto nem do nome: Vale das Sombras.
Solto um riso fraco, quase um sussurro.
— Você sabe, Luna… eu não posso ficar aqui. Respiro fundo, tentando não deixar a ansiedade aparecer.
— E… outra coisa, eu fui aprovada na faculdade de lá.
Ela ergue uma sobrancelha, maliciosa, e sorri como se já suspeitasse de algo.
— Aprovada na faculdade… ou naquele certo professor que dá aula lá?
Desvio o olhar, fingindo indiferença, mas sinto o rosto esquentar.
— Talvez…
— Ah, Ravena, me poupe.
ela ri, cutucando meu ombro com leveza.
— Eu te conheço muito bem. Vejo como seus olhos brilham quando você fala do Jones Sebastian.
Ela balança a cabeça, confusa.
— Ainda não entendi por que um grande arqueólogo como ele está dando aula numa cidade com um nome desses, em vez de estar descobrindo templos perdidos, tumbas secretas ou sei lá o quê.
Dou de ombros, mas o sorriso surge sozinho verdadeiro, quente, quase proibido.
— Talvez você esteja certa. Eu sou uma grande fã dele. ele é bonito… então por que não juntar o útil ao agradável?
Luna abre um sorriso vitorioso, como se tivesse me desmascarado.
— Eu sabia! exclama, radiante.
— E quando você vai?
Meu sorriso desaparece, e a realidade volta como um golpe.
— Eu ainda não sei.
digo baixinho.
— Preciso de um trabalho e um lugar para ficar antes de ir.
Luna pensa por alguns segundos, batendo o dedo no queixo, como se estivesse estudando a situação com cuidado.
— Bem… você poderia trabalhar como babá.
Ela dá de ombros.
— Deve ter famílias ricas por lá… ou pelo menos com bom recurso financeiro. Crianças sempre precisam de alguém.
— Pode ser… murmuro, sem muita convicção. — De qualquer jeito, vai ser só até eu terminar a faculdade.
Ela me observa em silêncio por alguns segundos. E eu sei o que ela está pensando. Sei o que ela vê em mim: força… e também a sombra daquilo que ainda não compreendo totalmente.
— Ravena…
ela diz finalmente.
— Se você realmente for para Vale das Sombras… não esquece de mim.
Sorrio não aquele sorriso triste, mas um verdadeiro, cheio de carinho e cumplicidade.
— Nunca.
repito com firmeza, abraçando Luna antes que ela vá.
— Tudo bem… eu preciso ir. Mas antes de você ir pra essa tal Vale das Sombras, se despede de mim, tá?
ela diz, andando de costas, como sempre dramática.
— Pode deixar, eu venho te visitar quando der. Prometo.
respondo, sentindo o peito apertar.
Ela aponta o dedo para mim, com aquele sorriso que mistura ironia e carinho.
— E se você conhecer algum homem bonito… me avisa! E se for aquele professor lindo… melhor ainda. Ravena, eu te conheço, viu? Não me engana com essa carinha de anjo.
Eu rio, balançando a cabeça.
— Vai embora, Luna.
— Até, Ravena!
ela grita, antes de desaparecer pela rua.
E então… o silêncio cai.
Fico parada por alguns segundos, olhando a porta se fechar, como se uma parte da minha vida tivesse acabado ali. Entro na casa devagar, e o eco dos meus passos parece maior do que antes. Tudo está tão… vazio.
No corredor, meus olhos caem sobre um retrato: meus pais e eu, tão felizes, tão vivos, tão completos. A saudade me aperta como um soco no peito. As lágrimas ameaçam cair, queimando por trás dos olhos.
Inspiro fundo. Uma, duas vezes. Não agora.
Pego o celular e me sento no sofá, que ainda guarda o cheiro da minha mãe. Abro os aplicativos e começo a vasculhar as ofertas de trabalho na cidade de Vale das Sombras. Há várias vagas: lojas, cafés, cozinhas, pousadas, bibliotecas.
Mas só uma chama minha atenção.
Uma família de sobrenome Ravenscroft precisa de uma babá para cuidar de uma menina de seis anos.
Leio o anúncio de novo. E depois de novo. Cada palavra parece pulsar na minha mente.
O salário é alto. A moradia está incluída. E eles vivem em uma mansão dentro da própria cidade.
— Ravenscroft…
murmuro, sentindo um arrepio percorrer minha nuca.
Não sei por quê, mas algo naquele nome parece vivo. Como se já tivesse me chamado antes. Como se estivesse esperando por mim.
Talvez seja exatamente isso que eu preciso:
Um recomeço.
Um lugar novo.
Uma nova chance de seguir em frente.
Toco no botão “Enviar candidatura”.
E, nesse instante, sinto que o destino começa a se mover, silencioso, inexorável, levando-me para algo maior do que eu jamais imaginei.