Os Fantasmas do Beco

933 Words
Bato a porta do meu quarto tendo uma única certeza: Ele não confiava mais em mim. E com razão. Eu estava traindo nosso acordo, e ainda não sei descrever como me sentia quanto a isso. No fundo, como eu poderia não fazê-lo? A verdade era um peso que me esmagava, uma rocha no meu peito que só a confirmação final poderia mover. A partir do momento em que encontrei o artigo, a mansão Valente deixou de ser uma jaula para se tornar um ninho de víboras. Eu precisava de respostas. Precisava de certezas e precisa confirmar o que já martelava dentro de mim. Eu tinha que sair. Fui até um dos seguranças. O homem de olhou pesado, mas me recusei a me intimidar por ele. — Preciso sair – avisei. — Não tem autorização para deixar a mansão. — Mas vou precisar de uma. Tenho coisas que preciso comprar... — Faça uma lista — o homem alto me interrompeu — Anote tudo o que precisa e nós cuidamos disso. — Não — disse brava — Se você não pode resolver, eu mesmo falo com o Senhor Valente. Não precise de ninguém comprando meu absorventes e nem nada que seja pessoal. — Aurora... — o homem tinha a intenção de argumentar, mas uma voz forte passa por nós. Nos fazendo ficar em silêncio. — Mande os seguranças prepararem o carro — a voz autoritária de Lorenzo chega com uma ordem — Deixe homens de guarda na porta enquanto ela faz suas compras. Meus olhos recaem sobre ele. Com suas roupas escuras de sempre, ele parece ainda mais duro, mais rígido. Permaneço em silêncio, esperando. — Sim, senhor — o homem alto diz e depois sai. Deixando apenas eu e Lorenzo — Compre o que precisa, estará segura. — Sei me virar, não precisa incomodar seus homens... — Eles são pagos para seguir ordens. Não se preocupe. Sem dizer mais nada, Lorenzo me dá as costas e sai. Eu ainda fico aqui, olhando em sua direção, sem acreditar o quanto foi fácil. Lorenzo era metódico demais, então sabia que teria alguém me seguindo. Eu me certifiquei de que o carro com os seguranças me visse entrar em uma das lojas de departamento mais movimentadas do centro. Comprei o que precisava, mas a minha missão real começou na porta dos fundos. Eu me enfiei no meio da multidão, usando minha experiência da rua para me misturar, desvencilhando-me dos olhares dos seguranças. Sabia que não tinha muito tempo. Precisava ser rápida. Fui para a parte velha da cidade, o lugar onde as memórias eram tão vivas quanto as pessoas, e a sujeira escondia segredos. Aquele era o meu território, não o dele. Eu me sentia mais vulnerável, mas infinitamente mais livre. Eu encontrei o endereço do velho senhor que o artigo de jornal mencionava. Meu coração assumiu um ritmo diferente. Assustado e ao mesmo tempo curioso em saber o que me aguardava. A casa era pequena, as paredes descascando, mas havia flores na janela. Eu sabia que estava no lugar certo. Eu bati, logo a figura de seu Francisco surgiu. Ele abriu a porta lentamente, me olhando com os olhos turvos do tempo, cansados de tantas lembranças ruins. — Eu sou a filha de Rosa Santos — eu disse, a frase me custando um esforço físico. Ao ouvir o nome de minha mãe, uma dor antiga e profunda passou pelo seu rosto. — Entre! — ele convidou a entrar. Não relutei, não precisava. Eu vim porque precisava de respostas. A pequena sala cheirava a café e poeira. — O que veio fazer menina? — perguntou, se sentando em uma poltrona velha, tão empoeirada quanto o resto da casa. — Preciso de respostas. O Senhor deve saber... — Quer mesmo mexer com esse assunto? — Algumas memorias e recordações deviam ficar apenas guardadas. — Por favor! Me conta o que sabe — uma súplica sai de mim. O vi concordar com um aceno de cabeça. Ele confirmou a história, lentamente, como se estivesse revivendo cada detalhe. — O fogo — ele disse — foi um aviso. Uma disputa territorial entre os Valente e outra família rival. — Então havia mesmo um guerra? — Era uma guerra de poder — ele sussurrou, a voz falhando. — Seus pais... eles eram apenas vizinhos. Vítimas colaterais. O aviso foi para outro, mas o fogo se espalhou para todos. Os Valente fizeram isso. Eles não se importavam. O recado precisava ser dado e pronto. Não importava quem estava do lado. Seu pai tentou lutar. Aquele homem... Lorenzo... ou o pai dele, eles eram os reis. As lágrimas que eu havia segurado por anos, por medo de que a fraqueza me matasse na rua, agora escorriam pelo meu rosto, quentes e incontroláveis. Não era mais apenas uma tragédia; eles escolherem o destinos dos demais. Eles mataram porque quiseram e não importava quem estava na frente. Ele era o motivo da minha vida de miséria. O que mais me doía nem era isso. O pior de tudo era que eu estava me apaixonando pelo demônio que tinha me salvado, mas que havia me condenado primeiro. Senti um arrepio gélido. O tempo da mentira acabou. Eu não podia mais fingir. Eu estava sentenciada naquela casa. Não tinha fugir sem que viessem atrás de mim. Me despedi do homem, que muito tinha a me contar. — Tome cuidado menina. Aquela família não é confiável. — Eu também não sou — sussurro. Eu tinha que confrontá-lo, custe o que custar. Eu voltei para o mundo dele, mas não como a sobrevivente grata. Eu voltei como uma bomba-relógio.
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