Galpão

725 Words
Aurora A chuva caía em cascata, transformando as ruas imundas em rios de lixo e desespero. Eu me encolhia sob um toldo rasgado. Essa era toda a proteção que eu tinha. O estômago reclamando por uma comida que não via há dias. Você acha que é difícil sobreviver com pouco? Então tente sobreviver com nada. A fome é uma das piores dores que existe. Posso te garantir que é muito melhor levar um tiro. Em meu mundo, o luxo não existia. Sem sei qual foi a última vez que tive um colchão ou um teto para poder passar uma noite. Aqui, em meu mundo, havia apenas o frio, o vazio e a necessidade de se manter invisível. Era uma dança perigosa entre viver à vista e desaparecer por completo. Estar invisível era sobrevivência. A noite era tão escura que a escuridão parecia ter peso. O barulho forte da chuva invadia os meus ouvidos. Mas eu sabia que não dava mais para ficar aqui. Correndo o risco de morrer de uma forma tão sem graça. Meu nome nem no jornal sairia, porque, ninguém nem mesmo sabe sobre a minha existia. “Indigente é encontrada morta em enchente” Péssima forma de morrer. Eu me obriguei a levantar, obriguei meu pés a andarem e segui em frente, o instinto me empurrou para um armazém abandonado. Tomei cuidado para entrar, mas invadir um espaço não era problema para mim. Respirei fundo o cheiro de metal e mofo, e posso garantir que eles eram melhores que o cheiro de esgoto. Era um refúgio, um breve momento de paz. Havia pilhas de caixas, armários, e diversos objetos. Acreditei que estivesse segura, pelo menos por uma noite. Ter um teto sobre minha cabeça, era a melhor parte. Minha roupa estava molhada, sentia frio e quase agradeci por esses sentimentos que me tiravam um pouco a dor do estomago fazia. Mas então, ouvi vozes. Baixas, ameaçadoras. Parei prestando a tenção e procurando um lugar de fuga. Me encolhi atrás de uma pilha de caixas, o coração batendo como um tambor no meu peito. Eu podia sentir o cheiro de perigo. Minha habilidade de ler as pessoas — meu único superpoder — me dizia que o ar estava pesado de mentiras e intenções cruéis. — Acha que pode chegar aqui e brincar com os meus negócios? Pelo visto você não fez bem as suas pesquisas. Porque se soubesse quem eu sou, jamais tentaria me desafiar. — Não é um desafio, senhor. Ele estava lá. O líder. Era nítido de que era ele quem comandava tudo. Sua expressão, seu jeitos, a forma como ele pronunciava cada palavra o deixavam ainda mais imponente. Em seu terno impecável, ele era uma anomalia em meio àquele caos. Não havia rodeios em suas palavras e as pessoas a sua volta seguiam com a cabeça baixa. De onde eu estava podia ver seus olhos, e tinha um peso ali que eu nunca vi antes. Seus olhos, no entanto, eram mais eloquentes que qualquer voz. Eles transmitiam uma frieza que congelaria um rio. O homem à sua frente tremia, e eu vi o medo por trás do seu sorriso nervoso. — Me perdoa senhor. Garanto que vou concertar o erro. Nunca mais vai acontecer. Ainda podemos seguir com o acordo? Será nos seus termos. — Temos um acordo então! – a voz frio me doeu. Em um piscar de olhos, o acordo foi selado com um movimento rápido e brutal. Eu fechei os olhos, mas era tarde demais. O cheiro de sangue já pairava no ar. Quando me atrevi a espiar novamente, o vi me encarando. Eu não sei como ele me encontrou. Meus músculos ficaram tensos. Eu me preparei para o fim. Mas ele não se moveu. Apenas me observou. Em seus olhos, não havia ódio, mas uma curiosidade gelada, como a de um cientista observando um espécime. Sem que eu pudesse imaginar o escutei fazer uma proposta. Não, Na verdade as palavras dele não saíram como um proposta e nem como um pedido, mas uma ordem. — Você vem comigo. Agora. Não era como se eu pudesse aceitar ou não. Fui pega e aquele me parecia um homem do qual não deixava pendencias para trás. Ele não deixaria um ponta solta, sem saber o quanto eu tinha escutado. Naquele momento, eu não tinha mais nada a perder.
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