Capítulo 5

1048 Words
Terror narrando Vinte ano, irmão. Duas década respirando aquele ar podre de dentro da cela. Sem vaso, banho de canequinha, colchão fino que mais parecia papelão, ouvindo ferro batendo todo santo dia. Se eu não enlouqueci, se eu tô de pé até hoje, não foi porque eu sou fortão, não. Foi porque toda vez que o pensamento de desistir batia, toda vez que eu pensava em meter o lençol no pescoço, eu puxava aquelas fotos da minha família. A Manu sorrindo, o Iago ainda pivete, a Alicia no meu colo... era isso que me dava força, tá ligado? Era esse amor que me mantinha vivo. Comecei em Bangu, lotadão. Quarenta homem jogado numa cela que m*l cabia quinze. Banho de sol contado, rango parecia lavagem de porco. No início, nem visita eu tinha, porque a Manuela também foi presa também. E aí, parceiro, foi aí que nasceu meu maior ódio. Tocaram na minha mulher. Condenaram ela sem prova, sem ligação com nada. A Manu nunca se meteu nos meus corre, nunca! Sempre correu atrás do dela, sempre posturada. O único “crime” dela foi ser minha mulher. E por isso a justiça canalha meteu cinco anos de tranca nela por associação. Cês têm noção da covardia? Fiquei maluco. Dentro do sistema eu trombei o Zico, chefão do comando. O cara já tava fudido, com tuberculose e logo vi que o fim dele tava perto. Quando chegou a hora, rolou uma votação entre os irmãos e adivinha? Eu fui escolhido pela maioria pra ser o novo chefe do Comando aqui no RJ. Mesmo preso, o bagulho girava em torno de mim. Todos os morros respondiam a mim. Inclusive o do meu moleque, o Iago, que já tava tocando o terror lá fora no meu lugar. Visão! Sabendo disso me jogaram na Máxima. Prisão gelada, silêncio mortal. Vinte e três horas trancado, uma hora só de sol. O céu ficava escondido atrás das grades. Na cadeia eu vi homem virar o demônio, vi n**o se enforcar, vi n**o se furar até a morte. Mas eu não pirei, não. Porque eu tinha eles. Enquanto minha mente tava livre, ninguém me prendia naquela p***a. Os cara perguntava: Por que eu não aceitava visita da minha família? Por que não deixa a Manu e os pivete irem lá me visitar?. A real é simples. Eu cresci vendo minha coroa sendo humilhada quando ia visitar meu pai. Revistada, tratada como mulher de bandido, horas de fila só pra ver o verme por algumas horas. Eu via a dor nos olhos dela e reconhecia a mesma dor nos olhos da Manu. Então eu prometi pra mim mesmo que nunca ia deixar minha mulher passar por aquilo denovo. Nunca! Ela não ia ser esculachada por polícia. E nem meus filhos. Lugar de criança não é naquele inferno. Quando o portão abriu, eu fiquei parado, durão, sem saber se mexia. Foram segundos que pareceram eternidade até minha mente aceitar que era real. Que eu não tava mais dormindo na cela. Eu tava livre, c*****o! Meus olhos correram logo pra Manu. Lá fora, esperando por mim. PQP ela tava linda... mais do que antes. O tempo não acabou com nada, só deixou ela mais gostosa ainda. Eu travei, encarando ela e com a respiração falhando. Ela veio correndo na minha direção, na mesma intensidade de sempre. Me abraçou como se fosse arrancar de mim os vinte anos de ausência. Encostei a mão no rosto dela, passando devagar, sentindo os traços que eu nunca esqueci. A pele macia, o cheiro dela e a boca que eu tanto sonhei beijar todo esse tempo. Segurei ela firme, beijei com a saudade que me corroía. Só Deus sabe o quanto eu amo essa mulher. E naquele instante, tudo sumiu. Só existia ela. Linda, perfeita, mais bonita do que antes. Quando desgrudei dela, meus olhos foram direto procurar meu moleque. O Iago. Parceiro, eu precisava ver meu filho. Vinte anos, toda noite, quando eu fechava os olhos, era o rostinho dele que aparecia. Não o de agora de um homem feito. Mas o de quando ele tinha sete anos, correndo atrás da viatura, gritando. Aquela cena nunca saiu da minha mente. Foi meu tormento. A pior lembrança da minha vida. Meu medo era esse: formar uma família e fazer eles passarem pelo inferno junto comigo. Mas agora, quando eu vi o Iago ali, grandão, postura de homem… parceiro, foi como respirar depois de anos sufocado. Eu agradeci a Deus de verdade. Por ele está bem. Olhei em volta caçando minha caçulinha. Minha princesinha, a Alicia. Mas ela não tava. O coração deu aquele aperto. Mas logo a Manu me explicou que ela tava estudando. Ela quer ser médica. Sorri, assentindo com orgulho e saudade. Ela puxou a mãe: determinada, estudiosa. O oposto do pai doido que tem. Tô maluco pra encher minha bonequinha de beijo, sentir o cheiro do cabelo dela. Mas suave, logo mais eu ia matar essa saudade. A Manu pegou o volante, eu sentei no carona. Quando o carro entrou na boca do morro, parecia que o mundo já sabia que eu tava solto. O céu clareou de rojão, rajada cantando, traçante riscando o ar. As motos colando na lateral, cortando rua, acelerando, escapamento roncando. Os carros buzinando, pivete gritando meu nome. Baixei o vidro, botei o braço pra fora e comecei a acenar. A rua inteira vibrava. Vagabundo pendurado na janela, soltando rojão, gritando: “Terror voltou!”. Parecia Copa do Mundo. O morro inteiro comemorando minha volta. As crianças largaram as bolas e correram atrás do carro, acompanhando. Moto empinando, n**o dando tiro pro alto, fogueteiro estourando o céu. A favela tava em festa, irmão. Quando o carro parou em frente à minha casa, desci e fui engolido pelos parceiro. RD veio primeiro, me abraçou forte, tapa nas costas. Renan logo atrás, rindo, emocionado. Vários parceiros antigos também colaram, gente que segurou a ponta esses anos todos. Até chefe de morro aliado veio marcar presença. No quintal de casa já rolava churrasco, cerveja descendo, fumaça subindo. Funk batendo alto. Todo mundo queria trocar ideia comigo, apertar minha mão, me abraçar. Eu ria, batia palma, virava gole por gole. Depois de vinte anos trancado, eu tava no céu. Afinal, eu voltei. O Terror tá na rua, p***a!
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