Capítulo 12

1567 Words
Iago Caí cedo da cama hoje, sem tempo pra enrolar. Cheguei no galpão e fui direto, verificar como tava o trabalho. O bagulho é que se a produção trava, a pista inteira empaca. Então eu precisava ver como tava o setor, tinha chegado material novo, e as bocas do morro deviam ser abastecidas. Logo que entro, o cheiro do químico me bate na cara, aquele pó no ar gruda na garganta. Os moleques tudo no corre, um prensando, outro embalando, a fita estalando quando puxa, a mão colando o adesivo vermelho com o desenho de uma caveira e o nome do comando. Pânico & Terror era o nome escrito em baixo do desenho. Ando entre as mesas, com as mãos no bolso, fiscalizando. Tijolo aberto, balança apitando, menor derrubando farelo no chão e levando a bronca do gerente. Tudo sendo conferido, afinal aqui não é bagunça. É linha de produção, disciplina. Se pesa errado, fodeu; se fecha m*l, prejuízo. Na sala ao lado, o gerente das contas tá com os cadernos abertos, rabiscando quanto vai pra cada boca. Aqui cada rua tem sua boca, cada boca tem um gerente. Eles pegam o material pronto, distribuem pros vapores e prestam conta. Se neguinho vacilar ou acontecer qualquer bagulho. Quem vai decidir o que fazer sou eu. Tô batendo um papo com um dos meus gerente quando chega um deles, todo desconfortável, vindo prestar conta atrasada. — Faltou a Rua 3, chefe — solta, gaguejando. Fico olhando dentro da cara do filho da p**a. — Rua 3? — repito. — Tu sabe que não pode deixar uma boca descoberta, né? Uma falha dessa enfraquece o morro. Ele tenta explicar, fala alguma merda de atraso, carga que deu r**m. Diz que tava com uns problemas de familia por isso não conseguiu me dá esse papo antes. — Eu não sou teu psicólogo, parceiro. Tu vai cobrir esse vacilo. Vou descontar do teu pagamento e tu vai dobrar o turno essa semana. O cara engole seco e assente. Aqui a chance é uma, ou tu faz o bagulho certo ou vai aprender do jeito r**m. Continuo rondando o galpão, vendo a caveira em cada caixa pronta pra descer pra rua. Fico marolando pensando em logística, até porque, esse é o fio que segura esse negócio todo. Tava saindo quando trombo com a Lara, ela trabalha na minha segurança. Os cria chamam ela de Lara Croft, porque a mina é casca grossa, boa de mira e ainda é bonita pra c*****o. A gente já se pegou, já rolou, mas hoje não rola mais. Não por falta de vontade minha, mais por escolha dela. Diz ela que tava misturando as coisas. — Aí, Iago — ela puxa, chegando com a postura de sempre — Tava precisando trocar uma ideia contigo. Os meninos falaram que tu tava aqui no galpão. Será que a gente pode desenrolar essa fita? Assinto, e a gente entra na sala. Sento atrás da mesa, ela fecha a porta e se encosta ali, de braços cruzados, naquela posição defensiva que eu conheço bem. Dá gosto ver como ela ainda treme quando chega perto de mim. — Senta — eu aponto com o queixo. Mas ela n**a, firme. — Tô bem aqui — responde, sem sair do lugar. Eu sorrio por dentro. Se ela tá assim, é porque ainda tem vontade. — É verdade que tu tá pegando o Wallace? — pergunto, encostando o olhar no dela. Ela desvia o olhar do meu e mora o chão. — Eu não vim falar da minha vida pessoal. Eu queria saber se posso mudar de função — solta, voltando a me encarar. Levanto devagar da cadeira e vou até ela. Paro na sua frente, poucos centímetros de distância e sinto o corpo dela tenso, a respiração curta. — Quer saber se pode mudar de função? — Sim — ela fala, e a voz treme um pouco. — Não — respondo direto. — Por que? Tem tanta coisa que eu posso fazer aqui no morro — rebate, e eu caminho na direção dela. — Porque tu é boa pra c*****o no que faz. É uma das poucas aqui que manja de verdade e eu não vou colocar qualquer um na minha segurança. — digo, chegando mais perto, sentindo o corpo dela reagir. O olhar dela dança do meu olho pra minha boca, eu sinto quando a cabeça dela quer seguir o resto do corpo. Eu boto os dois braços em volta do rosto dela, não encosto de verdade, só perfumo o pescoço dela com a minha proximidade, e a boca dela abre sozinha, como se uma parte tivesse obedecido antes da outra. — Para com isso, Iago — ela sussurra, voz falhada. — O WL não é teu amigo? — Eu não tenho amigo — respondo, deslizando o polegar nos lábios dela. Ela solta o ar nervosa, e aquilo me deixa maluco. A sensação de ter ela ali, tipo um ratinho preso na ratoeira, encurralada sem ter pra onde correr... me fascina, de verdade. Quando eu vou meter a boca na dela, ela desliza ligeira por baixo dos meus braços, escapando na malícia. O corpo passa rente, quase roçando no meu, e essa fuga rápida só me deixa com mais t***o, com mais vontade de agarrar ela. — Eu não quero — repete, firme, encostando na mesa como quem coloca um escudo. Me viro e agora é ela que me encara de longe. — Não era isso que o teu corpo tava falando — eu solto, encostado na porta, observando ela. — Não importa o que o meu corpo fale… o que vale é o que eu sinto de verdade. Tu me machucou, Iago. — ela solta — Eu fui parar no hospital por tua causa. Tu é doente, perturbado, um sádico que sente prazer em ver a outra pessoa sangrar, sofrer, chorar. Tu sentiu prazer quando tava me machucando, quando eu gritava de dor… tu não parou, tu continuava. Aquilo não foi sexo, foi tortura. — Mas gozou não gozou? — pergunto rindo e ela não responde — Fala pô. — Isso foi antes de você fazer aquilo comigo... — Ah, c*****o — dou a volta na mesa e me sento de volta na cadeira, impaciente. — Vai ficar com essa p***a até quando? — Pra sempre. Você quase me matou — a voz dela quebra. — Você me bateu, me cortou... tu sentiu prazer vendo eu naquele jeito. — Para com esse caô de vítima, Lara — corto na marra. — Tu entrou sabendo qual é o meu corre, tá ligado? Se a fita pesou, se virou, eu lamento. Mas não vem querer me pintar de monstro não, porque tu sabia que nós não ia fazer amorzinho. — solto na lata. — Você tem razão! Eu que fui burra — diz, quase chorando. — Mimimi do c*****o, vai se fuder! — rebato seco, já sem paciência. — Melhor tu ficar com o WL mermo, que tem mó cara de quem mete fofo. Vai lá, curte teu rolé com ele. E sobre essa p***a de trocar de função, esquece... a resposta é não. Ela assenti e limpa as lágrimas que tão caindo do olho. — Só isso? — perguntei. Ela assentiu calada, virou-se de costas e bateu a porta com um estrondo. A resposta mais clara que eu podia esperar. Essas mina parece que é doida. Sabe muito bem onde tá se metendo e depois vem dar uma de coitadinha. Vai se fuder. Se eu tivesse assumido ela, tava até hoje sentando e sorrindo. Bato a porta da sala com força, atravesso o pátio do galpão e vou direto pro carro. O sangue ainda ferve, a mão desliza pelo rosto tentando esfriar a cabeça, mas o ar quente só piora. Sento, ligo o motor, respiro fundo, encosto as costas no banco e fecho os olhos por um segundo. O celular vibra na minha perna. Número estranho. Chamada — Alô — solto. — Oi... é o Iago? — a voz tímida do outro lado. Já fecho a cara. A pessoa me liga e nem sabe que o número é meu? Vai tomar no cu. Ia desligar na hora, mas me veio na mente a mina lá... a filha do promotor. — Sim — respondo curto. — Sou eu, a Maria Clara... tô te ligando porque meus pais queriam te agradecer pelo que tu fez por mim. Passo a mão coçando a barba e sinto o sorriso brotar no canto da minha boca. — Te falei que tá de boa. — Eu sei, mas é que... — ela pausa, e eu logo imagino ela toda vermelha igual ficou pra pedir meu número. Aposto que tá assim agora. — Eles queriam te chamar pra jantar aqui hoje. Mas eu super entendo se você não quiser vir, eu vou falar com eles que... — Eu vou — corto a fala dela. — Tu vem? — ela se assusta, e eu dou um riso. Acho que ela percebe, porque começa a se enrolar nas palavras. — Não é que... eu... — Me passa teu endereço e o horário. Do outro lado, ouço um sorrisinho baixinho dela. — Tá, eu vou te mandar. — Já é. — respondo. — Tchau, bjo. — ela despede e eu desligo a ligação. Fico marolando sozinho. Caralho... e o Renan jurando que ia ser difícil. Eu vou parar dentro da casa daquele cuzão.
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