Capítulo 22

832 Words
Humberto Saí da clínica com o coração acelerado, era como se um fogo subisse pela minha garganta cada vez que eu respirava. A cena não saía da minha cabeça: a Maria Clara do lado do filho daquele desgraçado. Passei a vida inteira amando ela, guardando o que eu sentia, me colocando como o amigo… e ela escolheu justamente ele. O filho do homem que matou a minha mãe. Entrei no carro e bati a porta com raiva. Segurei no volante, socando até sentir a pele cortar. A vontade era voltar correndo lá dentro e acabar com aquele vagabundo na frente dela, mostrar pra aquele merda quem eu sou. Mas não posso. Não ainda. Se eu fizer isso, boto em risco todo mundo que eu amo. O Terror ia caçar todos até o último canto desse Rio. Respiro fundo, tentando segurar a onda, mas a ideia daquele moleque encostando nela me sangra por dentro. Pra mim, a Clara sempre foi intocável. Aquela menininha loirinha, risonha, meiga… me fascinou. Crescemos praticamente juntos, como primos de criação. Mas eu nunca me vi assim e nunca aceitei que ela me enxergasse dessa forma. Eu sempre soube quem eu era. De onde eu vim. Nasci em Nova Friburgo, filho de uma enfermeira que ralava dobrado pra cuidar da mãe diabética e de um moleque pequeno. Minha mãe saía pra trabalhar sorrindo, dizendo que voltava no outro dia. Só que um dia ela saiu… e nunca mais voltou. Nem corpo pra enterrar a gente teve. A única coisa que tivemos foi um vídeo dela sendo torturada pelos traficantes. Minha avó não aguentou o baque de perder a única filha e mergulhou na depressão. Um dia escreveu uma carta, tomou veneno de rato e se foi. Eu, com três anos, passei o dia inteiro sozinho dentro de casa com o corpo dela em cima da cama. Foi uma vizinha quem me achou, a mesma que tinha arrumado o emprego pra minha mãe. Ela tentou cuidar de mim, mas já tinha cinco filhos. Me arrastava pros trampos dela na casa dos Galdeia, a família do pai da Clara. O moleque loirinho e de olhos verdes ficava sentado no canto da cozinha, rabiscando papel. Até que um dia a filha do casal, a Silvia, veio do Sul e me encontrou ali. Ela não podia ter filhos, tava na fila de adoção fazia tempo. Quando me viu, se apegou de cara. E eu também me agarrei nela. A Neuza contou minha história: minha mãe tinha sido morta, meu pai ninguém sabia quem era e minha avó se matou. Acho que a Silvia sentiu pena e decidiu me levar com ela. E assim minha vida mudou. Ganhei casa, cama, comida, carinho. Mas o passado ficou gravado em mim como ferro quente. O moleque órfão que perdeu tudo virou um homem obcecado em estudar, passar na prova da polícia, botar a farda e caçar o assassino da mãe. Passei em primeiro lugar na PMSC, depois consegui transferência pro Rio. E desde então eu tô na cola desse maldito. Cada prova que eu juntava, cada informação que eu conseguia, eu entregava pro Eduardo. A gente conseguiu colocar o Terror atrás das grades. Foi a maior vitória da minha vida e senti que minha mãe estava vingada. Porém a justiça nesse país não existe. Vinte anos depois, o lixo tava solto de novo e, ainda pior, agora ele se tornou o chefe do comando no RJ e fez do filho seu sucessor. Pode ser que eu tenha me perdido e, talvez, essa seja a única coisa que eu me envergonhe em toda a minha vida. Mas eu sabia que uma hora ou outra o Terror ia sair da cadeia. E quando isso acontecesse, não ia ter santo que segurasse aquele desgraçado. Então eu precisava garantir que ele não saísse tão fácil e o jeito que encontrei foi me aproximando da filha dele, a Alicia. Não por amor. Por estratégia. Diferente do que eu sinto pela Clara. Usar a Alicia foi a única forma de me infiltrar no mundo daquele filho da p**a sem que ele me percebesse. Eu botei o grampo no celular dela e, a partir daí, cada ligação, cada mensagem, cada conversa com o irmão e com o próprio pai caía no meu colo. Servia como munição pra manter aquele merda mais tempo atrás das grades. Com o tempo, ela começou a se apegar. E eu deixei. Fui aproveitando. Mesmo sabendo que ela não é uma pessoa verdadeira e de todas as suas mentiras. Eu me faço de bobo, dou corda e assim continuo colhendo as informações que eu preciso. Sei que é sujo. Sei que não é certo. Mas justiça, pra gente como o Terror e o filho dele, não existe. Então eu vou fazer justiça pelas próprias mãos. Principalmente agora que esse o****o mexeu no meu ponto fraco. Eu não vou permitir que a história da minha mãe se repita. Ela não será mais uma Zuleica. Humilhada, morta e jogada aos cães!
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