O moleque, Johnny, entrou apressado, cara de quem viu fantasma.
— Qual foi, menor? Tá pálido por quê?
— O bagulho tá dando r**m lá na rua do barracão, chefe. — ele fala, coçando a nuca, meio sem jeito. — Aquele noiado lá que tá devendo, o Ernesto... brotou querendo comprar fiado de novo. Tá arrumando caô com o gerente.
Franzo a testa, o cigarro quase caindo da boca.
— Que noiado? Tem tanto arrombado devendo que já perdi a conta.
— Aquele que tu mandou dar um corte na orelha da última vez, chefe. O tal do Ernesto.
Meu maxilar trava na hora.
Sinto o músculo repuxar na têmpora.
— Cês tão me dizendo... — falo devagar, a voz saindo fria pra c*****o, puxando a fumaça funda. — ...que o arrombado ainda teve peito pra subir o meu morro de novo?
Solto a fumaça pro lado, encarando o Johnny.
— Cês deixaram essa p***a subir aqui de boa? É isso mesmo, c*****o? Tão maluco nessa p***a? Um cara desse não era nem pra passar da barricada! Quem dirá chegar na boca pra arrumar tumulto! Tão de caô com a minha cara, p***a?!
O moleque fica quieto, engole seco.
E o silêncio dele só joga mais lenha na p***a da minha raiva.
— Caralho... — solto o resto da fumaça e dou uma risada sem humor nenhum. — Cês perderam o respeito mesmo nessa p***a, tá maluco. Bando de ramelão do c*****o. Cês tão esperando o que pra resolver essa merda? O Papai Noel chegar de trenó? Vai se fuder, p***a!
Levanto da cadeira e amasso o cigarro no cinzeiro com ódio.
— Geral aqui sabe a regra. Tá devendo, tem que cobrar. Não pagou? É saco, c*****o! É simples! Cês tão de óculos nessa p***a? Tão moscando por quê?
Johnny, coça a nuca de novo e mexe no boné.
— Os cara moscando feio... — solto, puto pra c*****o. — Vacilação do c*****o. Vou ter que rever a posição de uns merdas aí nessa contenção, p***a.
Pego a Glock que tava em cima da mesa, confiro o pente cheio.
Encaixo na cintura, nas costas, e jogo a camisa larga por cima.
— Cês deixam qualquer o****o pisar nessa p***a aqui como se fosse a casa da mãe Joana. Bando de p*u no cu.
O moleque tenta justificar, gaguejando:
— A gente tentou falar com teu pai, chefe, mas o Terror não atendeu o rádio...
— Meu pai tem nada com essa p***a não. — corto, seco pra c*****o. Aquele papo de sempre. — Se o bagulho é na minha gestão, quem resolve sou eu! Meu pai tá em outra fita, p***a. Cês tem que ter disposição c*****o!
Saio andando pro lado da porta, já puto.
— Bora.
Ele vem atrás, ligeiro.
Subo na XRE preta. Giro a chave e o motor ruge alto. Johnny monta na garupa.
Descemos a viela rasgando, o barulho da moto ecoando nos becos estreitos.
Os menor na contenção vem atrás.
Meu pai... me tirou daqui, agora me jogou de volta.
Diz ele que "não tem mais saco", que o "comando" ocupa ele pra c*****o.
Mas pra mim essa p***a aqui sempre vai ser nossa.
Ele manda tanto quanto eu, só que de longe.
Mas na linha de frente, quem bota a cara sou eu.
O vento da rua bate na cara quando a gente desce em alta pela principal.
As casas passando rápido, borrão de cor.
Chegamos na boca da rua do barracão.
O clima já tá pesado, como eu imaginava.
Uns três vapor parado na esquina, só olhando a gritaria. Mó tiração do c*****o na rua.
Uma pá de morador espiando a fofoca.
Vejo o noiado.
Sujo, magro pra p***a, mas ainda assim falando alto, apontando o dedo na cara do gerente.
Bancando o valentão.
Um soco que qualquer um dos cria desse nesse o****o botava esse ele pra dormir na hora.
Mas aqui só tem frouxo.
Paro a moto com o pé firme no chão, o motor ainda ligado.
Já desço com a Glock na mão, cano pra baixo, mas visível.
Na atividade.
— QUE p***a É ESSA AQUI? — minha voz sai alta, cortando a gritaria.
O noiado, Ernesto, vira a cabeça na hora e fica branco igual cera.
A cor some da cara do arrombado quando ele me vê.
Se borrando todo.
— Pa-patrão... oi... — gagueja, dando um passo pra trás. — Eu... eu tava só tentando comprar um negócio aqui... desenrolar...
— Comprar? Desenrolar? — chego perto, devagar, encarando o verme. O cheiro de cachaça e sujeira dele me dá nojo. — Tu tá é maluco, né, cuzão? Tu esqueceu com quem tu tá falando?
Dou mais um passo.
Nossos rostos quase encostando.
O olho dele desviando, o suor escorrendo na testa suja.
— Tu me deve cinco p**a e ainda tem a cara de p*u de vir comprar mais na minha área? Tá tirando com a minha cara, filho da p**a?
— Eu vou te pagar, patrão... eu juro... só passei aqui porque... quis te dar preferência... achei que podia desenrolar na moral... — a voz dele tá tremendo, fina.
Dou uma risada curta, debochada.
— Preferência? — repito, olhando pro Johnny e pros vapor na contenção, que agora tão tudo de postura. — Tu se acha muita coisa, né, não? Um merda fedido desse falando em "preferência".
Olho pro gerente, que tá encolhido atrás do balcão improvisado.
— Quanto que esse arrombado tá devendo aí nessa p***a? Fala!
— Quase cinco mil, chefe. — responde o gerente, a voz baixa, cauteloso pra c*****o.
— Cinco mil... — balanço a cabeça, rindo de novo. — ...e o comédia me vem pedir fiado? Tu me acha com cara de o****o ou só tava sem coragem de cometer suicídio mesmo, seu merda?
Ele não responde. Só abaixa a cabeça.
As pernas do noiado tremendo tanto que parece que vão desmontar.
Viro pro gerente de novo. A raiva voltando quente.
— Vontade do c*****o de descontar essa p***a do teu salário, seu animal! Onde já se viu deixar um noia fudido desse comprar cinco mil fiado?! Tá maluco, p***a?! Desde quando a gente dá esse mole aqui?! — solto, encarando o gerente, que abaixa a cabeça de vez.
— Foi vacilo, Iago... eu sei...
— Vacilo não, p***a! Foi burrice! Burrice do c*****o! Tu tá botando a contabilidade do morro em risco por causa de um viciado de merda!
Volto o olhar pro noiado.
— Tu tava vivo por pura sorte, irmão. Sorte que eu tava afastado dos bagulho esse tempo todo, me recuperando. Mas já que tu fez a gentileza de aparecer na minha frente de novo... vamos resolver essa p***a de uma vez por todas.
— Calma, patrão... eu juro que vou correr atrás... eu tô sem nada agora, mas eu juro que vou te pagar! Posso vender meu Palio velho...
— CALA A BOCA! — corto, sem paciência nenhuma pra esse chororô de merda. — Tu vai pagar, sim. Ah, se vai. Mas agora tu vai pagar do jeito certo.
Olho pro Johnny, que já tá ligado no que eu quero.
— Pega o celular dele, a aliança fudida que ele tem no dedo e a chave desse Palio de merda. Revista ele, vê se não tem mais nada de valor escondido nesse trapo.
Johnny obedece na hora.
O noiado tenta falar mais alguma coisa, resmungar, mas eu nem quero ouvir. Já deu.
— Agora some da minha frente. — falo baixo, frio. — E não pisa mais no meu morro. Nunca mais. Entendeu, c*****o?
Ele assente rápido, balançando a cabeça feito um boneco.
Vira as costas e sai andando.
Desce a calçada, tropeçando nos próprios pés, e começa a andar meio torto pela rua.
Olho pros menor do meu lado, depois pro noiado se afastando.
Um cara que devia ter uns quarenta e poucos anos.
Cabelo grisalho, pele clara.
Mesmo sujo e fodido, dá pra ver que um dia teve grana.
Agora é só um lixo.
Quando os pés dele tocam a calçada do outro lado da rua...
PÁ!
O primeiro tiro pega nas costas.
PÁ! PÁ!
Mais dois tiros, mais um nas costas e um na nuca.
Ele cai duro, de cara no chão.
O corpo dele dá um espasmo e fica quieto.
Guardo a Glock de volta na cintura, sentindo o cano ainda quente na pele.
— Some com essa p***a do meu nome. — falo pros vapores, sem nem olhar pro corpo no chão. — E leva a lata velha desse Palio pro desmanche.
Saio caminhando de volta pra moto e o
Johnny vem logo atrás, rindo baixo.
— c*****o, chefe... tu ainda deu esperança pro comédia. Deixou ele sonhar que ia sair andando.
— Deu foi sorte de não ter ido antes. — subo na moto, sentindo o motor vibrar. — Na próxima vez que tiver vacilação desse nível aqui, vai ele e esses p*u no ** aí que deixaram essa p***a rolar.
Dou partida na XRE e o motor ruge.
Toquei pra boca de novo, o Johnny na garupa já mais relaxado, trocando ideia.
Desço da moto na frente do escritório e estalo o pescoço, ajeito a camisa por cima da Glock.
A adrenalina começando a baixar, deixando aquele cansaço fudido no corpo.