Maria Clara
Segurei a mão da Luana, os dedos dela escorregadios de suor dentro dos meus, e puxei com firmeza pelo meio da multidão.
— Vamos embora… agora! — apertei a mão dela ainda mais, desviando das pessoas sem olhar pra trás — se eu parasse um segundo, ele poderia nos alcançar caso viesse atrás de mim.
— Clara! Calma! Eu vou cair, anda devagar! — a voz dela implorava, tropeçando no salto fino que m*l segurava seu corpo — parecia que cada passo podia derrubar nós duas no chão.
Meu único desejo era distância. Quanto mais longe dele, melhor. A música alta, os gritos me sufocavam, como se tudo fosse parte de um pesadelo que eu só queria esquecer.
Quando enfim atravessamos tudo aquilo, meus olhos encontraram o carro parado numa rua mais vazia. Dois rapazes encostados nele nos observavam como se já soubessem quem éramos.
— É o meu carro… pode nos dar licença? — pedi, a voz tentando soar educada. Talvez, se eu fosse gentil, eles dariam licença.
Um deles descruzou os braços devagar, fitando meu rosto.
— Não. Temos ordem pra não deixar ninguém entrar nesse carro.
Senti o corpo da Luana tremer ao meu lado.
— Meu Deus, Clara… — o choro dela começou a escapar, e o olhar perdido buscava em mim uma saída. — O que eu vim fazer aqui? A gente vai morrer igual o Felipe…
Meu coração ardia, o medo me queimando por dentro.
— Por favor… deixa a gente entrar no carro e ir embora! — bati a palma da mão na maçaneta fria contra os meus dedos suados. Será que eles não percebiam o desespero estampado nos meus olhos?
Eles não se moveram. Permaneceram imóveis, guardiões de algo que eu não entendia.
— É o meu carro! Deixa eu entrar.— insisti, a voz mais alta, tentando forçar a porta com as mãos trêmulas. — Não fizemos nada, vocês não podem nos prender aqui! Se não sairmos agora, meu pai e meu primo vão vir atrás de vocês!
Foi então que a voz surgiu atrás de mim, grave, inconfundível:
— Valeu, Jefinho.
Meu corpo paralisou. O sangue correu frio. Os dois rapazes se afastaram e a mão da Luana escorregou da minha.
Ele apareceu na rua escura e quase deserta. Iago.
— Dá uma voltinha aí, gatinha. — os olhos escuros dele se fixaram na minha prima, o tom sem espaço para recusa.
Ela arregalou os olhos, apontando para o próprio peito, sem acreditar.
— Tá falando comigo? — a voz dela saiu pequena, como se ainda houvesse chance de estar enganada.
— Tá vendo mais alguém aqui? Dá teu giro por aí… deixa eu trocar uma ideia com a tua amiga. — foi grosso, como quem está acostumado a dar ordens e a ser obedecido.
— Ela é minha prima! — cravei os olhos nele, o peito queimando de raiva e medo juntos. — E ela não vai a lugar nenhum.
— Não vou deixar a Clara sozinha com você! Eu nem te conheço! — Luana retrucou, mesmo trêmula, a voz dela tentava soar corajosa.
Ele ergueu o queixo, respirando fundo, como se lutasse para segurar a paciência.
— Vai por bem… ou eu mando meu parceiro ali ó passear contigo.
O olhar da dela correu até onde ele indicava e voltou pra mim, apavorada.
— Clara… quem é ele? Você conhece esse homem de onde? Por que ele quer ficar sozinho com você? — as perguntas saíam atropeladas, como se ela precisasse de respostas imediatas.
Mas eu não tinha resposta nem pras minhas perguntas.
— Eu não sei… — menti, puxando ela para mais perto. — Mas obedece ele. — ela negou, balançando a cabeça.— Eu vou ficar bem — não tinha como eu garantir aquilo, mas eu precisava passar tranquilidade e calma pra ela.
Os olhos dele queimaram nos meus, firmes, intransponíveis.
— Quero levar um papo contigo, Maria.
— Eu não tenho assunto nenhum com você! — minha voz saiu alta, raivosa. — Eu só quero ir embora daqui!
— Não vai. — a resposta foi curta, sem desvio.
— Quem você pensa que é, hein? — ri nervosa, mesmo com as mãos tremendo. — Você não manda em mim! Você não pode me manter aqui!
Ele avançou, o rosto tão próximo que eu senti sua respiração quente contra minha pele.
— O que tu tá fazendo aqui? — perguntou frio, os olhos descendo pelo meu corpo como uma acusação silenciosa.
— Eu não te devo satisfação nenhuma! — rebati, mas o corpo inteiro tremia sem controle.
Ele bufou, impaciente, e a mão dele se fechou firme no meu braço.
— Vamo meter o pé.
— Me solta! — forcei, puxando o braço, mas a força dele era imbatível.
Ele me soltou por um segundo, apenas para me agarrar ainda mais forte.
— Marca um tempo com essa garota! — gritou para os homens atrás de nós.
— Maria Clara! — ouvi a voz da Luana, chorando, enquanto um deles já a segurava.
— Não faz nenhuma maldade com ela! — implorei, tentando me soltar.
— Ninguém vai fazer nada com ela não. — respondeu seco, sem olhar pra trás.
Continuei lutando, socando o braço dele com as mãos frágeis.
— Você é um louco! Mentiroso! Psicopata! — minha voz se esganiçou, já embebida em lágrimas.
— Sou mesmo. — ele respondeu calmo. — Agora que tu percebeu?
Me jogou no banco do carona, a porta bateu, e minhas lágrimas caíram sem controle.
— Socorro! — bati no vidro com as mãos trêmulas. — Alguém, me ajuda!
Ele entrou, girou a chave, e o carro disparou pela rua.
— Me deixa sair! — bati no ombro dele, no peito, em qualquer parte que alcançasse. — Por favor, me deixa ir embora!
— Para de me bater, c*****o! — o rugido dele ecoou no carro, os olhos flamejando. — tu quer que eu jogue a nave no poste e nóis dois vá pro saco de uma vez?
O rosto molhado denunciava meu desespero.
— Eu quero voltar pra minha prima! — implorei, soluçando.
— Ela vai ficar bem. — respondeu, olhos fixo na rua.
Eu me encolhi no banco, apertando a bolsa contra o peito.
— Você quer dinheiro? É isso? — minha voz saiu falha, quase sem força. Se fosse isso mesmo, seria tão mais simples… por que eu sentia que não era?
— Eu posso fazer um pix agora… — os dedos deslizaram nervosos pelo zíper da bolsa.Talvez ele aceitasse e tudo terminasse aqui.
A mão dele bateu no volante, o barulho me fez estremecer.
— Dinheiro eu tenho de sobra, p***a! — alterou a voz, cerrando o maxilar até o músculo saltar. — O que eu quero saber é que ideia de jirico é essa tua de colar aqui.
— Que… que tem a minha roupa? — apertei a barra do vestido entre os dedos. Não é possível que, depois de tantas mentiras contadas por ele, ainda tivesse a ousadia de me culpar, como se eu fosse a errada.
— Não se faz de sonsa, Maria Clara! — o tom dele me sufocava. — Olha esse vestido! Tu num disse que não bebia? Tava fazendo o que com um copo de bebida na mão e se exibindo pra um monte de cuzão… tava pedindo pra quê?
Neguei com a cabeça, as lágrimas descendo sem trégua.
— Não é possível que tu tá me culpando… eu nem queria tá aqui…
— Não queria, mas veio! — ele retrucou, batendo no volante de novo. — Tu não faz ideia do que podia ter acontecido contigo aqui, não é? Se descobrissem de quem tu é filha? Ainda mais vestida assim?
Fechei os olhos com força, tentando controlar o ódio que eu tô sentindo desse filho da p**a.
— Eu não fiz nada demais… ao contrário de você… que tava se agarrando com p*****a. Eu só ia curtir o baile e ir embora.
Ele inclinou o corpo, os olhos escuros queimando em cima de mim.
— Nosso bagulho é outras ideias.
Meu coração disparou, um misto de raiva e algo que eu não queria sentir.
Me encostei no banco, o peito arfando sem ar. Ele respirava fundo, e o olhar dele parecia me engolir inteira.
Quando o carro entrou em outra comunidade, eu fiz o sinal do pai nosso e comecei a rezar internamente.
— Você vai me matar? — murmurei, quase sem voz.
Ele não respondeu. Só encostou o carro em frente a uma casa e desceu. A porta bateu, o som ecoou dentro de mim.
Sozinha, trancada no carro, olhei ao redor. A luz do poste refletia no portão alto, a casa iluminada parecia ainda mais sinistra.
A porta do carona abriu de repente, brutal, e a sombra dele se projetou sobre mim.
— Desce. — a ordem veio direta.
— Não… eu não quero ficar aqui… — minha voz tentava ser firme, mas tremia. — Se você quiser dinheiro, meu pai pode te dar. Eu não vou contar nada, não vou nem lembrar do seu rosto… por favor…
Ele não respondeu. Apenas me puxou pelo braço com força, me arrancando do carro.
— Anda. — foi tudo o que disse.
O portão se abriu, e ele me arrastou para dentro. A casa era bonita, móveis caros, piscina iluminada ao fundo. Mas eu só sentia o medo esmagar meu peito.
Ele fechou a porta e ficou parado perto dela.
— O que você quer comigo? — minha voz saiu baixa.
Ele me encarou, os olhos queimando nos meus.
— Eu não quero o dinheiro do teu pai. Não quero te sequestrar. E não vou fazer m*l nenhum pra tu. — segurou meu rosto entre as mãos, aproximando-se tanto que senti o calor da respiração dele. — Eu só quero conseguir falar com você. Me explicar.
Arranquei suas mãos do meu rosto, a raiva me subindo em ondas.
— Eu não quero ouvir sua explicação… porque tu é um mentiroso, falso, fingido… — apertei a boca com força, sentindo o gosto salgado das lágrimas que já molhavam meu rosto — Por que você me trouxe à força?
Ele ficou imóvel, o maxilar travado, os olhos fixos nos meus.
— Porque tu não ia vir nunca. Tu ia se esconder atrás desse teu mundo de princesa… e não ia querer me ouvir.
— E eu não ia mesmo. Você mentiu pra mim esse tempo todo! — olho dentro do olho dele — Você me levou pra Angra, mentiu olhando nos meus olhos… e eu tô aqui imaginando o quanto você deve ter rido de mim. Da i****a que acreditou em você!
— Nunca ri de tu, p***a. — ele cerrou o maxilar. — Tudo o que rolou entre nóis foi real. Nunca foi mentira.
— FOI SIM! — gritei, a voz se despedaçando. — Voce mentiu do começo ao fim! Disse que trabalhava em empresa, que empresa era essa? Ah já sei... venda de drogas, né. Já que tu é chefe do tráfico! — levei as mãos à cabeça, passando entre os fios do meu cabelo. — Como eu fui burra… meu Deus, como eu fui burra!
Ele respirou fundo, o peito subindo rapido.
— Eu podia ter te falado lá atrás… mas se eu mandasse o papo reto, tu nunca teria me deixado chegar perto. — encurtou o espaço, a voz baixa, quase um sussurro. — Tu não ia nem olhar na minha cara.
— É óbvio que não! — meus pés se moveram sozinhos, andando em círculos, tentando fugir do olhar dele. — Meu pai nunca aceitaria! Ele nunca deixaria eu me envolver com alguém como você! E eu também não devia ter deixado!
Ele rodou o boné pra frente, num gesto rapido.
— Eu não quero a aprovação do teu pai. Eu não preciso. Eu quero é tu. Só tu.
— Para de falar isso! — cobri o rosto com as mãos. — Você não me quer… você só me usou. Foi isso! Foi legal pra você se divertir com a i****a virgem aqui? A que caiu na tua lábia de primeira?
— Cala a p***a da boca, Maria. — a voz dele saiu alta. — Tu não foi só mais uma. Nem de longe. Eu não me diverti contigo, p***a… tu é a única mulher que não sai da minha cabeça, nem fudendo. Nem comendo outra.
— Mentira! — empurrei o peito dele, meus olhos transbordando em lágrimas. — Você estava com outra mulher! Eu vi! Eu vi ela grudada em você!
— Aquilo não era nada. — ele aproximou o rosto do meu, o olhar em brasa. — O que eu sinto quando tô com ela não passa nem longe do que eu sinto contigo.
— Eu não acredito! — cruzei os braços. Eu tava muito decepcionada e irredutível. Ele havia acabado com a confiança que eu tanto tinha nele.
— Eu sou uma boba mesmo… tu tá certo em me fazer sofrer. Quem mandou eu me apaixonar por um mentiroso compulsivo igual a você.
Num rompante, ele me segurou forte pelos pulsos, encostando meu corpo contra a parede. O calor dele me cercava inteiro, sufocante.
— Eu fiquei maluco quando te vi naquela p***a. Senti medo de n**o descobrir quem tu é.
— PARA DE FINGIR QUE SE IMPORTA COMIGO! — gritei, a garganta arranhando, as lágrimas descendo sem controle.
— Pode me odiar, pode me xingar, pode me chamar do que for. Mas o que rolou entre nóis é real e tu sabe.
— Real? — minha voz saiu fraca, cheia de dor. — Real é o quê, Iago? Tu invadir minha vida e brincar comigo? Como eu fui burra de ter me entregado a você.
— Tu não foi burra. Tu foi minha e vai ser pra sempre.
— Para! — gritei.
— Eu posso ter vacilado, mentido, feito merda… mas não brinquei contigo. — a voz dele soou grave, rouca. — Quando eu digo que tu é minha, é porque é verdade.
— Eu não sou tua! — respondi num rompante, batendo contra o peito dele, soluçando. — Eu fui de um homem que não existe.
— Não fala isso, p***a. — ele falou as palavras como se doessem nele. — Tu pode se enganar, pode tentar fugir, mas eu não vou largar tu.
Esse bagulho que a gente tem é f**a pra c*****o.
— Sabe quantas vezes eu bati punheta lembrando da gente fudendo? Até comendo essas minas eu tenho que pensar em tu se não nem g**o.
— Me poupe desses detalhes!
— Tô sendo sincero pra tu, c*****o. Tô me abrindo pra alguém pela primeira vez na minha vida.
— Eu não acredito em você! Em nada que sai dessa tua boca nojenta. Tu mente até no jeito de respirar.
Ele segurou meu queixo com força, me obrigando a encarar seus olhos. O maxilar dele tremia, trincado, a veia no pescoço saltada.
— Então olha pra mim e diz que não sente nada. Diz olhando dentro da minha cara.
Abri a boca, mas a voz não saia. Minha garganta travava. Talvez o que me prendia não fosse o medo dele, mas o pavor de admitir o que ele me causava.
— Diz, Maria! — ele insistiu, a voz grave, os olhos ardendo como se fosse ele quem implorava.
Minhas lágrimas despencaram, e eu sussurrei, fraca:
— Eu odeio você…
Ele fechou os olhos por um instante, encostou a testa na minha, respirando fundo, como se aquilo tivesse causado algum sentimento nele. Sua mão correu rápida pela barba, nervosa, mas logo voltou a me segurar contra a parede.
— Tu não me odeia...
Eu tremia, as mãos presas no abdômen dele. Eu não reconhecia mais quem eu era.
— Para… eu não quero mais… — falei fraca, mas não consegui me afastar.
Ele roçou a boca perto da minha, sem encostar, a respiração quente dele queimava a minha pele.
— Me dá uma chance… só uma. — a voz dele arranhava, grave, quase um pedido. — Deixa eu te mostrar o meu lado da história, te mostrar que independente do que eu faço, eu não vou ser um monstro contigo. Eu posso mudar… tu é diferente.
Fechei os olhos, minhas mãos escorregando no vestido, apertando o tecido até quase rasgar.
Eu nao tinha mais o controle do meu corpo, dos meus desejos e das minhas vontades. Não reconhecia mais quem eu era… talvez meu medo não fosse nem pelo o que ele é, mas do que eu sentia por ele.
— Eu não posso… — minha voz falhou.
Ele bufou, rodou o boné pra frente num gesto rapido e encurtou o espaço.
— Pode sim. — roçou a boca na lateral da minha, sem me beijar de vez. — É só tu querer.
Minha respiração falhou. Eu devia gritar, empurrar, sair correndo… mas minhas pernas não obedeciam. O calor dele me cercava, os braços dele pareciam muralhas que me prendiam.
— Eu não devia acreditar… — sussurrei, mas minha boca já quase encostava na dele.
— Então deixa eu te provar. — ele aproximou ainda mais, a voz baixa e urgente. Seus olhos queimavam, as pupilas dilatadas como se engolissem as minhas. — Me dá só uma chance de te mostrar que contigo eu posso ser outro homem.
Ele manteve a boca roçando na minha, me deixando prisioneira do meu próprio corpo. Eu queria empurrar, gritar… mas minhas mãos acabaram se enroscando na camisa dele, puxando mais do que afastando.
— Uma chance… — repetiu, o maxilar duro, a respiração quente no meu rosto. — Eu não tô pedindo pra tu esquecer quem eu sou. Tô pedindo só pra tu acreditar no que eu sinto.
Meus olhos fecharam devagar, e foi nesse instante que ele colou a boca na minha — bruto, faminto, como se quisesse arrancar de mim até o último resquício de resistência.
Tentei resistir, bati no peito dele, mas minhas mãos acabaram se enroscando na camisa, puxando em vez de afastar. Sua boca me dominava, a língua invadindo, deslizando contra a minha, roubando o que restava da minha sanidade.
Ele segurou meus pulsos e os ergueu acima da minha cabeça, prendendo-os na parede, me deixando totalmente vulnerável. O corpo dele pressionava o meu, quente, sufocante, impossível de escapar.
Mordeu meu lábio inferior com força, depois lambeu devagar, como se saboreasse o gosto das minhas lágrimas misturado ao meu. O Iago, gemeu rouco contra a minha boca.
Sem perceber, inclinei o pescoço, e ele aproveitou para descer os beijos pela minha pele. A língua quente riscando meu pescoço, os dentes arranhando de leve, sugando até me arrancar um gemido que escapou contra a minha vontade.
— Fala que tu não sente nada, pô… — ele murmurou ali, colado na minha pele, a respiração quente me arrepiando inteira.
Um soluço escapou de mim acompanhado de um gemido baixo, e eu odiei o quanto meu corpo o queria, mesmo quando minha mente gritava o contrário.
Ele voltou à minha boca, a cabeça inclinando de lado, aprofundando ainda mais o beijo, como se quisesse me engolir. Nossas respirações se misturaram, ofegantes e desesperadas.
Entre gemidos e lágrimas, eu cedi.
Meu corpo traiu minha razão.
Eu cedi.